Bastidores da educação a distância revelam o segredo do bem-sucedido processo que leva o ensino superior a todo o país: a gestão da aprendizagem e o alto grau de envolvimento, desde professores a equipe técnica por Luciene Leszczynski Atenção! Em cinco segundos, quatro, três, dois, […]
Publicado em 22/08/2013
Bastidores da educação a distância revelam o segredo do bem-sucedido processo que leva o ensino superior a todo o país: a gestão da aprendizagem e o alto grau de envolvimento, desde professores a equipe técnica
por Luciene Leszczynski
Atenção! Em cinco segundos, quatro, três, dois, um. O professor olha para uma câmera, mas fala com milhares de alunos de todo o país. A desenvoltura no estúdio é a mesma como se estivesse numa sala de aula, apontando gráficos projetados na lousa, que complementam o assunto abordado verbalmente. O professor não deixa de prestar atenção na câmera, afinal está ali a sua turma. De fato, do outro lado do vídeo, cerca de 40 alunos assistem à explicação do professor em cada uma das centenas de telas instaladas nas salas de aula dos 450 polos da Universidade Norte do Paraná (Unopar) em todo o país.
A turma toda está com sua apostila sobre a mesa, alguns acompanham e fazem anotações, outros apenas assistem, enquanto poucos ainda traçam uma conversa paralela, que em seguida é cortada pelo professor-tutor presente na sala. Com idade média de 30 anos, a maioria dos estudantes de educação a distância da Unopar trabalha e faz a sua primeira graduação. Procedentes das classes C e D, na sua maioria mulheres, o perfil foi apontado numa pesquisa feita com os alunos de EAD da instituição.
Outros levantamentos confirmam o rosto semelhante e ainda em transformação da educação a distância. “A EAD vai convergir para todas as idades”, prevê Rui Fava, diretor-geral da Unopar. Com isso, a necessidade constante de aprimoramento da metodologia para atender aos diferentes públicos e agregar novas tecnologias é justamente o que mais contribui para a evolução do sistema.
Valorização do contato
Avesso à palavra mudança para designar a transformação do ensino superior por meio das novas tecnologias, que permitem levar a educação aonde os alunos estão, ao invés de se deslocaram até ela, Rui Fava prefere mesmo o termo evolução. Ele acredita que atingir 10 milhões de estudantes no ensino superior até 2020 é pouco para dar conta do tamanho da população do Brasil e por isso aposta no modelo a distância, que permite atender um número grande de alunos em suas próprias localidades.
O formato bimodal adotado pela Unopar intercala encontros presenciais e atividades via web. O modelo também conhecido como semipresencial é o que prevalece aqui no Brasil como fruto da regulamentação do sistema de EAD pelo Ministério da Educação (MEC), especialmente nos cursos de graduação.
Na Unopar, os encontros presenciais são realizados uma vez por semana, quando os alunos se encontram numa sala do polo para assistir à aula transmitida ao vivo dos estúdios de Londrina, a 388 km ao norte de Curitiba. O momento presencial é importante porque permite a construção do grupo social, que ajuda a manter o aluno envolvido no curso, além de cumprir com a legislação.
De caso pensado
Obrigatório ou não, esse encontro é o que pauta a organização dos currículos e conteúdos, a preparação de material e o engajamento de professores e tutores num processo mutidisciplinar e de integração multimídia para dar conta de cercar o aluno no modelo que vem sendo chamado “educação sem distância”. O termo é lembrado pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Edson Fregni, que cita a expressão cunhada por um outro professor, Romero Toli, para definir o que seria um sistema de EAD ideal. Para Fregni, a questão é como se utiliza a tecnologia no processo educacional. “Se você pensa que a educação se dá pelo processo que desenvolve o pensamento, então percebe que o processo educacional vem pelo estímulo. Nesse sentido, o material tem de ser muito bem preparado para dar conta do aprendizado”, comenta Fregni. Ele também acredita que a riqueza do processo está na discussão.
E é dessa maneira que a interdisciplinaridade na construção do conteúdo para um ensino superior sem distância precisa se fazer presente desde a concepção, passando pela preparação até a transmissão das aulas. É a tal evolução do sistema, que na Unopar nasceu em 2003 com o uso dos estúdios de uma emissora de televisão local para a transmissão de teleaulas para a formação de professores, num projeto realizado junto ao MEC. À época o curso chegou a atingir 200 mil alunos. Hoje, com 19 graduações e mais de 250 mil alunos cursando EAD, ante os 13 mil alunos no ensino presencial, o Sistema de Ensino Presencial Conectado (SEPC) operado pela Unopar agrega o material transmitido nas teleaulas trabalhos na web e o acompanhamento dos alunos por tutores eletrônicos, que mediam a participação no ambiente virtual de aprendizagem e a realização das atividades.
O modelo de transmissão das aulas ao vivo desenvolvido pela Unopar também suporta a interatividade, com tutores intermediando as questões, recebidas pelo chat que conecta o estúdio às salas de aula do Brasil, e repassando-as para o professor responder em tempo real. Atividades assíncronas, fóruns de discussões on-line, atendimento em horários agendados, o material impresso e a biblioteca virtual complementam os recursos para a formação proposta. “A tecnologia aliada à metodologia adequada é surpreendente para o ensino”, sugere Elisa Maria de Assis, pró-reitora de ensino a distância da Unopar.
Apoio presencial
Toda a importância dedicada à preparação do sistema, material, professores e infraestrutura envolvida para a realização de um sistema de EAD eficiente é observada por outras instituições que apostam nesse modelo de propagação do ensino. Tendo adotado também o modelo de teleaulas via satélite e videoaulas no ambiente virtual, a Anhanguera reúne os alunos presencialmente nas salas de aula em dois momentos semanais. A instituição contabiliza 160 mil estudantes de EAD em 500 polos parceiros espalhados pelo país. “O público aqui também é mais adulto, predominantemente feminino, de classe trabalhadora e vindo de escola pública”, conta José Moran, coordenador de EAD da Anhanguera.
Com essas características, o modelo semipresencial, como não poderia deixar de ser, foi desenvolvido para dar um suporte mais robusto para os alunos, com as aulas presenciais sendo divididas em dois momentos: para assistir à teleaula e manter contato com o professor da disciplina e para a realização de tarefas mediadas pelo tutor presencial. “O segundo momento depois da aula serve para trabalhar outros desafios da disciplina, com atividades de pesquisa que relacionam a teoria com a prática”, explica Moran.
São as chamadas Atividades Práticas Supervisionadas (ATPS), na sua maioria ligadas às disciplinas de liderança, organização e realização de projetos. O material de apoio conta com atividades de autoaprendizagem realizadas a distância com a mediação do tutor on-line, apostilas impressas e conteúdo do ambiente virtual disponibilizado pela instituição.
No modelo adotado por Unopar e Anhanguera, a participação dos alunos em atividades presenciais de uma a duas vezes por semana, pelo menos, obriga à manutenção de polos de apoio em localidades estratégicas, relativamente próximas de seus públicos. Além, é claro, de uma superinfraestrutura de estúdio de gravação e equipe de professores, tutores, designers e técnicos responsáveis por elaborar, transmitir e disponibilizar o conteúdo preparado.
Ao encontro das pessoas
A concepção missionária presente na congregação de escolas isoladas que originou o Centro Universitário Claretiano, por ironia do destino, ou justamente devido aquela vocação inicial, levou a instituição a investir na educação a distância a partir de 2001. Com sede em Batatais, município no interior de São Paulo a 353 km da capital, o ensino presencial claretiano tinha dois mil alunos quando começou a investir no modelo de EAD. Hoje o sistema chega a 19 mil alunos graças à modalidade a distância, e com o apoio de 30 polos espalhados pelo Brasil.
Com a premissa de que EAD precisa ser de fato a distância, o Claretiano restringe os momentos presenciais às atividades de avaliação e práticas obrigatórias em encontros realizados uma vez a cada mês. Com isso, persegue um raio maior de deslocamento dos alunos, tendo estudantes que residem até 800 km de distância do polo. “Já tivemos um aluno que era trompetista de um navio”, exemplifica Artieres Estevão Romeiro, coordenador de EAD do Claretiano.
A flexibilidade em termos de distância e horário é o trunfo desse sistema, adaptável à rotina de cada pessoa. O horário de estudo quem faz é o aluno, realizando as leituras necessárias indicadas pelo material de estudo e avançando nas lições programadas disponíveis no ambiente virtual da instituição. De acordo com Romeiro, as possibilidades tecnológicas e o acesso à internet cada vez mais presente na rotina das pessoas são os fatores que permitem realizar um ensino em que cada aluno aprenda da forma que melhor lhe convier.
Mas a peça-chave são as pessoas que concebem e preparam as aulas. Aqui, mais uma vez, entra a nobre e efetiva participação de toda uma equipe multidisciplinar composta por professores, tutores e desenvolvedores técnicos, elementos cruciais na elaboração do material mais adequado à aprendizagem na EAD. “As tecnologias facilitam, agregam, mas não são elas que farão que o aluno aprenda, e sim o uso que se faz delas, por isso o elemento crucial é a concepção de equipes multidisciplinares para construção do conteúdo”, diz Romeiro.
No Claretiano as turmas de EAD são formadas por grupos de 30 alunos, que interagem regularmente com os professores por fóruns, chats e em atividades programadas, além de participar dos encontros presenciais. Tendo em sua missão a manutenção do contato entre as pessoas, o Claretiano valoriza o diálogo, que é estimulado desde a integração da equipe de professores conteudistas, técnicos, até o contato entre os alunos e com os professores na sala de aula virtual. Além dos meios on-line, a instituição disponibiliza também um serviço 0800 gratuito para que o aluno possa conversar com os professores.
Gestão do ensino
O grande volume de investimento em recursos materiais e infraestrutura não supera o empenho de professores e equipe técnica na preparação e transmissão do conteúdo. Essa combinação de esforços, que se constrói constantemente, é uma marca da EAD. O segredo, no entanto, é algo comum ao ensino presencial, mas que no sistema de educação a distância é primordial para o sucesso do projeto: a gestão da aprendizagem.
De acordo com Rui Fava, o desenvolvimento do sistema de EAD está sempre em evolução. “Na Unopar, a linguagem utilizada foi sendo desenvolvida e aperfeiçoada junto ao corpo técnico e de professores para construir o melhor resultado final”, diz. Para Rui, não só o conhecimento, mas a comunicação e a linguagem correta também são fundamentais para o ensino.
Artieres Romeiro concorda com o aperfeiçoamento do sistema e acrescenta a necessidade de envolvimento dos professores no projeto. “O segredo da EAD são as pessoas. Muito mais importante do que ter a última tecnologia é ter pessoas preparadas para lidar com ela”, completa.
A preparação dos professores, nesse caso, é entendida como um dever e uma atividade constante nos centros de educação a distância. No caso das instituições que utilizam teleaulas, o desafio dos professores é ainda maior, já que precisam encarar a câmera.
Para o professor de história da Unopar Reinaldo Nishikawa, o primeiro momento é sempre o mais difícil, mas o suporte da instituição e a preparação prévia da aula acabam agregando maior capacidade de atingir o aluno. Ele conheceu o ambiente de EAD na Unopar e hoje não troca o modelo por nada. “O preparo o deixa afiado para qualquer tipo de aula. Temos vários elementos para complementar o conteúdo”, conta o professor, que leva a organização e habilidades adquiridas na EAD para as suas aulas no ensino presencial. “Aluno é aluno em qualquer lugar”, encerra.
Educação na tela |
No estúdio do Grupo Kroton em São Paulo, local onde estão centralizas as gravações das videoaulas para os programas de pós-graduação, Adair Gognato, o Pikooka, como é carinhosamente conhecido o gestor da unidade na capital paulista, se sente em casa. Aposentado da Rede Globo, Pikooka foi responsável pela concepção e montagem dos estúdios da Unopar em Londrina ainda no início da incursão da universidade na educação a distância. “Planejei o cenário e tudo”, conta orgulhoso da experiência trazida da televisão e adaptada ao universo do ensino. Pikooka ensina que as aulas no vídeo também precisam agregar elementos lúdicos para garantir a atenção e melhor assimilação da mensagem pelos telespectadores. Para ele, a tecnologia televisiva permitiria ainda fazer muitas coisas mais criativas nas aulas, mas é preciso tomar cuidado para não desviar o foco do ensino. “Estão fazendo 20% do que existe de possibilidade para fazer”, comenta. De acordo com Giuliano Machado, supervisor de pós-graduação da Rede Pitágoras, a abordagem das videoaulas deve ser adequada ao perfil dos alunos. “É uma questão de linguagem. A educação tem sua linguagem com quadro-negro e teorias, enquanto a tevê tem uma estética própria. A balança é saber dosar entre a transmissão da educação e a coisa audiovisual”, explica. |
Educação mista |
Para o professor Edson Fregni, a grande questão da educação a distância é descobrir a melhor fórmula para o ensino massivo. Ele acredita que a sala de aula ainda está enraizada na sociedade. Por isso é preciso uma repactuação da sala de aula por meio do uso da tecnologia. “Com o tempo o currículo vai se tornar híbrido. O papel da escola será decidir o que vai para on-line e o que vai ser presencial”, sugere. “A eficiência do processo é o que vai definir”, diz Fregni. A opinião é compartilhada por Artieres Romeiro, coordenador de EAD do Centro Universitário Claretiano. “Caminhamos para um modelo que envolva todas as variáveis. Quando chegarmos a esse ponto é que estaremos falando em educação superior, uma educação que permite a cada aluno aprender da forma que melhor lhe convier”, complementa Romeiro. Nesse sentido, ele refuta a educação híbrida como o futuro da EAD. “O termo híbrido parece manter a dicotomia da educação, o que não condiz com a realidade do processo educativo”, reflete. De todo modo, segundo José Moran, coordenador de EAD da Anhanguera, o caminho do blended, como também é chamado o modelo que mescla o ensino a distância com momentos presenciais, é a evolução natural do ensino superior e também de uma parte da educação básica. |