Com aumento notável da população de idosos no país, instituições de ensino superior criam programas educacionais especiais para o público na terceira idade
Publicado em 22/04/2014
Com aumento notável da população de idosos no país, instituições de ensino superior criam programas educacionais especiais para o público na terceira idade
por Adriana Natali
O número de idosos no Brasil cresceu três vezes mais que a população total do país durante o mesmo período de tempo. De acordo com dados do censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população. Já em 2010, esse número alcançou a marca de 20,5 milhões, representando 10,8% da população. Ou seja, um notável crescimento de 521%, frente ao aumento de 170% do número total de brasileiros. Pensando nisso, muitas instituições de ensino superior têm oferecido cursos direcionados para esse público crescente, cada vez mais interessado em voltar às salas de aula.
O envelhecimento da população é uma tendência evidente, decorrente do maior desenvolvimento social e do aumento da expectativa de vida, fruto do avanço da medicina, de melhorias nas condições de saneamento nas cidades e da diminuição da taxa de fecundidade.
A advogada e presidente do Grêmio da Universidade Aberta para a Terceira Idade, Maria Ede Catani Antunes, acredita que não há limites para a aprendizagem e para o conhecimento. Aos 67 anos, Maria Ede é aluna da Universidade Católica de Santos (Unisantos) e já fez inúmeros cursos relacionados à área jurídica. “A terceira idade está motivada, sedenta de conhecimento, além do notório crescimento da população idosa brasileira, portanto é um mercado em ascensão”, diz. A Universidade Aberta para a Terceira Idade, sem fins lucrativos, é composta por alunos e ex-alunos com o objetivo de promover atividades para o desenvolvimento social, cultural e assistencial. “Realizamos, constantemente, eventos de lazer e recreação. Estivemos na Sala São Paulo, Museu da Língua Portuguesa, Mercado Municipal de São Paulo, além de realizarmos atividades dentro do Campus da Universidade. Promovemos palestras com abordagem de interesse da terceira idade, exibição de filmes para debate e outras iniciativas correlatas”, afirma.
Nova etapa
Cristina Fogaça, diretora da Associação das Universidades e Faculdades Abertas para a Terceira idade (Aufati), uma sociedade civil e sem fins lucrativos fundada em 1993, afirma que os alunos que frequentam hoje as universidades abertas da terceira idade encaram o envelhecimento de forma positiva. “Parece haver uma nova tarefa humana a ser concretizada após a independência dos filhos e a aposentadoria”, diz. De acordo com Cristina, essa é uma tarefa em que a deliberação pessoal conta muito e, nesta nova proposta educacional, surge o novo conceito da Gerontologia. Um conjunto de orientações e oportunidades assumidas pelo indivíduo, e/ou, facultadas pelo meio, que deverá produzir alterações na identidade. “Novos papéis sociais e o fortalecimento de funções pessoais conquistados graças ao tempo livre serão possivelmente os instrumentos de reinvenção da identidade”, afirma a diretora da Associação.
A maioria desses alunos chega sem grandes perspectivas, pois geralmente são pessoas envolvidas pelas doenças, depressão, medo e solidão. Tais fatores estão presentes na vida dos indivíduos e independem do nível socioeconômico ocupado. Após alguns meses, verifica-se uma maior autoaceitação, autovalorização e claramente o reconhecimento que vem dos outros. “Isso implica mudanças que vão desde avaliação dos problemas de saúde até aqueles relativos aos relacionamentos. As relações familiares sofrem transformações satisfatórias tanto para o idoso quanto para os que com ele convivem e há também um novo engajamento social. Portanto, as universidades, faculdades e grupos para terceira idade, apresentam-se como alternativas importantes. Entendemos que as perdas sociais nesses espaços novos de aprendizagem e sociabilidade podem ser minimizadas e assim a morte social e psicológica do idoso atenua-se ou até deixa de existir”, diz a diretora da Aufati. A Associação congrega, mediante livre adesão das instituições de ensino superior localizadas no Estado de São Paulo, cursos de extensão cultural com diferentes denominações (Universidade Aberta para a Terceira Idade, Universidade Aberta para a Maturidade, Universidade Sênior e outros) destinados a pessoas com idades a partir de 40 anos. O ingresso nesses cursos se faz sem nenhuma exigência formal em termos de apresentação de diplomas, certificados ou realização de provas como vestibular ou semelhantes.
A Aufati tem como objetivos fortalecer os cursos existentes, preservando sua autonomia, zelar pelo nível de qualidade, promover o caráter acadêmico dos programas na perspectiva de um processo de educação permanente, de modo a evitar que ocorram apenas atividades meramente recreativas. Além de estimular e assessorar a organização de novos cursos do gênero nas instituições de ensino superior tanto no Estado de São Paulo, como de outras unidades federativas, difundir e ampliar o debate sobre questões de interesse para os segmentos populacionais formados por pessoas com 40 anos ou mais, especificamente no que se refere a aspectos educacionais, manter intercâmbio com entidades congêneres e demais instituições que trabalham com projetos e programas voltados para a população nesta faixa etária, em especial aquelas cujo foco principal seja a educação.
Boas práticas
Experiências positivas nesse sentido têm acontecido na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e no Centro Universitário Sant´Anna (UniSant´Anna), as primeiras a oferecer cursos para esse público. O projeto da PUC teve início em 1991, no campus Monte Alegre, com uma turma de 40 alunos, visando atender, num primeiro momento, a população idosa do bairro de Perdizes e imediações, como Higienópolis, Santa Cecília e Lapa. Hoje o Programa de Educação Permanente denominado Universidade Aberta à Maturidade tem um total de 700 alunos. O professor Antônio Jordão Netto, coordenador da PUC e da UniSant´Anna, explica que o perfil dos estudantes das duas instituições é muito parecido. “Noventa e sete por cento são mulheres. Quanto à formação educacional, 100% fizeram o antigo curso primário; 80% concluíram o antigo ginasial; 75% o antigo ciclo médio e 25% algum tipo de curso superior. Os casados correspondem a 65% dos alunos; 20% são viúvos e o restante são solteiros ou separados”, explica.
Já a UniSant´Anna implantou o curso de extensão Universidade Sênior Sant’Anna em 1996, por iniciativa do próprio professor Jordão Netto, a pedido do reitor Leonardo Placucci, interessado em oferecer para a população idosa da zona norte da cidade de São Paulo uma oportunidade de, por meio de um processo educacional, voltar aos bancos escolares para uma reciclagem e atualização cultural e ser socialmente reintegrada à vida da comunidade. “O surgimento do curso despertou interesse imediato dos idosos e de suas famílias, provocando, desde o início, grande procura do programa. A razão de tanto entusiasmo deveu-se ao fato de o curso oferecer uma oportunidade, não só de recordar e aprender coisas da atualidade, como da formação de novos grupos de amizade, além do aumento da autoestima e melhoria da autoimagem”, afirma Jordão Netto.
De acordo com o professor, a procura pela instituição está ligada ao fato de esses alunos desejarem oportunidades concretas de atualização com o mundo contemporâneo de uma forma mais dinâmica, atraente e diferente da simples convivência familiar ou dos meios comuns e massificantes de comunicação, como jornais, revistas, rádio e televisão. “A isso se liga também a mudança de atitude frente à vida, não aceitando mais assumir os papéis secundários ou sem importância que a sociedade ainda tenta impor aos idosos brasileiros, como, por exemplo, a reclusão doméstica, a segregação dos demais segmentos populacionais, o isolamento social, a imposição de se transformarem em babás de luxo de netos ou simples serviçais de filhos, a se contentarem a passar a vida sentados para assistir passivamente a programas televisivos de baixo nível”, conclui.
Currículo com cautela
Para montar um curso específico para idosos é preciso considerar que os interessados são pessoas com formação educacional bastante distinta e com interesses característicos. Em primeiro lugar, é necessário que o currículo ofereça matérias com assuntos que sejam atrativos, mas as disciplinas também devem ser ministradas em linguagem acessível a todos os que procuram esse tipo de curso, sem deixar os seus fundamentos científicos de lado. Depois, como as pessoas não chegam à universidade por imposição familiar, nem com o objetivo de inserção no mercado de trabalho, o conteúdo precisa ter um caráter de reciclagem e atualização cultural, sem deixar de propiciar conhecimentos e informações úteis para a vida cotidiana.
O curso deve ser seriamente estruturado e ter um bom corpo docente, com conhecimento e linguajar adequado que possa atingir beneficamente uma população etária e cultural diferente. “O curso da maturidade é de atualização de conhecimentos e reciclagem cultural. Ele não é profissionalizante, oferecendo disciplinas de diferentes cursos universitários, por isso recebe a titulação de universidade aberta. Apresenta-se como coisa séria e de conteúdo, não como muitas vezes é feito pela mídia retratando deformações não raro oferecidas por escolas mal estruturadas”, diz o coordenador acadêmico do curso de extensão Universidade Aberta à Maturidade da PUC-SP, Fauze Saadi.
Os cuidados com relação aos cursos destinados a esse grupo estão relacionados à oferta de um conteúdo atualizado que atenda aos interesses dessa demanda muito distinta, que favoreçam a integração dos aspectos físicos, sociais e psicológicos, oferecendo meios, condições e recursos para que os participantes possam realizar-se plenamente como pessoas que buscam a melhoria de sua qualidade de vida e processos de “ressignificação”. Por este motivo, a Universidade da Terceira Idade não tem o compromisso de carreira profissionalizante e/ou capacitação para o mercado de trabalho, sendo exclusivo de atualização social e cultural, aberto a um público-alvo específico.
A escolha do professor para cursos direcionados à terceira idade é também algo que deve ser feito com cautela. A professora Benalva da Silva Vitorio, coordenadora da Universidade Aberta para a Terceira Idade da Universidade Católica de Santos, acredita que o docente deve ter o seguinte perfil: domínio do conhecimento, comunicação adequada para despertar o interesse dos alunos, simpatia, paciência para compreender a interrupção da aula com perguntas de interesse pessoal do aluno, saber ouvir e se colocar devidamente e permitir a participação dos alunos no decorrer das aulas. “Na graduação, o aluno procura o curso para conseguir o diploma e entrar no mercado de trabalho. Na Uati, o aluno busca convívio, conhecimento, lazer, tudo com prazer, sem o compromisso de nota e passar de ano. Os alunos da Uati detestam férias e recesso escolar, períodos em que alguns deles apresentam determinadas doenças, como depressão e falha da memória”, afirma.
Quando o mercado é o objetivo |
Apesar de os cursos dirigidos para preencherem positivamente o tempo livre e enriquecerem conhecimentos de vida serem a busca mais comum da terceira idade, muitos idosos ingressam nas instituições universitárias buscando de fato aprendizado profissional para retorno ao mercado de trabalho.Por vezes, procuram uma nova graduação com o intuito de perseguir outro direcionamento de carreira. Com menos preocupações com o sustento da família, muitos veem nascer a possibilidade de trabalhar por prazer e seguir seus sonhos. “Meus filhos já estão criados, não preciso pagar escola particular e tenho mais uns 20 anos de vida útil. Não quero morrer sem fazer o que gosto”, conta Celso Adriano Guimarães, de 61 anos.Celso está cursando pós-graduação em história da arte na Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) após 24 anos atuando como gerente de banco. O estudante vê o curso como a realização de um desejo que se tornou possível com a idade, devido ao tempo e aos recursos financeiros agora disponíveis, e pretende seguir carreira na área atuando como professor ou coordenador de curso.Para Caru Duprat, professora da Faap, alunos com mais de 40 anos são comuns nessa disciplina, pois são pessoas que buscam humanidade e estudar arte dá prazer. “Os alunos vêm com a intenção de virada de vida, mudar de carreira”, ressalta a professora.
Na hora da contratação ainda existe preconceito, mas algumas empresas já começam a buscar profissionais com um perfil um pouco diferente: mais experiência, calma e menos competitividade. Por isso a busca por indivíduos na terceira idade. De outro lado, também existem os aposentados que foram solicitados pelo mercado de trabalho. Após um período de estagnação econômica no país, com o renascimento da construção civil, muitas empresas recorreram a profissionais já afastados como alternativa para resolver o problema de mão de obra especializada e capaz. Neste contexto a atualização profissional, cursos de extensão e de MBA podem ser alternativas válidas para idosos procurando atualização e integração com novas tecnologias. |