NOTÍCIA
Publicado em 07/03/2016
Um antigo adágio muito corrente na vida política diz: “Se você não pode vencer o seu inimigo, junte-se a ele”. Isso explicaria certas alianças inexplicáveis ao longo da história. A ideia de fundo é que, esgotados todos os recursos e estratégias numa disputa, e vendo-se à beira da derrota inevitável, ou você joga a toalha e se rende, ou procura unir-se aos vitoriosos.
Algo semelhante poderíamos pensar com relação ao mundo digital, em que muitos alunos mergulham durante horas seguidas, e nesse mundo parecem encontrar tudo. Nossas salas de aula analógicas tornam-se, para eles, o lugar do desinteresse e do tédio.
Em plena Idade Mídia, ou passamos a vida reclamando, combatendo e proibindo (tentando proibir) coisas como o aplicativo de comunicação WhatsApp Messenger, ou pensamos em formas pedagogicamente criativas de mergulharmos ao lado de nossos alunos nesse universo paralelo, que, afinal, não é tão paralelo assim, nem tão hostil como pode parecer à primeira vista.
Um pedagogo com espírito envelhecido se sentirá de certo modo feliz por ter todos os motivos para se queixar das “novas gerações”, dispersivas, negligentes, incapazes de ler, pensar e escrever corretamente, alienadas etc. Quanto mais se queixar e apontar os erros dos alunos, mais ficará evidente (pensa ele) sua superioridade de educador. Quem critica é sempre (ou gostaria de ser) mais perfeito do que o criticado…
A primeira atitude para superar essa visão nada educacional é descobrir as invejáveis virtudes digitais dos nossos alunos. Uma delas é justamente a capacidade de concentração!
Temos de reconhecer que nossos alunos desenvolveram habilidades impressionantes para a comunicação simultânea com diversos interlocutores. Essa agilidade corre o risco, sem dúvida, da superficialidade, mas é essa uma das lacunas que saberemos corrigir, mostrando que a troca de mensagens pode dar margem ao necessário aprofundamento.
Outra virtude digital é a que relativiza as divisões e restrições de tempo. A qualquer hora do dia ou da noite, sempre é possível comunicar-se pelos celulares e iPhones. Antes ou depois de uma aula, os alunos podem preparar ou dar continuidade a alguma discussão relevante. Uma ideia prática (e ao mesmo tempo bem teórica) consiste em propor uma atividade semanal de pesquisa/discussão/compartilhamentos, que culminará com uma apresentação presencial dos resultados e conclusões.
Uma terceira virtude digital, além da comunicabilidade simultânea e contínua, é a naturalidade e informalidade com que tudo é tratado no ambiente do Whats-
App, como nas demais redes sociais, diga-se de passagem. Também aí surgem as lacunas que devemos identificar, demonstrando aos alunos que os dois códigos (o da informalidade e o da formalidade) coexistem em nosso dia a dia e cada qual tem sua hora. Na hora de uma redação ou dissertação, “você”, “verdade” e “comigo”. Na hora da comunicação digital, “vc”, “vdd” e “cmg”.
Uma iniciativa recém-criada de estímulo à leitura on-line pode ser incorporada ou nos servir de inspiração. Chama-se Leitura de Bolso (www.leituradebolso.com), e se apresenta com uma argumentação simples e direta:
No ano passado, 70% dos brasileiros não leram um livro sequer. Também com tanta coisa legal na internet, fica difícil competir. Por isso, criamos uma nova oportunidade para as pessoas lerem usando o WhatsApp e todos os seus recursos. E você só vai precisar de algo que sempre te acompanha: o seu celular.
A página no Facebook do Leitura de Bolso é simpática e vai conquistando suas adesões. Não pretende salvar a educação, mas é uma proposta inteligente e adequada a esse fato tecnológico/sociológico. Seja mania, moda ou necessidade, estamos praticamente todos nesta vibe.
As minicrônicas dos escritores Roberto Klotz e Mário Prata foram os primeiros textos divulgados nesse projeto. Todos os dias, uma história nova. A do dia 17 de dezembro de 2015 é uma crônica de Klotz, Andando com Nietzsche e Schubert. Um texto curto e leve, que brinca com o tema da aquisição de cultura.
O narrador está passeando num final de tarde com duas amigas, que conversam animadamente sobre Shakespeare, Machado de Assis e Nietzsche. A certa altura da caminhada, Ana Beatriz e Rafaela começam a observar o céu e a identificar nas nuvens imagens e figuras sofisticadas como o mapa do mar Adriático e a Pietá de Michelangelo. E então perguntam ao amigo o que ele via no céu:
Examinei as nuvens detidamente e encontrei uma nuvem linda, muito branca, parecia um coelhinho. Olhei de novo e depois olhei para o rosto das minhas amigas. Preferi dizer que não encontrei nada. Concluí que, às vezes, é melhor caminhar só do que bem acompanhado.
O contraste entre as referências culturais das duas moças e as do personagem masculino é um traço desse retrato despretensioso mas certeiro da nossa realidade. Conhecimentos de toda natureza estão à nossa disposição (a internet é céu infinito de buscas e achados). Contudo, não é raro encontrarmos jovens inteligentes ainda no nível do “coelhinho”, nível de imaturidade que podemos ajudá-los a superar.