NOTÍCIA
Dois anos após sua aprovação, o Plano Nacional de Educação tem metas parciais e estratégias vencidas e vencendo sem serem cumpridas
Publicado em 05/08/2016
Sancionado há 2 anos, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi elaborado de forma colaborativa, com contribuições de diversos segmentos sociais, buscando uma perspectiva mais humanizadora, inclusiva e cidadã para a educação. Por ser uma política que contempla o médio prazo – os dez anos seguintes à sua aprovação – a ideia era que ditasse os rumos decididos não por um partido político, mas pelo conjunto da sociedade, sendo tomado como uma política de Estado. Ainda que muitos setores tenham preferido articular-se em outras esferas para defender suas bandeiras para o setor, o Plano goza, desde então, de um razoável nível de consenso, ao menos no plano do discurso. Mas, na prática, contudo, acabou deixado de lado até pelo governo que assinou sua criação.
Apesar de o PNE ter o peso de lei, a instabilidade política e econômica fez com que quase tudo o que estava previsto no papel para os dois primeiros anos de sua vigência não fosse levado a termo. Das 20 metas que compõem o Plano, pelo menos seis incluem prazos que já venceram, sem que os resultados chegassem ao esperado.
O PNE está desenhado em torno de quatro grandes eixos de atuação: a estruturação e universalização da educação básica, a expansão do ensino superior, a promoção da igualdade e da diversidade e a valorização das carreiras dos profissionais da educação. Em suas 20 metas, trata ainda de temas específicos para atingir esses fins, como a gestão democrática e o financiamento da educação.
Além das 20 metas, o Plano traçou centenas de estratégias, que são indicações de passos anteriores para que, no décimo ano, o país consiga alcançar cada um dos objetivos. E muitas dessas estratégias que têm prazos anteriores a 2024 também estão deixando de ser cumpridas, comprometendo a consecução das metas como um todo.
“Considero o PNE a lei mais completa da história da educação brasileira, porque teve uma participação democrática, previsão de orçamento e ousadas aspirações”, afirmou César Nunes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e um dos representantes da academia que ajudou a construir o PNE. “O problema foi que a pauta política subordinou a pauta educacional. O MEC é um indutor, mas com a instabilidade não criou a firmeza necessária para o papel de liderança. Ainda no governo da presidente Dilma Rousseff tivemos uma sucessão rápida de ministros – e muitos deles não eram orgânicos, não são de dentro da luta pela educação.”
Na avaliação de Nunes, quando Fernando Haddad saiu do MEC a liderança que tinha conduzido a elaboração do PNE se diluiu; saíram do ministério nomes importantes e respeitados, como Pilar Lacerda, ex-secretária de Educação Básica, e Jaqueline Moll, ex-diretora de Currículos e Educação Integral da SEB. Para ele, os nomes escolhidos mais recentemente pelo governo interino de Michel Temer podem prejudicar ainda mais o cumprimento das metas. “A Maria Helena Guimarães, que assumiu (a secretaria-executiva) no MEC e a Maria Inês Fini, no Inep, são vinculadas ao primeiro PNE, elaborado sob o ministro Paulo Renato Souza [ministro durante oito anos na gestão FHC]. O PNE atual trata do direito de estar na escola, de uma educação para a humanização e a cidadania. Elas estão ligadas a uma visão neoliberal de desenvolver habilidades e competências”, criticou o professor da Unicamp.
O MEC, contudo, contesta oficialmente que haja qualquer intenção de desqualificar a lei ou mudar os rumos da educação do país. “O Plano Nacional de Educação (PNE) é lei e como tal deve ser cumprido”, informou o ministério numa nota em resposta à reportagem. Em dezembro de 2014, no entanto, ao ser questionada, em entrevista para o site do movimento Educar para Crescer (do qual consta como conselheira), Maria Helena disse não acreditar, por exemplo, que a meta 3 pudesse ser cumprida. A meta se refere à universalização do ensino médio até 2016 (que já não aconteceu, dando razão a ela) e que 85% dos jovens entre 15 e 17 estejam cursando a etapa até 2024. Quem a conhece sabe que a nova secretária-executiva descrê de algumas metas por achá-las irrealistas. Não está sozinha.
Entre eventuais propostas de difícil realização e a paralisação decorrente da crise política, econômica e institucional que assola o país, veja a seguir quais são os atrasos em relação às metas do Plano.
Meta 1 – Educação Infantil
Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 e 5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até o final da vigência deste PNE.
Com dois objetivos relacionados ao acesso, um relativo à pré-escola e outro às creches, a meta teve sua primeira parte – a universalização da oferta para crianças de 4 e 5 anos, descumprida. Ainda restam 700 mil crianças nessa faixa etária fora da escola. “A pré-escola já tinha uma taxa líquida de matrícula alta. Era uma das metas mais factíveis”, avalia Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Em 2010, o atendimento já chegava a 80% das crianças de 4 e 5 anos. Os números foram subindo desde então, mas num ritmo insuficiente. Em 2014 o atendimento chegou a 89%, mas o último Censo Escolar mostrou uma retração em 2015 em torno de 1%.
Para Ocimar, há ainda outros pontos que precisam ser analisados com atenção: a rede privada atende cerca de 25% da demanda da educação infantil, índice muito superior ao das outras etapas, nas quais a média é de 18%. “Precisamos saber qual porcentagem está na rede conveniada (que é tida como particular, mas não é o usuário quem paga) e qual está em vagas pagas pela família da criança mesmo”, disse. Isso implica que talvez exista uma demanda ainda maior, mas, por falta de vagas públicas, as famílias acabem dando um jeito de pagar.
Outro problema, apontado por Alejandra Velasco, coordenadora-geral do movimento Todos Pela Educação, é que houve nas redes uma preferência para o atendimento à faixa etária de 4 e 5 anos. “Para tentar cumprir a meta de 2016, o número das vagas em creche estagnou ou até diminuiu”, alerta.
Para o presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Alessio Costa Lima, ter um índice nacional de atendimento de quase 90% representa um avanço importante. “É preciso reconhecer o enorme esforço das redes em alcançar uma cobertura nesse patamar, mesmo em um cenário atual de escassez. Quando o PNE foi aprovado, vivíamos um outro contexto político e econômico”, afirmou.
Alessio também ressalta que, sempre que se fala em “universalização”, tem de haver um investimento conjunto em políticas de inclusão, pois quem está de fora são crianças em situação de alta vulnerabilidade social. “É mais do que assegurar a existência das vagas. Nesses 10%, há muitas crianças que não chegam à escola por morar em locais de difícil acesso, muitas são de famílias que não sabem que essa etapa é obrigatória. Precisamos agora de um esforço articulado para encontrar essas crianças.”
As redes municipais são responsáveis constitucionalmente por oferecer a educação infantil, mas isso não exime o governo federal de culpa pelo não cumprimento da meta, defende Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “O acréscimo de matrículas depende do Proinfância (programa que financia construção de reforma de novas unidades). Mas no ano passado esse programa sofreu um corte de mais de R$ 3 bilhões”, denuncia.
Dentro da meta 1, há também uma estratégia prevendo a elaboração de uma avaliação padronizada para a educação infantil, e outra determinando que se faça um levantamento nacional da demanda em creches, ambas com prazo para 2016. Nenhuma foi concluída. A Avaliação Nacional da Educação Infantil (Anei) já teve sua matriz discutida pelo Inep, que chegou a anunciá-la para o fim de 2016, mas no primeiro semestre alterou a previsão de sua aplicação para 2017.
Sobre o levantamento de demanda, Alessio, da Undime, acredita que o mais relevante seja cada município ter seus próprios dados, para poder se planejar, mas Alejandra, do TPE, discorda, e lembra ainda que em muitas cidades nem isso acontece. “Essas informações muitas vezes estão anotadas em cadernos de lista de espera das creches, de forma não centralizada. A Pnad oferece estimativas vagas, não há informações por municípios. Para definir políticas públicas, precisamos de indicadores mais precisos”, afirmou.
Por que a meta 1 importa
O professor da Unicamp César Nunes lembra que a educação infantil é a mais recente conquista do sistema educacional brasileiro. “É a primeira vez que a educação infantil aparece numa lei como um direito da criança, e um dever do Estado e da família”, disse. Para além de colocar as crianças pequenas dentro de instituições de ensino, é importante que nessa etapa a escola seja diferente da tradicional, de forma a permitir a descoberta do corpo, a convivência com os seus pares e o recebimento da herança lúdica da sociedade. “Precisa incluir o brincar e a fantasia, o desenvolvimento da linguagem, da motricidade, tudo por meio de vivências e experiências num ambiente pedagogicamente preparado.”
Meta 3 – Ensino Médio
Universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85%.
Os dados de abandono divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao ano de 2014, mostram que 1,3 milhão de brasileiros entre 15 e 17 anos abandonaram os estudos. Como o Censo da Educação Básica mostrou uma queda de 230 mil matrículas apenas no ensino médio de 2014 para 2015, exatamente na etapa em que os alunos dessa faixa etária deveriam estar estudando, o índice de jovens fora da escola deve ser ainda maior. Além de não conseguir universalizar o atendimento escolar para essa faixa, o país caminhou na direção oposta, com abandono crescente.
Para complicar o cenário, as informações do IBGE mostraram também que a maioria (52%) dos jovens de 15 a 17 anos que pararam de estudar o fizeram sem sequer ter completado o ensino fundamental. Assim, essa meta tem duas frentes: trazer de volta o jovem tanto para o ensino médio, quanto para a escola de nível fundamental. Para 2024, o PNE quer todos dessa faixa etária matriculados corretamente, no ensino médio.
Segundo Alejandra Velasco, do TPE, a parcela que sequer concluiu o fundamental é a que representa o maior desafio. “Eles têm um percurso marcado por vários fracassos, seja porque não estavam aprendendo no sistema de ciclos ou porque foram reprovados. A reprovação acaba levando ao abandono, mas ela é sinal de fracasso do sistema”, avalia.
Para tentar minimizar o abandono dos jovens, o MEC chegou a lançar um sistema de “busca ativa” por estudantes, mas ele foi anunciado apenas neste ano, quando os dados do Censo indicaram o aumento da evasão. Não é possível dizer que mudanças o sistema conseguirá promover.
A questão, ressalta Alessio Costa Lima, da Undime, vai além da existência de vagas, tendo mais relação com a capacidade de a escola de hoje atrair os jovens. “Mas se por alguma conjuntura esse contingente de milhões de jovens retornasse de uma hora para outra, não teríamos como atender a todos. Precisaríamos de mais espaço, mais contratações”, disse.
O problema, na prática, é que os jovens se sentem cada vez mais desinteressados pela escola. “Eles não estão procurando. Temos de encontrar novas formas de convencê-los de que a educação fundamental não basta. Para isso, precisamos reorganizar o ensino médio”, afirmou João Cardoso Palma Filho, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e coordenador do Fórum Estadual de Educação de São Paulo até 2015.
A baixa atratividade do ensino médio está longe de ser um problema exclusivo do Brasil: a luta contra a evasão nessa etapa é praticamente global, lembra Daniel Cara, da Campanha. “Aqui, a situação é mais dramática porque nosso ponto de partida é muito ruim. Os alunos se evadem até antes, e não voltam mais”, disse. Segundo Cara, a mudança na estrutura do ensino médio deixou de ser uma pauta exclusiva dos governantes e especialistas em educação, e foi transformada em bandeira dos próprios alunos. “Nas ocupações, eles pedem merenda, e também bibliotecas, laboratórios, uma pedagogia mais significativa.”
Mas se a reforma do ensino médio é uma reivindicação de diversos atores, desde gestores até estudantes, chegar a consensos sobre como fazê-la não tem se mostrado uma tarefa simples. Desde 2013 tramita na Câmara dos Deputados, em uma comissão especial, o projeto de lei 6.840 que, entre outras medidas, prevê uma carga horária de sete horas diárias de aula e matrícula no período noturno exclusivamente para maiores de 18 anos. Não há previsão para o fim das discussões dessa reforma. Mudanças para oferecer um currículo mais interdisciplinar e relacionado à vida dos estudantes podem começar a ganhar corpo com a conclusão da Base Nacional Comum Curricular – outra estratégia do PNE que já deveria ter sido concluída, mas atrasou.
Por que a meta 3 importa
Trazer os jovens para a escola é o primeiro passo para que eles possam aprender. Mas o ensino médio como está hoje não é capaz de atraí-los. “A etapa deve deixar de ser um apartheid social e, para isso, devemos descolonizá-la do vestibular”, afirma César Nunes, da Unicamp, para quem esportes, lazer, cultura, solidariedade, sustentabilidade e visão coletivista são mais essenciais para o adolescente do que a preparação para um exame de entrada no ensino superior. “Para os jovens, a escola tem de ser um espaço de acolhimento, de formação ética e estética, centrado na experiência. Deve ter como base uma concepção de adolescência amada – e não rejeitada – pela sociedade.”
Meta 9 – Alfabetização e alfabetismo funcional de jovens e adultos
Elevar a taxa de alfabetização da população com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional.
Para o prazo final do PNE, 2024, a meta que trata de alfabetização e alfabetismo funcional é zerar o analfabetismo absoluto e reduzir o funcional à metade. A meta parcial de reduzir o analfabetismo absoluto para 6,5% da população em 2015 não foi cumprida, ainda que os números disponíveis sejam de 2014. Eles apontavam para 8%, o que projetava 1,5 ponto percentual a ser reduzido em um ano, algo pouco provável, dado o ritmo cada vez mais difícil nesse quesito, pois os analfabetos restantes, em sua maioria, estão entre a população mais velha – e também mais difícil de vencer essa barreira. O mais provável até 2024 é que haja reduções mínimas do analfabetismo, consequência sobretudo da mortalidade de pessoas analfabetas e não pela realização de políticas para promover a educação de jovens de adultos (EJA).
“Desde 2010 a taxa de pessoas alfabetizadas não se alterou praticamente nada (foi de 91,4% para 91,7% em quatro anos). Essa trajetória não nos leva a acreditar que a meta foi cumprida. E ainda não temos uma política nacional para EJA”, avalia Alejandra Velasco, do TPE.
E faz tempo que muito se promete e pouco se cumpre quanto à alfabetização de adultos. “A Constituição, de 1988, já incluía a erradicação do analfabetismo. Depois colocamos esse objetivo para 1998, então atrasou-se para 2010, e agora a meta é 2024. Mas se permanecer a tendência, com os índices estacionados há anos, também não vamos cumprir”, afirmou Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “É um desrespeito do direito à educação de 14 milhões de brasileiros.”
A falta de ação, governo após governo, demonstra que o tema nunca se tornou de fato uma prioridade. “É uma das políticas educacionais mais abandonadas”, avalia César Nunes, da Unicamp. As medidas para reverter o quadro, sugere, deveriam começar pela qualificação de quadros de professores. “Não há nem linhas de pesquisa nas universidades sobre o tema, salvo raras exceções. Como um professor pode atender da mesma forma um aluno de 15 e outro de 70? E muitas vezes quem faz esse trabalho é um voluntário, que está lá por um tempo indeterminado”, criticou.
Para mudar alguma coisa nesse cenário, seria preciso dar condições objetivas e subjetivas para que essas pessoas voltassem ao ambiente escolar, sustenta Ocimar Alavarse, da Feusp. “É cada vez mais raro encontrar alguém que nunca frequentou a escola. Em geral são pessoas que frequentaram a escola, mas tiveram uma experiência ruim, experimentaram o fracasso”, ressalta.
Por que a meta 9 importa
Ter educação é um direito de todos os brasileiros. Mas manter esse grupo de adultos à margem tem influência também sobre as crianças. “O prejuízo é para as famílias como um todo. A escolarização dos pais tem grande influência sobre o sucesso escolar das novas gerações”, diz Daniel Cara, da Campanha.
Meta 15 – Formação de professores
Garantir, em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no prazo de 1 ano de vigência deste PNE, política nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos I, II e III do caput do art. 61 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, assegurado que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam.
Prevista para 2015, a política nacional de formação não foi formulada. Os últimos dados disponíveis, de 2014, mostram que quase um quarto dos professores (23,8%) ainda lecionavam sem ter um curso superior completo. Embora não se tenha ainda os números precisos de 2015, como nenhuma política foi instituída desde então, certamente o índice pouco evoluiu.
Os dados indicando se os docentes lecionam na área em que atuam são ainda piores – e mais difíceis de medir. Uma compilação feita pelo Todos Pela Educação, com base em informações do MEC referentes ao ano de 2014, mostra que apenas 49% possuíam uma formação compatível com a área de conhecimento em que lecionavam.
A falta de uma política que incentive a formação de novos docentes e daqueles já em exercício – a formação continuada – se conjuga com a falta de qualidade de muitos cursos de licenciatura e com a baixa atratividade da carreira. “Quem se forma em física, química, matemática tem outras possibilidades de trabalho, em geral mais bem remuneradas. Por isso, entram em cena os chamados professores leigos”, explica Ocimar Alavarse, da USP.
Nesta meta, apesar de nenhuma política ter sido de fato instituída, alguns passos positivos já foram dados. João Cardoso Palma Filho, da Unesp, lembra que o Conselho Nacional de Educação elaborou e publicou, em julho de 2015, novas diretrizes para as licenciaturas. “O documento mexeu com os conteúdos, reforçando a parte pedagógica e também a parte prática, porque os cursos estavam com muita teoria, mas abordando pouco questões de educação”, explica.
Uma das grandes mudanças foi a ampliação da carga horária mínima, que passou de 2.800 horas para 3.200. Assim, a partir de julho de 2017, os cursos terão duração de pelo menos quatro anos. “Foi uma medida importante para aumentar a parte pedagógica sem comprometer o conteúdo específico”, diz Palma Filho.
A formação deficiente dos docentes reflete a falta de importância que a sociedade atribui às instituições de ensino, defende César Nunes, professor da Unicamp. “A escola sempre foi feita de maneira improvisada, do ponto de vista físico e pedagógico. Políticas reducionistas, focando só português e matemática, permitiram licenciaturas curtas, de 2 anos”, avalia. “Em alguns cursos, sobretudo aqueles oferecidos por meio da EAD, a formação era tão frágil que nenhum profissional de outras áreas saía com formação superior mais rasteira do que a do professor. Uma política nacional não pode deixar a formação docente à mercê do mercado.”
Dentro da meta 15 também era prevista, como estratégia, a criação de uma política nacional de educação continuada. Mais uma vez, a ideia ficou só no papel.
Por que a meta 15 importa
A formação de professores é vista como tão essencial que foi incluída em 4 metas do PNE. Ainda que não se possa colocar nas costas dos professores toda a responsabilidade sobre a qualidade da educação – pesam também aspectos como atuação dos gestores, articulação no ambiente escolar e infraestrutura, entre outros – é consenso em pesquisas internacionais que o docente é o fator principal para obtê-la.
Meta 18 – Plano de carreira docente
Assegurar, no prazo de 2 anos, a existência de planos de Carreira para os(as) profissionais da Educação Básica e Superior pública de todos os sistemas de ensino e, para o plano de Carreira dos(as) profissionais da Educação Básica pública, tomar como referência o piso salarial nacional profissional, definido em lei federal, nos termos do inciso VIII do art. 206 da Constituição Federal.
Não há indicador que permita o acompanhamento desta meta. O Observatório do PNE utiliza um instrumento que denomina de “indicadores auxiliares”, como a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic), do IBGE, que revela o número de municípios que possuem ações de regulamentação e de valorização da carreira do magistério. Os dados mais recentes, de 2014, mostravam que 89% dos municípios possuíam planos.
Mas a carreira, segundo defende a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), deve começar com o concurso público. E aqui os números são piores: apenas 65,4% dos municípios adotavam em 2014 concursos para selecionar seus docentes. E mesmo em locais onde há concursos, é comum haver uma grande porcentagem de profissionais contratados de outras formas – os chamados contratos precários. Assim, no total do país, apenas 73% dos docentes possuíam contratos estáveis, de acordo com números do Censo Escolar.
Além de serem feitos concursos para a contratação dos profissionais que atuam nas escolas e de haver um plano de carreira, o plano de carreira precisa ser bom. Alguns parâmetros do que deveria constar em todos os documentos regionais foram propostos pela CNTE, mas até agora nada mais foi feito. “Nós analisamos os planos de todos os estados, do Distrito Federal e de alguns municípios e propusemos diretrizes para o plano de carreira dos docentes e dos demais profissionais que atuam na escola. Entregamos ao MEC ainda sob o comando de Aloizio Mercadante, esperando que o projeto fosse discutido com a sociedade, mas nada aconteceu”, afirmou Roberto Franklin de Leão, presidente da CNTE.
Leão defende uma “carreira aberta”, em que os profissionais possam evoluir sem precisar deixar sua função. “Precisamos ter a possibilidade de que um bom professor alfabetizador possa se aposentar sendo alfabetizador, sem precisar virar diretor ou supervisor para progredir na carreira.” Outro ponto considerado essencial para a CNTE é que todos os planos contemplem as “horas-atividade” dos professores fora da sala de aula.
Por que a meta 18 importa
Segundo Roberto Franklin de Leão, presidente da CNTE, a falta de plano de carreira e a grande quantidade de profissionais atuando com contratos temporários tem um impacto negativo bastante direto sobre o aprendizado dos alunos. “O profissional precisa de segurança e perspectiva de futuro. Mas todo fim de ano, grande parte dos professores ficam na expectativa se vão ou não ter turmas no ano seguinte, e em quais escolas. Como pode planejar seu trabalho assim?”, questionou. Assim, a meta 18 é importante para acabar com a “desprofissionalização da profissão”. E, sobretudo, para atrair jovens mais qualificados para a carreira docente, o que não ocorrerá se não houver uma perspectiva de futuro. É a tão falada valorização docente.
Meta 19
Numa crítica ao modelo educacional do final do século 19, Raul Pompeia em sua obra O Ateneu fala sobre o autoritarismo do diretor, Aristarco: “Acima de Aristarco – Deus! Deus tão somente: abaixo de Deus – Aristarco”. Quanto as escolas brasileiras ainda estão próximas desse modelo? Ninguém pode precisar, porque não há uma métrica para isso. “A redação dessa meta não explica como será medida. Não existe nenhum levantamento sobre o tema”, lembra Alejandra Velasco, do TPE.
“Um bom conselho escolar, que tem representantes dos vários segmentos, garante a democracia nas escolas e consegue controlar o trabalho do diretor. No papel eles já existem, mas nas redes ninguém está preocupado em acompanhar como eles se desenvolvem”, acredita Ocimar Alavarse, da USP.
Para além do possível autoritarismo no exercício do cargo, há questões problemáticas sobre como esse diretor chega até o posto. Segundo dados de 2011 do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), 22% dos diretores foram indicados por políticos locais. “Isso transforma a escola em um tipo de ferramenta de política partidária. O diretor tem de fazer com que o atual prefeito continue para se manter no cargo”, explica Alavarse. Segundo ele, foi esse tipo de contexto que fez surgir a ideia de criar um concurso público nacional para diretores.
Em dezembro de 2015, o MEC instituiu o Programa Nacional de Formação e Certificação de Diretores Escolares, voltado tanto àqueles que já estão no exercício da função, como aos educadores que desejam qualificar-se para o cargo. Em março último, houve uma chamada pública para universidades e institutos federais que quisessem se credenciar para oferecer a certificação. A previsão era de que 30 mil vagas fossem ofertadas em julho passado, com os primeiros exames de certificação oficial previstos para ocorrer até o final deste ano. Resta saber se, com a mudança de gestão, o calendário estará mantido.
Ainda que as redes de ensino e o governo federal não tenham feito muito para colocar a meta em prática – objetivo que se torna mais complexo à medida que inexistem indicadores diretos de acompanhamento – a gestão democrática pode ser construída internamente, dentro de cada escola. Para isso, há instrumentos que podem ajudar gestores e membros da comunidade escolar.
Por que a meta importa
“O diretor escolar é uma peça importante, mas se construiu com matrizes autoritárias, ele faz e desfaz”, afirma Nunes. A meta, portanto, pretende quebrar esse autoritarismo, incluindo mecanismos de participação de toda a comunidade escolar. Entre eles destacam-se o Indique – Indicadores da Qualidade na Educação – ferramenta desenvolvida pela ONG Ação Educativa, e o Prêmio Gestão Escolar, hoje coordenado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec). Ambos os instrumentos têm ferramentas diagnósticas que ajudam a estimular uma cultura participativa entre a comunidade educacional e que acentuam objetivos educacionais de relevância, como a aprendizagem, entre outros.
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