NOTÍCIA
Muitas famílias estão optando pela escola pública, e as particulares estão se mexendo para minimizar essa tendência
Publicado em 08/08/2016
O cenário econômico brasileiro, nunca é demais lembrar, passa por um período crítico – não é de hoje. Se no final de 2015 a inflação atingiu seu maior patamar desde 2002, alcançando os 10,67% ao ano, composição de dois dígitos com a qual não convivíamos desde o último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, quando o índice foi de 12,53%, no decorrer de 2016 os números de desemprego chegam a assombrar. Em abril, o país batia os recordes históricos de toda a série da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, a Pnad, atingindo 11,2% da população economicamente ativa, ou 11,4 milhões de pessoas, isso depois de ter chegado a apenas 4,9% exatos dois anos antes.
Números alarmantes poderiam ainda ser pinçados aqui e ali, conforme a coloração que se quisesse dar à narrativa. No caso da área educacional, vale lembrar que o aumento de seu custo para as famílias foi de 9,25% em 2015, 1.4 ponto percentual abaixo da inflação. Inflação esta que deve fechar 2016 na casa dos 7,1%, ou pouco mais do que isso.
A diminuição neste ano, no entanto, não interfere nos prejuízos que já chegaram ao universo de boa parte das escolas privadas do país. Diversos estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Paraná, e o Distrito Federal registraram números significativos de alunos que migraram da rede particular para as redes públicas estaduais, segundo dados das respectivas secretarias de Educação.
Vale lembrar que no final de março o Ministério da Educação anunciou que existiam então 1,6 milhão de jovens e crianças fora das salas de aula. Atualmente, pouco mais de 9 milhões de jovens estudam na educação básica da rede particular de ensino, aponta o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Salário reduzido
Segundo a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), calcula-se um movimento de quase 10% de alunos que saíram da escola privada para a pública na educação básica em nível nacional, entre 2015 e 2016.
Apenas na rede estadual de São Paulo, estima-se que tenha havido o ingresso de 59 mil novos alunos que deixaram escolas privadas, segundo levantamento da equipe de Informação e Monitoramento da secretaria local. A maioria, acredita-se, em função das dificuldades de seus pais para arcar com as mensalidades escolares.
Na zona leste da capital paulista, no bairro Jardim Anália Franco, a Escola Estadual Blanca Zwicker Simões, de ensino fundamental 1, recebeu 129 alunos oriundos das escolas particulares. Entre os novos estudantes está Stella Camargo, 10 anos, estudante do 5º ano, filha da vendedora Viviane dos Santos, que com a crise financeira teve seu salário reduzido e precisou arranjar outro emprego. “Como meu salário caiu pela metade como vendedora, optei por trabalhar em um segundo serviço para ter um aumento de renda. Antes morávamos em Embu das Artes, mas agora estamos no Tatuapé”, conta.
Mas, se a filha menor adaptou-se bem à nova escola, o mesmo não vem ocorrendo com a irmã mais velha de Stella, Raphaela Camargo, de 12 anos, que está no 8º ano na Escola Estadual João Borges, também no Tatuapé. “Na escola em que eu estudava, tinha lição de casa todos os dias, trabalhos semanais. Tem muitos tópicos de matemática, por exemplo, que são novos para os outros alunos, mas eu já tinha visto no começo do ano passado. É mais difícil até para o professor dar aula, pois aqui são 40 alunos. Tenho de esperar a aula acabar para tirar minhas dúvidas com ele”, conta a esforçada Raphaela.
Inadimplência
Uma pesquisa revela que seis em cada dez gestores acreditam que o principal desafio administrativo e financeiro das escolas é com a inadimplência dos pais dos alunos. É o que mostra o estudo “O cenário da gestão escolar no Brasil”, realizado em 2015 pela Comunidade Internacional de Cooperação na Educação Mind Group, que contou com a participação de gestores de instituições de ensino de 19 estados do país, em que o receio da inadimplência vem acompanhado de um olhar crítico a respeito da situação das escolas em relação ao ano corrente.
No Rio Grande do Sul, a inadimplência subiu 45% em 2015, na comparação com 2014. O índice vem afetando diretamente a administração e gestão da rede de escolas São Francisco, na região metropolitana de Porto Alegre.
O diretor financeiro da instituição, Ademar Joenck, confessa que mesmo com a mensalidade barata, de pouco mais de R$ 500, os pais têm tido dificuldades para quitar as suas dívidas, embora a escola ofereça planos de negociação para evitar a saída do aluno. “Ainda há alunos inadimplentes. A média atual é de 5%, mesma média de crescimento das escolas”, pontua, mostrando que, cruzados, os índices apontam para a estagnação.
Segundo Ernesto Martins Faria, economista na área da educação e gerente da Área de Qualidade na Fundação Lemann, é importante conhecer o perfil da família do estudante que está matriculado na escola. “Quando esse aluno foi se matricular já existia algum tipo de problema? Lógico que a escola privada está olhando para a garantia da pontualidade dos alunos, mas ela está olhando também a própria capacidade de ela funcionar e se manter viva. Não é simplesmente seduzir o aluno. Isso exige uma consistência de trabalho com os pais. Educação é um tema de responsabilidade social. É importante conhecer bem o aluno desde o início do processo para saber se ele irá conseguir custear todo o curso. Fazer um planejamento e buscar mecanismos para a escola dar apoio a esse estudante”, esclarece.
De acordo com o advogado especialista em educação José Roberto Covac, a escola poderá cobrar judicialmente ou negociar com os pais ou responsáveis a dívida, devendo firmar com o aluno ou responsável um contrato de confissão de dívida. “A instituição poderá realizar uma ação judicial ou mesmo a cobrança por intermédio de empresas especializadas”, explica. Mas, para chegar a opções mais radicais, deve pesar bem questões relativas ao relacionamento com os pais e a comunidade escolar.
Retendo alunos
Inflação alta, inadimplência, dificuldades financeiras das famílias. Se esses três fatores têm contribuído para a saída de inúmeros alunos da rede particular de ensino, como fazer para diminuir essa migração escolar?
Para Ademar Joenck, diretor financeiro da rede de escolas São Francisco, no Rio Grande do Sul, é preciso buscar novas formas de reter os alunos nas instituições de ensino sem apresentar um déficit no orçamento da escola. “Mesmo em períodos de crise ou dificuldades, nos adequamos reduzindo custos e procurando sempre atrair o maior número de alunos com investimentos em qualidade de ensino, instalações, tecnologia e segurança. Uma das bases da gestão escolar é ter uma folha de pagamentos enxuta, comprometendo apenas 60% de sua receita, que é o nosso caso”, confidencia.
Além disso, os próprios valores das mensalidades podem ser diminuídos como uma estratégia de mercado. “Quando os de maior poder aquisitivo não conseguem pagar, eles nos procuram e quando os de escolas públicas conseguem pagar, migram para nós”, afirma Ademar.
Em Curitiba, no Paraná, o colégio particular Opet também procurou se prevenir contra a evasão de alunos por meio da qualidade do ensino e de uma melhor comunicação com os pais. Para isso, fez investimentos na infraestrutura escolar, adotou o aplicativo ClassUp para facilitar a comunicação, além de apostar em mudanças no conteú-
do do currículo escolar. O aplicativo pode ser baixado e usado em smartphones e computadores a partir de cadastro no colégio. “Na era da internet, do WhatsApp e da comunicação em tempo real, a escola precisa encontrar meios para possibilitar aos pais acesso às informações de modo ágil e prático. O aplicativo traz a oportunidade de interação, divulga dados estatísticos e possibilita que as relações entre família e escola se estreitem”, conta Simone Rodrigues Valério, gestora pedagógica do Colégio Opet.
Na contramão da diminuição dos estudantes nas escolas particulares, alguns colégios tiveram acréscimo de alunos no Rio Grande do Sul.
Há 130 anos no mercado e com cerca de 2.450 alunos, o Colégio Farroupilha aposta num tema atual para que seus alunos saiam da instituição preparados para fazer uma boa faculdade e ingressar no mercado de trabalho. “A nossa proposta pedagógica garante dentro do currículo um projeto de liderança e empreendedorismo para os estudantes do ensino fundamental, além de um currículo bilíngue na educação infantil. No ensino médio, temos vários projetos de intercâmbio nos quais nossos estudantes têm condições de conhecer outros países e podem estudar em outras universidades”, diz a gestora pedagógica da escola, Marícia Ferri. O Farroupilha tem uma parceria aberta com a Universidade Cambridge, na Inglaterra.
Um dos segredos da instituição está na sintonia entre gestão pedagógica e gestão administrativa, coordenada pelo professor Milton Fattor. “Toda relação entre as duas áreas se dá tendo como base o planejamento estratégico. Uma vez por mês, monitoramos isso com indicadores, orçamento e reuniões mensais. É um conjunto de ações para que o aluno possa aprender efetivamente e não vá para outra escola. É aí também que entram questões de capacitação de pessoas, questões profissionais e questões tecnológicas”, avalia.
Preferência e concorrência
Por questões de princípios ou da percepção da qualidade da educação ofertada, há famílias que preferem matricular os filhos em escolas públicas, mesmo tendo condições financeiras de optar pela escola privada. É o caso da família de Arthur Lelo Negri, 7 anos, que está no 2º ano na Emeb Antonio de Pádua Giaretta, localizada em Jundiaí, em São Paulo. “A qualidade do ensino oferecido depende muito do município a que as escolas pertencem. Por ser funcionária da Secretaria Municipal de Educação, conheço o sistema e como funcionam as formações e trabalhos das professoras e coordenadoras. A escola pública municipal de Jundiaí possui um ensino de qualidade, com livros didáticos utilizados por escolas particulares. E é de graça”, diz a mãe do menino, Michele de Assis Negri, que é coordenadora pedagógica.
Outro fator a que as escolas estão sujeitas é a concorrência com outras instituições de ensino. De acordo com Antônio Eugenio Cunha, presidente da Fenep, a diversidade de escolas faz parte do cenário do mercado educacional. “As instituições de ensino vivenciam o tempo todo a concorrência e procuram ofertar dentro de suas propostas o que pode ser o diferencial entre elas. Isso provoca uma melhoria contínua nos seus processos e permite a diversidade entre elas e a opção pela melhor escolha pelos tomadores dos serviços educacionais”, avalia.
Para Simone Rodrigues Valério, gestora pedagógica do Colégio Opet, é nessa hora que a negociação entra em cena novamente, e os pais acabam optando por uma escola que entenda a sua situação econômica. “Famílias que vivem dificuldades financeiras procuram a escola para estabelecer negociações que possam assegurar a continuidade dos filhos na escola. As instituições de ensino têm percebido esses movimentos e também procuram meios para que o aluno permaneça na escola, assegurando aos pais a tranquilidade necessária para superação de um momento difícil. O estudante passa vários anos na escola e essa relação deve ser prioritária”, conclui.
O bom-senso é mandatório para que continue sendo. Afinal, as crises não duram a vida inteira.