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NOTÍCIA
No contexto escolar, é o uso concreto de uma obra que lhe confere sentidos
Publicado em 19/09/2016
Moana acabara de completar quatro anos quando ganhou de presente a obra Viagem ao céu. Estávamos em meados de 2011 e a polêmica acerca das marcas de uma visão preconceituosa e mesmo racista de seu autor, Monteiro Lobato, dominava os debates entre profissionais e intelectuais da educação. O livro permaneceu em sua estante por cerca de um ano até que ela me pediu para que o lêssemos juntos. E assim fizemos. Lobato fizera parte de minha formação literária e a ele devia inclusive meu interesse por história. Mas, ciente de suas posições, agora o lia com novos olhos. E procurava evidências daquilo que por mim passara despercebido durante a infância. Elas não tardaram a aparecer.
Já em um dos primeiros capítulos o narrador afirmava que uma explicação era tão fácil que “mesmo a Tia Anastácia seria capaz de compreender”… Inquiri Moana sobre o sentido dessa frase e sobre o porquê de sua afirmação. Sua primeira hipótese inocentava Lobato: “quem sabe as crianças a chamaram de boba e …”. Diante da evidência de que esse era um juízo do narrador e não das crianças, ela hesitou, mas logo compreendeu. Sua suposta inferioridade intelectual lhe era atribuída pela origem étnica. Duvidou que Lobato, que escrevia histórias tão divertidas e interessantes, pudesse pensar assim. Então a desafiei a responder a Lobato. Desta feita ela não hesitou e argumentou: “Ela não pode ser boba nem burra. Afinal, foi a Tia Anastácia que criou a Emília, que é muito esperta. Ela deve ser muito inteligente e saber muitas coisas”.
Evoco esse episódio distante no tempo porque, por razões bem menos nobres e interessantes, a ideia de cercear os conteúdos de livros escolares volta à tona entre nós. Agora não mais por aqueles que defendem o compromisso da escola com a promoção da igualdade étnica, mas por segmentos que denunciam o suposto domínio de uma perspectiva marxista no ambiente escolar, em especial nos livros de história. Não é minha intenção debater as razões de um ou outro grupo, até porque as questões envolvidas são por demais complexas. Gostaria simplesmente de apontar um elemento que, apesar de central, tem sido ignorado nesses acalorados debates: o fato de que, no contexto escolar, uma obra isolada de seu uso concreto é um “falso objeto”.
Ora, o que sabemos de um livro escolar se desconsiderarmos a forma pela qual um professor dele faz uso e as formas pelas quais os alunos dele se apropriam? O que se pode dizer, por exemplo, da cartilha Caminho Suave sem investigar seus usos escolares concretos? Nada ou quase nada… Um mesmo texto na mão de dois professores produz os mesmos resultados? Veicula as mesmas ideias? Pouco provável. Ao se centrar o debate no livro – uma coisa – perde-se a dimensão central dos processos formativos, que dizem respeito à natureza das relações que seus agentes – pessoas – estabelecem entre si e com os objetos que têm em comum (um livro, um filme, um experimento científico). São as pessoas – com seus discursos, crenças, atos – que humanizam os objetos e a eles conferem um sentido educativo. E jamais o fazem sozinhas, porque aqueles com quem dialogam criam novos sentidos para os velhos objetos. Por isso, nessas questões, mais do que a legisladores e moralistas, é sábio recorrer ao cancioneiro: “Deixa que digam, que falem, que pensem…”.