NOTÍCIA

Gestão

As vantagens de oferecer cursos em apenas um segmento do mercado

Por meio dessa estratégia, instituições conseguem oferecer percursos de formação diferentes dos convencionais e conquistam a satisfação dos alunos

Publicado em 04/01/2017

por Redação Ensino Superior

Destaque

destaqueFoto: Foto: Gustavo Morita

Por Marleine Cohen

Ainda estou na metade do curso e ele já alavancou a minha carreira. No início do ano, fui demitida, mas não fiquei nem três meses parada. Acabei sendo contratada por uma empresa líder do setor de energia e baterias industriais em troca de um salário 30% maior. E o melhor de tudo é que, por conta do prestígio da minha escola, não passo uma semana sem receber propostas de trabalho. Espero dobrar os meus rendimentos até o final do mestrado.” Formada em 2013 em administração de empresas com ênfase em comércio exterior pela Universidade Mackenzie, Tatiane de Araújo Mendonça é agora aluna do curso de pós-graduação da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, a Fipecafi, opção que ela escolheu a dedo: “Sou gestora financeira. Na minha carreira, o próximo passo natural é me tornar diretora financeira ou controller. Tanto em uma função como na outra, é importante ter sólidos conhecimentos de ciências contábeis, uma vez que, antes de tomar decisões, um executivo financeiro deve saber avaliar impactos. Por isso, escolhi a escola considerada referência na área. Para mim, quanto mais especializada, melhor”.

A velocidade e segurança com que Tatiane vem se desenvolvendo profissionalmente têm muito a ver com a excelência de algumas escolas. Apoiadas em características bem definidas e com um modelo de gestão diferenciado, as instituições de ensino segmentadas oferecem cursos de graduação e pós-graduação distintos dos convencionais por focar apenas uma determinada área do conhecimento.

Os exemplos são variados. Na Faculdade São Leopoldo Mandic, referência em odontologia e medicina e considerada pelo Ministério da Educação (MEC) uma das dez melhores instituições de ensino superior por oito anos consecutivos, o foco é o setor de saúde. Já na Associação Escola da Cidade, criada em 1996 e declarada pelo Ministério da Justiça de Utilidade Pública Federal (UPF), respira-se arquitetura e urbanismo em tempo integral.

No Rio de Janeiro e em São Paulo, a construção de unidades da famosa escola de gastronomia francesa Le Cordon Bleu vem agitando o mundo das panelas do Oiapoque ao Chuí há pelo menos dois anos, quando a filial carioca foi anunciada. Afinal, a formação na tradicional instituição de ensino fundada em 1895, em Paris, é um passaporte reconhecido no mercado internacional pelos profissionais do setor e nada melhor do que isso para transitar e se impor entre os papas da culinária. Basta lembrar que a Cordon Bleu estende seu currículo e metodologia de ensino a 20 países e capacitou, até o presente momento, mais de 20 mil alunos nos cinco continentes. O nível de especialização é tamanho que as técnicas de culinária e os próprios professores são trazidos da Europa, enquanto equipamentos de última geração, semelhantes aos utilizados na capital parisiense, são empregados em todas as filiais por alunos que se candidatam a uma ou outra especialidade, ao cabo de dois anos: cozinheiro (certificat de cuisine) e confeiteiro (pâtissier).

Um negócio diferente
Mas quais são as peculiaridades dessas escolas, além do fato de se debruçarem sobre um único campo de conhecimento, à diferença de outras instituições de ensino superior, como a USP, a Anhembi Morumbi ou a Pontifícia Universidade Católica (PUC), que oferecem cursos em diversas áreas? Na Associação Escola da Cidade – Arquitetura e Urbanismo (AEC), é o próprio modelo de negócio que a destaca, explica seu diretor, o arquiteto Ciro Pirondi. “Do ponto de vista jurídico, somos uma escola privada, mas funcionamos como uma entidade sem fins lucrativos. Todo o dinheiro que entra é revertido em favor da própria instituição”, esclarece.

A AEC, em torno da qual se uniram “arquitetos, intelectuais, artistas e técnicos comprometidos com a melhoria da realidade brasileira”, como define Pirondi, funciona em um antigo prédio, outrora abandonado, no centro de São Paulo – “e esse é outro diferencial”, garante Giovanna Tozzi, cursando o terceiro ano de graduação.

“O fato de a escola estar na Praça da República, em meio a edifícios de grande importância arquitetônica, facilita o contato com a história e a geografia urbana, influencia os nossos conhecimentos e nos permite viver a cidade.” Além disso, enumera Giovanna, todos os professores atuam na profissão e encaminham os alunos para oportunidades de estágio ou os aproveitam em trabalhos de pesquisa de que participam, como é o caso, atualmente, de um estudo sobre a região de Vila Buarque, à frente do qual está a Escola da Cidade.

Participar de atividades extracurriculares, como as obras em torno da nova sede do Sesc de Campo Limpo Paulista – que renderam honorários ou bolsas de estudo aos alunos envolvidos –, é certamente uma característica única, concorda Ciro Pirondi. Poder abater os custos do curso – cuja mensalidade, em 2016, esteve na casa dos R$ 3,1 mil – também é de grande auxílio.

Mas o que é realmente interessante, na opinião do diretor da instituição, é a proatividade que se incute no aluno. “Dos 60 jovens matriculados, 36 estão trabalhando aqui conosco”, informa.
“Como funcionamos praticamente como uma cooperativa, onde professores e alunos são mantenedores da instituição, cada profissional que se forma na AEC pode aspirar ao cargo de diretor”, esclarece ainda o arquiteto. “Além disso, o conselho pedagógico é integrado por 12 alunos – dois de cada ano de formação – e são eles que ajudam a dar norte à escola. Isso não se vê em nenhum outro lugar.”

Por fim, há que se destacar, segundo ele, o caráter prático da metodologia adotada na AEC: aos estágios assistidos somam-se o intercâmbio acadêmico e o conceito de escola itinerante, apoiados em viagens de estudo que integram a grade curricular anual e levam os alunos a lugares como o Vale do Paraíba ou Brasília, onde eles podem descobrir a riqueza da arquitetura e participar de encontros com profissionais da área em seminários internacionais, como no Chile ou na Colômbia.

Ultrapassando fronteiras
Imprimir um padrão de qualidade mundial aos cursos ministrados no Brasil é o que faz a diferença na Escola Britânica de Artes Criativas (Ebac), aberta em 2016 com a missão de se tornar, em São Paulo, a meca da economia criativa que se pratica no Reino Unido desde os anos de 1990.

Segundo Rafael Steinhauser, seu diretor, a Ebac é a única instituição de ensino que oferece ao aluno brasileiro a oportunidade de estudar no seu país e receber um diploma de bacharelado britânico emitido pela Universidade de Hertfordshire, reconhecido na Inglaterra, na União Europeia e nos Estados Unidos.

“O curso oferecido aqui é idêntico ao do Reino Unido e creditado pela Quality Assurance Agency for Higher Education (QAA)”, esclarece Steinhauser, argumentando que “o Brasil é campeão em quantidade de horas passadas no celular, mas não tem nenhum curso acadêmico superior de mobile application design”. Por isso, “a Ebac abarcou cerca de 50 disciplinas que queremos introduzir no mercado aos poucos”, diz. O primeiro módulo, foundation art and design, com duração de um ano, “proporciona uma compreensão das diversas áreas de atuação futuras e contribui para a escolha de uma especialização em particular. A conclusão bem-sucedida do curso garante a admissão nos cursos de graduação – entre eles, o de graphic design, computer animation & modelling e 3D games art & design, todos ministrados em inglês e com duração de seis semestres.

De acordo com Rafael Steinhauser, nos cursos implementados em agosto de 2016 já se matricularam 60 alunos – “o que pode ser considerado ótimo”. Para difundir a escola, a Ebac não poupa esforços para fechar convênios com os meios de comunicação nacionais, o terceiro setor e outras universidades, além de promover eventos com parceiros da área, como o SP Tec Week e o YouPIX CON. “Queremos ser referência em economia criativa e preencher um nicho que requer educação formal de nível internacional”, acrescenta o executivo, lembrando que o currículo trazido do Reino Unido propõe “uma educação holística e abrangente, e não só técnica, onde cabem ensinamentos de como manter um negócio ou alavancar uma carreira e conceitos para manter a mente transdisciplinar”.

Qualidade é a meta
É possível questionar se, em época de crise principalmente, escolas de nível superior podem se tornar rentáveis com menos de uma centena de alunos matriculados, como é o caso da Escola da Cidade ou da Escola Britânica de Artes Criativas.

Para Élio Takeshy Tachizawa, doutor em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas e autor do livro Gestão de instituições de ensino (FGV Editora), escrito em parceria com Rui Otávio Bernardes de Andrade, as instituições segmentadas têm como meta inverter a lógica da lucratividade, substituindo quantidade por qualidade: “Do ponto de vista da captação e da retenção de alunos, acaba sendo mais vantajoso atender apenas um segmento. Sendo mais especializadas e menores, essas escolas conseguem dar mais atenção aos alunos. Os professores desenvolvem verdadeiros projetos individuais, sob medida para cada participante do curso, e podem aliar prática à teoria, o que se torna um importante diferencial qualitativo. É o caso da Fipecafi”, afirma.
Reconhecida pela sua excelência na área de ciências contábeis, a Fipecafi parece, de fato, ter encontrado a fórmula do sucesso acadêmico: “O curso de ciências contábeis, de quatro anos, reúne cerca de 200 alunos. O de educação a distância (EAD), também com a mesma duração, outros 130 matriculados. No mestrado profissional em controladoria e finanças, de dois anos, temos 40 vagas anuais”, enumera a diretora Eliana Rodrigues.

Mais: enquanto outras escolas registraram queda de cerca de 30% no número de matrículas este ano, segundo estimativas, Eliana festeja “não ter perdido nenhum aluno em um momento de crise tão acentuada”. Ela também explica que a Fipecafi lança mão de pequenos cursos de educação executiva dentro da própria contabilidade para ganhar mais fôlego financeiro.

Mais que tudo, ao seu número de matrículas um tanto acanhado, ela não hesita em contrapor padrões de qualidade e metas de aprendizado ambiciosos: “Aqui, nós não ensinamos o arroz com feijão. Nosso aluno já está no mercado e vem nos procurar por indicação. Ele quer empregabilidade em grandes empresas de auditoria e instituições financeiras, um corpo docente com expressão na sua área de atuação e bem remunerado pela escola e o que há de mais inovador em matéria de contabilidade – por exemplo, um olhar sobre a economia verde e uma discussão sobre os fundamentos e princípios da linguagem contábil IFRS, as novas normas internacionais de contabilidade”, descreve.

Longe de sacrificar a interdisciplinaridade em nome dessa especialização, o currículo da Fipecafi dedica, segundo sua diretora, parte da carga horária para abordar temas como ética, sociologia e comunicação, nos dois primeiros anos de formação.

A mesma filosofia emana dos cursos de odontologia e medicina da São Leopoldo Mandic. A pedra fundamental da escola, lembra José Luiz Junqueira, dentista e presidente da instituição, foi a pós-graduação em odontologia nas modalidades lato sensu e stricto sensu, implementada em 1996. Posteriormente, em 2003, a faculdade lançou a graduação, com turmas de 32 alunos. ”Por fim, criamos o curso de medicina, em 2013, para formar o médico generalista humanizado, pronto para atuar no mercado global e apto para o atendimento no sistema público e privado de saúde.”
Atualmente, considerando todas as unidades de pós-graduação, estão matriculados na escola – que tem sede em Campinas e está presente em outros oito estados da federação – 9 mil alunos. Ao todo, são 13 laboratórios, um ambulatório cirúrgico com seis salas, sala de pós-operatório e de esterilização, centro de radiologia odontológica com 18 salas para aplicação de radiologia e 12 clínicas de especialidades dotadas de equipamento moderno para atender pacientes.

Outro diferencial é a biblioteca com certificação ISO 9001, que possui um acervo físico e digital com cerca de 15 mil exemplares. O acesso a periódicos, monografias, jornais, livros, dissertações, teses, obras de referência e quase 6 mil títulos de e-book segmentados é livre e permite a consulta on-line, desonerando o aluno da obrigação de comprar exemplares impressos.

Ao lado dessa infraestrutura de porte que permite ao futuro médico fazer simulação de situações de emergência em um hospital robótico, por exemplo, ensina-se inglês, “para que ele possa complementar sua formação com boas referências bibliográficas”, e dá-se aula de atualidades. Nela, o aluno de medicina aprende, por exemplo, que o excesso de velocidade nas marginais de São Paulo tem como principal desdobramento acidentes com fratura de mandíbula: “Em 60% dos casos, o médico terá de enfrentar uma reparação desse osso, e é melhor que ele esteja preparado”, afirma o presidente da instituição.

O contato com a realidade é, de fato, um dos estímulos mais importantes para os alunos da Mandic: “Nós os incentivamos a integrarem programas de intervenção social tanto no Haiti como junto aos moradores de rua, nas grandes capitais brasileiras. Desde o começo do curso, os dirigimos às Unidades Básicas de Saúde (UBS) e às policlínicas”, esclarece o diretor da instituição, “sem, no entanto, abrir mão da inovação em sala de aula”. Exemplo: no curso de odontologia, o futuro dentista tem uma disciplina chamada odontologia digital.

“Ele aprende a manusear fresadores digitais, usar escâners para desenhar dentes e manipular impressoras 3D que fazem as próteses. Ou seja, a antiga figura do protético é substituída por um dentista que sai da escola familiarizado com os recursos de última geração existentes na sua área”, destaca José Luiz Junqueira.

“Esse nível de qualidade”, garante, “é percebido imediatamente pelos alunos. Assim como a velocidade das decisões: como os espaços administrativos são diminuídos, às vezes uma solicitação é acatada ou um problema é resolvido nos próprios corredores da instituição.”

Para Élio Takeshy Tachizawa, um conteúdo tecnológico atualizado, assim como um padrão de gerenciamento mais ágil, são características que permitem a esse modelo de negócio ultrapassar metodologias arcaicas e se firmar como instituição de ensino de excelência.

Com isso concorda José Luiz Junqueira: “Nós treinamos preceptores na área médica para que eles possam dar conta de pequenos grupos de quatro alunos. Também temos um professor para cada grupo de três, quando, nas outras escolas, é um docente para cada dez alunos”.

Além de mais próximo dos estudantes em sala de aula, esse corpo docente recebe remuneração “quatro vezes maior que em qualquer outra escola”, garante Junqueira. “E 100% do faturamento da graduação é investido nela, de maneira a manter o foco em preparar alunos que possam trabalhar no dia em que se formarem. E não no dia de hoje.”

Autor

Redação Ensino Superior


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