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Em entrevista à Revista Educação, presidente do CEE de São Paulo ressalta que muitas discussões sobre a nova lei são prematuras, mas comenta sete pontos levantados por instituições da rede privada de ensino - como tempo de implantação, Enem e período integral
Publicado em 13/04/2017
A reforma do ensino médio, sancionada em fevereiro pelo presidente Michel Temer, ainda gera muitas dúvidas em professores, alunos e gestores de escolas. Muitas delas, porém, ainda devem demorar para serem respondidas. Isso porque a nova lei precisa percorrer um longo caminho até ser posta em prática. A Base Nacional Comum Curricular da etapa, por exemplo, que tratará de 60% do que deve ser oferecido nos currículos das instituições de ensino, deve ser apresentada apenas em novembro. Depois, o documento terá de passar pela aprovação do Conselho Nacional de Educação, para só depois a lei ser regulamentada.
Apesar de ainda haver muito a ser definido, a Revista Educação conversou com representantes de quatro colégios particulares de São Paulo para entender quais pontos da nova lei geram mais dúvidas. Foram ouvidos: Alexandre Abbatepaulo, diretor do Colégio Lourenço Castanho; Larissa Motta de Sá, coordenadora do ensino médio do Colégio Batista Brasileiro; Ascânio João Sedrez, diretor do Colégio Marista Glória; e Caio Costa, orientador do ensino médio do Colégio Rainha da Paz.
As questões foram levadas à presidente do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, Bernardete Gatti, que respondeu e comentou sete pontos levantados com relação à nova lei – incluindo tempo de implementação, Enem, período integral e itinerários formativos. Ela ressaltou que ainda há muito a ser discutido e definido. “Tudo vai depender da Base Nacional Comum Curricular, que só vai ser entregue em novembro ao Conselho Nacional de Educação. E, uma vez entregue, vai ter discussão, audiências públicas, e isso talvez ocupe 2018, ou grande parte. Então, isso só vai começar a ser pensado em 2019”, explicou.
Confira a entrevista a seguir:
O aluno vai poder escolher uma formação mais global, fazendo mais de um itinerário, por exemplo?
Sim, está escrito na lei que o aluno pode fazer mais de um itinerário. Mas não se trata de ser mais global. Veja, o eixo da Base Nacional Comum vai ocupar os três anos. Depois, você vai ter os aprofundamentos nas trajetórias. Um aprofundamento em ciências humanas, em exatas, na área profissional – no que couber, porque nem sempre você pode oferecer tudo. Nós não estamos voltando à ideia do clássico, científico, não é isso. Antes eram cursos separados. Nós corremos o risco de fragmentar uma coisa que não é fragmentada, pois você tem um eixo formativo que vai ocupar boa parte dos três anos do ensino médio, e a ideia é articular esse eixo. Matemática e língua portuguesa, por exemplo, serão obrigatórios nos três anos. Você vai articular isso com outras formações. Nós já tivemos a proposição de uma experiência assim, só que ninguém aplicou. Era a lei do ensino médio, em que você tinha 800 horas flexíveis, que a escola poderia colocar disciplinas que atendessem questões regionais ou locais. Nenhuma escola nunca aproveitou. Nós temos muita dificuldade no Brasil de ter flexibilidade cultural, ou seja, pensar que as pessoas são diferentes e nem por isso são desiguais. Fazemos confusões. Todo mundo tem de ser formatado na mesma forma. Mas a nossa experiência é que o aluno do ensino fundamental, quando chega no ensino médio, já tem suas motivações. Ele é um ser social, já experimentou todas as disciplinas, já tem o seu jeito, sabe o que prefere. Para ele não tomar decisões apressadas, vai ter o eixo comum, em que todas as disciplinas serão oferecidas. Desde artes à física, passando pela educação física, sociologia, matemática. Tudo isso vai ser oferecido no maior número de horas do ensino médio. E aí vai ter as trajetórias específicas que são aprofundamentos. Mas eu acho que a cultura brasileira é muito unicista. Essa unicidade também traz uma seletividade diferencial muito grande. Alunos que se dão bem com artes e línguas acabam tendo de ter tudo igual até 17, 18 anos, quando poderiam ter a formação básica garantida em física, química, matemática, e já ter um aprofundamento naquelas áreas em que ele tem mais motivação e habilidades para lidar. Sendo que nada impede que ele faça duas ou três trajetórias, ou ele volte, faça outra. Nós não sabemos ter essa flexibilidade.
E quanto tempo as escolas terão para se adaptar para oferecer os itinerários?
Não menos de 2 ou 3 anos, depois da aprovação da Base Nacional Comum Curricular.
Como alunos que estudam à noite porque precisam trabalhar conseguiriam cursar uma escola de 1.400 horas/ano? Como funcionaria isso para quem estuda à noite?
À noite, certamente não tem ensino integral. O esforço nacional político terá de ser para que não haja alunos que estudem à noite, para que todos os alunos estudem de dia. Isso seria realmente uma ação popular, todos tendo direito de fazer o curso durante o dia. À noite o ensino será dentro do horário que existe para o noturno, com o eixo da base nacional e alguma trajetória que será definida para eles. Não terá período integral à noite. Mesmo porque a proposta de período integral não é para 100% das escolas. Há uma dúvida quanto ao financiamento. A outra parte da lei é sobre financiamento, e há muitos pontos obscuros. Não são poucas as coisas que deverão ser resolvidas em nível de governo federal, porque os estados não conseguirão arcar com 100% das escolas em tempo integral, pelo andar da carruagem. O custo dobra. Então, a gente vai ter de pensar bastante. Mas acho que a gente teria que ter um projeto político nacional para investir em bolsas para estudantes do ensino médio. E tornar a educação básica prioridade nacional mesmo.
A lei estabelece como objetivo que as escolas cheguem a oferecer carga horária de 1.400 horas por ano, o que dá uma média de 7h por dia. Muitas escolas particulares já oferecem essa carga. As escolas deverão deixar de oferecer o que já existe e se adaptar?
Elas podem continuar. Só que, eventualmente, terão de oferecer mais de uma trajetória. Elas podem oferecer uma só, não é obrigado a oferecer todas. Os itinerários que estão previstos podem ser oferecidos um, dois ou três. Não tem nada na lei que fale que é obrigatório oferecer todos. Agora, elas poderão ver o que atende aos seus objetivos.
O Enem e os outros vestibulares sofrerão modificações?
Sim, vão sofrer adaptações. Mas daqui a quatro ou cinco anos, porque tudo vai depender da Base e dos itinerários, como eles serão orientados. Mas, provavelmente, o Enem se reportará à Base Comum, porque as escolas poderão variar muito. Acho até que eu ouvi a presidente do Inep falando isso, que o Enem será baseado naquilo que a Base Nacional Comum definir, e não nos itinerários específicos. O que é correto. É o que muitos países fazem. Na França, nos Estados Unidos, na Inglaterra, tem flexibilidade do ensino médio, mas os exames só são feitos com base naquilo que é o common core, ou seja, o que é comum nas escolas.
Haverá alguma referência nacional sobre quais cursos de formação técnica e profissional poderão ser oferecidos pelas escolas?
Espero que não tenha. Espero que tenha espaço para a criatividade das escolas. Nós já temos definido, em nível nacional, as diferentes possibilidades para ensino profissional. Já temos essa plataforma. Lá tem mil escolhas. As escolas têm de ter a possibilidade de escolher esse itinerário, e não que venha mandado de cima. Mas a ideia do itinerário profissional no ensino médio está em discussão, porque você tem a possibilidade de pensar a formação técnica associada ao ensino médio ou formação de iniciação para o trabalho, mais geral, e não algo que te dá o diploma de técnico. Nesse caso, mantendo o ensino técnico como ele é. Porque com poucas horas você não forma um técnico. Então, esse vai ser um aspecto que nós vamos ter de discutir e pensar muito, com calma.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) dará autonomia ao professor de construir propostas, inclusive de sequenciação e distribuição de conteúdos?
Sim. Ficou muito claro na exposição da Base que a base não é o currículo. O currículo quem vai definir são as redes e as escolas. Quem faz o currículo é o professor na sala de aula. Aquilo que está na base deverá ser tratado, então o professor vai ter que ter suficiência formativa para fazer as escolhas: o que vai tratar primeiro, o que vai tratar depois, como vai tratar, como ele vai planejar aquela disciplina. O interessante seria que a escola pudesse, no coletivo dos professores, definir a trajetória do aluno. Por exemplo, em matemática. Por que todos os professores de ensino médio de uma escola não sentam e projetam os três anos que eles terão de desenvolver, aquilo que a base está sinalizando e até mais? A base é uma base, não é tudo. O que eles poriam a mais? E como colocariam? Essa autonomia ninguém tirou. É que nós interpretamos tudo que nem cadeia. Mas não é assim. Ou não deveria ser.