NOTÍCIA
Com políticas públicas consistentes, Finlândia e Dinamarca se tornam potências mundiais em termos de educação
Publicado em 19/06/2017
Por Fábio Reis, com a colaboração de Renata Favaron*
Finlândia e Dinamarca são países que se tornaram referência mundial em educação. Relatórios do Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Fórum Econômico Mundial indicam que esses países alcançaram altos indicadores de competitividade econômica em função da educação.
É nesse contexto que o Semesp organizou a 9ª Missão Técnica Internacional. O objetivo foi formar líderes, proporcionar o aprendizado institucional, fomentar a cooperação e contribuir para a melhoria da qualidade das instituições e do sistema de ensino superior do Brasil.
A Missão, que representou a maior delegação desde a origem das viagens organizadas pelo Semesp, contou com a participação de 49 pessoas, que representaram 25 IES, de 11 estados do Brasil. Durante as visitas, a delegação vivenciou um intenso processo de construção de network. Segundo Alexandre Gracioso, vice-presidente acadêmico da ESPM, “a troca de ideias com os colegas das outras instituições foi riquíssima” e, com isso, foi possível criar uma rede de relacionamento com “ganhos enormes”. Gracioso reconhece que dificilmente seria possível atingir os mesmos resultados em uma viagem individual.
Os dois países possuem complexidades diferentes. Mas em ambos os casos, é praticamente impossível fazer comparações com o Brasil, principalmente quando olhamos para as dimensões e diferenças de realidade. A Finlândia possui 5,5 milhões de habitantes e a Dinamarca, 5,7 milhões, enquanto o Brasil já ultrapassou os três dígitos há muito tempo, com 207 milhões de habitantes. Tanto na Finlândia quanto na Dinamarca, os sistemas de ensino são integralmente públicos e no Brasil, 75% das IES são da inciativa privada, com e sem fins lucrativos. Portanto, comparações precisam ser cautelosas e levar em conta essas diferenças.
Política pública
A 9ª Missão trouxe muito aprendizado aos participantes, que logo no início dos diálogos na Finlândia puderam conhecer uma política pública de Estado, não de governo, que possibilita estabilidade, planejamento de longo prazo e visão de futuro. Esse é um dos maiores contrastes na comparação com o Brasil que, pela carência de política pública, não tem visão de futuro nem desenvolve uma dinâmica que fomente o planejamento de longo prazo, a competitividade internacional e a inovação do sistema de ensino superior do país.
Iikka Turunen, conselheiro especial do Ministério da Educação, Ciência e Cultura da Finlândia, apresentou as estratégias governamentais para a educação e declarou que a expectativa é que até 2025 “o país encoraje as pessoas a aprender coisas novas para se tornar a vanguarda em educação” e, assim, formar pessoas com as competências do século 21 e consolidar uma “aprendizagem tecnológica” que incentive a inovação.
O Ministério da Educação da Finlândia tem um posicionamento estratégico claro ao definir que o governo deve ter uma legislação que estimule a inovação e organize o sistema de forma eficiente através da boa governança e fomento a uma sofisticada inovação que contribua com o desenvolvimento do país.
Logo nos primeiros dias da Missão, o grupo notou que o sucesso da Finlândia não é apenas uma questão de recursos financeiros ou de sistema público, mas uma questão de concepção de educação, que engloba a postura dos dirigentes do Ministério da Educação e de organização acadêmica das IES, o que torna a educação, de fato, prioridade no país. “Esse sistema educacional, assim como o da Dinamarca, aponta a existência de vasos comunicantes que buscam garantir coerência entre o que se anuncia e o que se faz”, observou Sérgio Fiúza, vice-reitor da Cesupa.
Foco no professor
Também pudemos perceber nos dois países o quanto a figura do professor é valorizada pela sociedade e pelo governo. A boa formação dos docentes é prioridade. No que se refere à valorização e ao perfil do professor, o reitor do Centro Universitário Projeção, José Sérgio de Jesus, afirmou que “a Missão contribuiu sobremaneira para fortalecer a convicção de que a escolha no âmbito do Grupo Projeção para a formação docente e a aplicação de metodologias inovadoras foi acertada”.
A qualidade e a concepção acadêmica do ensino fundamental e médio explicam o sucesso do país. A delegação visitou a Saunalahti School, escola de ensino fundamental, e a Lumo Upper Secondary School, de ensino médio. A Finlândia
implementou uma base curricular nacional, em 2016, que tornou possível observar os impactos da nova concepção do currículo na dinâmica das escolas.
Na Saunalahti School, os alunos desenvolvem projetos interdisciplinares sem deixar de frequentar um conjunto de disciplinas estratégicas. A escola foi construída por arquitetos em conjunto com os diretores acadêmicos. Além disso, sua estrutura física é totalmente alinhada à pedagogia da escola. Dessa forma, a escola foi toda projetada para ter espaços de trabalho. Outro aspecto interessante da Saunalahti é o fato de que ela fomenta, em todas as suas atividades de aprendizado, um ensino “mão na massa”. Já na Lumo Upper Secondary School, os alunos exercitam habilidades interpessoais e em equipe e as salas de aula são preparadas para atender a esse currículo.
A transição para o ensino superior
Os cursos profissionalizantes são muito valorizados na Finlândia e fazem parte do ensino médio, que possui alunos dos 15 aos 19 anos. Ao finalizar o ensino médio, o aluno pode prestar vestibular e ingressar na faculdade, mas caso ele não passe no vestibular por três vezes seguidas, esse aluno deverá cursar o ensino médio novamente.
No ensino superior, o grupo vivenciou diversos aprendizados. A organização acadêmica da Aalto Univesity é um exemplo para as IES brasileiras. A instituição tem um DNA muito bem definido e os dirigentes declaram que o foco é a aprendizagem do estudante. Ouvimos em vários momentos que toda IES tem de despertar a paixão pelo aprendizado.
Outros fatores de sucesso da Aalto são: fomento da cultura empreendedora, vocação para enfrentar e buscar soluções para os problemas reais da sociedade, diálogo permanente com os empregadores e realização de pesquisas que tenham impacto social e incidência acadêmica. São estratégias que conhecemos no Brasil, mas temos dificuldade em transformá-las em projetos e ações concretas na dinâmica de nossas instituições.
Na Aalto University, visitamos a startup SAUNA, uma iniciativa interdisciplinar que reúne estudantes de diversos cursos. No local, os alunos transformam seus projetos em serviços e novos negócios. Nos diversos diálogos com dirigentes de IES finlandesas, ficou claro que tanto as startups como o diálogo com os empregadores são prioridades das IES.
Também na Aalto University conhecemos a Design Factory, um lugar extraordinário de “aprendizado mão na massa”, onde os estudantes podem desenvolver soluções para problemas reais das empresas.
Quanto à Tempere University of Applied Sciences (TAMK), destacaria uma iniciativa que, sem dúvida, pode ser referência para todas as instituições interessadas em desenvolver a cultura empreendedora e incentivar a criação de novos negócios entre seus estudantes. Trata-se da Proakatemia, cuja finalidade é fazer com que estudantes de todas as áreas de gestão e negócios desenvolvam projetos de criação de empresas de uma perspectiva empreendedora, interdisciplinar e inovadora. Os alunos trabalham em grupos, orientados por diferentes coachings. Aliás, a instituição possui uma visão contemporânea sobre o perfil do professor no século 21, e ouvimos muito mais a palavra coach do que professor.
Antes de deixarmos o país, a Embaixada da Finlândia no Brasil e a FINPRO, organização que fomenta negócios entre os dois países, organizou um encontro com 43 universidades e empresas que oferecem soluções para educação, para que o grupo pudesse dialogar sobre negócios, conhecer startups, estabelecer cooperação e conhecer iniciativas da Finlândia na área da educação. Deste encontro, saíram muitas oportunidades e a própria Universidade Corporativa do Semesp, por exemplo, iniciará um projeto de formação de professores com universidades finlandesas.
Qualidade e relevância
Na Dinamarca, o primeiro encontro aconteceu no Ministério da Educação, onde nos foi apresentado um panorama do sistema de ensino do país. Os princípios da educação são: prioridade nos altos standards de qualidade, valorização das instituições que tenham relevância para a sociedade, foco na aprendizagem ativa, no protagonismo e na formação contínua dos estudantes e, por fim, desenvolvimento de projetos interdisciplinares que tenham significado para o mundo do trabalho.
Tivemos a oportunidade de conhecer a Aalborg University, referência mundial em ensino baseado em problemas (PBL) e possui todo o seu projeto acadêmico baseado nesse modelo de aprendizagem, que estreita o vínculo entre formação teórica e prática. Em todos os semestres, os estudantes solucionam desafios, de organizações públicas e privadas, que sejam relevantes para a sociedade.
Na mesma perspectiva, a University College Capital (UCC) organiza seu projeto acadêmico baseado em alguns princípios pedagógicos como interdisciplinaridade, internacionalização, sistema colaborativo entre alunos e professores e inovação acadêmica. A UCC é uma instituição de formação de professores e, nela, os estudantes atuam de forma consistente nas escolas por meio de projetos que contribuem com sua aprendizagem e com a melhoria da qualidade das escolas que os recebem. O impacto é evidenciado por pesquisas e pelo acompanhamento consistente das ações desenvolvidas pelos estudantes.
O debate sobre empreendedorismo foi levantado na Copenhagen Business School, que acredita que, com uma boa orientação, qualquer aluno pode se tornar um empreendedor. Os principais objetivos dessa universidade incluem desenvolver o empreendedorismo de forma prática, trabalhando casos verídicos – sempre com o apoio dos professores –, tornando-se um facilitador entre alunos e empresas, comunidade e projetos e alunos com alunos.
Sob encomenda
Uma bela surpresa da delegação foi a KEA – Copenhagen School of Design and Technology. Nessa instituição, todos os cursos desenvolvem projetos em cooperação com empresas. Os alunos iniciam o semestre com formação conceitual e, posteriormente, passam a resolver problemas e desafios indicados pelos empregadores. Os projetos são avaliados pelos professores e pelos empregadores e precisam apresentar soluções criativas e que tragam inovação para as empresas.
A Missão na Dinamarca também foi finalizada com um diálogo com empresas que desenvolvem soluções para educação. Antes de retornarmos ao Brasil, já tínhamos recebido a notícia de que a empresa Labster iria disponibilizar softwares de realidade virtual para as IES participantes.
O reitor da Faculdade Projeção de Brasília, José Sérgio de Jesus, afirmou que a visita aos países nórdicos possibilitou “ampliar a discussão acerca dos processos de ensino e aprendizagem no Grupo Projeção“. Para Bruno Toledo, reitor do Unitoledo, a viagem proporcionou inspiração: “a grande revolução está apenas começando; é chegada a hora de reformar o modelo de ensino e aprendizagem”.
Toledo fez questionamentos relevantes, que precisam de respostas. “Como serão as salas de aula do futuro?” é uma delas. Em sua opinião, as IES não terão salas convencionais, mas sim ambientes múltiplos de aprendizagem. O reitor da Unitoledo defende ainda necessidade de os gestores assumirem uma postura sistêmica, ousada, empreendedora e inovadora na educação.
Durante a viagem, foi possível perceber que inovar é uma questão de atitude, estilo de liderança e coragem, e depende da concepção de um bom projeto. A 9ª Missão cumpriu seus objetivos ao proporcionar aprendizado, diálogo e desejo de realizar mudanças institucionais. A delegação retornou com esses desejos e a expectativa de que o MEC institua políticas que desburocratizem o sistema educacional e fomentem a inovação. Os indicadores educaconais tanto da Finlândia quanto da Dinamarca demonstram que a educação é e precisa ser prioridade no país.
*Fábio Reis é diretor de Inovação e Redes do Semesp e professor do Unisal. Renata Favaron é gerente de Marketing e Eventos do Semesp.