NOTÍCIA
Ao optar pela profissionalização, IES de controle familiar devem estabelecer as funções de cada um no negócio, capacitá-los para o cargo e, mais que tudo, distinguir os assuntos de família dos empresariais
Publicado em 06/07/2017
A economia brasileira está repleta de boas histórias de patriarcas que perseguiram a ambição de erguer um patrimônio e deixá-lo como herança a seus descendentes. Porém, cada vez mais essas empresas precisam atravessar uma espécie de ritual organizacional, de modo a poder enfrentar a concorrência e se impor no mercado. Assim é também no meio do ensino superior.
“Não existe a possibilidade de uma instituição de ensino funcionar hoje a não ser com uma gestão profissional”, avalia o professor Silvio Passarelli, diretor da Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), que possui um MBA e um curso de extensão sobre gestão de empresas familiares.
“O negócio do ensino há muito tempo deixou de ser para educadores idealistas e passou a ser a seara de administradores estratégicos. Isto não quer dizer que as escolas familiares devam ser absorvidas por grandes grupos, mas sim que elas precisam formar seus herdeiros ou contratar executivos profissionais para gerir a operação”, complementa o especialista.
A profissionalização das IES de comando familiar é, portanto, uma realidade da qual não se pode mais fugir. Nessa direção, o primeiro passo, segundo Wagner Teixeira, sócio da Höft Consultoria, é a decisão da família em dar continuidade ao que o fundador iniciou. “Essa parece uma decisão fácil, mas é só olhar para as estatísticas mundiais que se percebe que os índices de sobrevivência não são nada animadores”, diz.
De fato, segundo dados apresentados pela consultoria, a taxa de sobrevivência das empresas familiares ao longo das gerações despenca de 30%, na primeira, para 4%, na terceira. Além disso, cada vez menos filhos, netos e bisnetos dos empreendedores se sentem atraídos pelo negócio da família – o que, de acordo com Teixeira, é um grande desperdício. Pesquisa da Newsweek mostra que empresas familiares desbancam suas rivais em seis praças europeias (França, Alemanha, Itália, Espanha, Suíça e Grã-Bretanha): cada mil euros investidos em 2001 no portfólio de empresas europeias de capital aberto renderam, dez anos depois, 3.533 euros quando elas eram de comando familiar, contra 2.241 euros quando não eram.
“O resultado nos mostra que família empresária pode ter ótimos resultados. Assim, a principal decisão a ser debatida é: desejamos deixar de ser uma empresa familiar e nos tornar uma família empresária?”, propõe Teixeira.
No passo a passo da profissionalização da família controladora dos negócios – isto é, sua capacitação para exercer o papel de principal acionista da IES –, está a formação de membros da família em temas relativos ao seu novo papel, o estabelecimento de uma visão de futuro comum, a manutenção de um ambiente de diálogo maduro e focado em resultados para poder transmitir diretrizes claras aos gestores e, mais que tudo, a distinção entre assuntos de família, patrimônio e empresa.
“A partir daí, é fundamental seguir os parâmetros de mercado para manter os melhores profissionais na gestão dos negócios, sejam eles familiares ou não, e também tratá-los de acordo com padrões de mercado. Isso significa que o processo vai além da chamada profissionalização da empresa, ou exclusão dos familiares da gestão. Inclui o desenvolvimento de mecanismos de governança nos três sistemas – família, patrimônio e empresa”, explica Wagner Teixeira.
Governança corporativa
Buscar executivos no mercado, aprimorar o planejamento estratégico, selecionar conselheiros independentes, implantar um conselho de administração e um conselho de família, definir orçamento e auditoria externa e mapear processos internos são algumas das faces da profissionalização que o Grupo Tiradentes abraçou a partir de 2007, “quando a família identificou a necessidade de preparar a empresa para um outro momento, com novos desafios e maior competitividade”, explica o superintendente geral Jouberto Uchôa de Mendonça Junior.
“Para isso, foi necessário definir papéis, utilizar novas ferramentas de gestão e adotar melhores práticas de governança corporativa. Também contratamos uma empresa de consultoria que nos ajudou primeiro no diagnóstico e, a partir daí, identificamos a necessidade de estabelecer um plano de ação com diversas etapas que precisariam ser cumpridas”, completa, exaltando a importância de adotar as boas práticas em um momento em que não haja crise na família ou na empresa. “Iniciar a governança corporativa em momentos de crise é sempre mais difícil.”
Surgido em 1962 por obra do professor Jouberto Uchôa de Mendonça, ex-vigilante de escola, e sua esposa Amélia Uchôa, o Colégio Tiradentes se tornou faculdade dez anos depois e, em 1994, ganhou o status de universidade (Unit). Hoje, além da Unit, o Grupo Tiradentes mantém a Faculdade São Luis de França, também em Sergipe; o Centro Universitário Tiradentes, em Alagoas; e a Faculdade Integrada de Pernambuco. São cerca de 50 mil alunos, mais 50 cursos de graduação, entre bacharelados, licenciaturas e tecnológicos, nas modalidades presencial e a distância, dezenas de pós-graduações lato sensu e cinco programas stricto sensu, quatro deles com mestrado e doutorado.
Para chegar a esse patamar, porém, a família Uchôa de Mendonça teve de abrir janelas para o mundo e remover pedras no caminho: “As dificuldades acontecem, num primeiro momento, exatamente pela falta de entendimento de alguns membros da família sobre a importância e a realidade da governança, e isso gera dúvidas. Mas, à medida que o processo evolui, há uma melhor compreensão”, relata ele.
“Já entre os executivos e a família, existe um desafio entre alinhamento das expectativas e estratégias. É o que, em governança, se chama ‘conflito de agência’: quando não há uma certa integração entre aquilo que o gestor tem como expectativa e o que a família espera”, explica, lembrando que o executivo tem uma visão muito imediatista, o que é natural, pois tem de apresentar resultados, ao passo que a família tem uma visão de sustentabilidade, a longo prazo.
“Por isso, é preciso haver um alinhamento para que que os resultados de curto prazo não comprometam a empresa no futuro. Quando há esse alinhamento de interesses e expectativas, a relação é sempre muito positiva.”
Também no seu processo de profissionalização, o Grupo Tiradentes lançou mão dos quatro princípios básicos de governança corporativa: a transparência, a responsabilidade corporativa, a equidade e o accountabilty.
“Trouxemos importantes ferramentas para a gestão, como o planejamento estratégico e orçamentário. Além disso, passamos a fazer auditoria externa, sempre por uma das quatro grandes empresas do setor, que se revezam a cada três anos – o que dá respaldo para todas as mudanças em curso e gera mais transparência para que possamos conhecer a nossa rotina, identificar os problemas e corrigi-los”, relata Uchôa de Mendonça Junior.
A auditoria interna foi outra ação importante nesse processo de governança: “Hoje, no Grupo Tiradentes, todos os gestores recebem, mensalmente, resultados das suas unidades – faturamento, despesas, folha de pessoal e demais insumos. Tudo isso, vindo de uma auditoria interna, dá ao gestor uma visão clara de como está o desempenho da sua unidade”.
Segundo o professor Passarelli, a adoção dos princípios básicos da governança corporativa é, de todas as etapas, uma das mais importantes e penosas: “Não é nada fácil produzir contas que respondam a questionamentos legais e societários”, argumenta o diretor da FAAP, apontando uma saída: “O ponto de partida é a informatização da gestão. Sem um sistema integrado entre o acadêmico e o operacional, dependendo da escala da operação, é praticamente impossível manter os registros em ordem e poder responder aos questionamentos”.
Benefício claro
Implantadas essas ações, afirma Uchôa de Mendonça Junior, o benefício para a instituição é o ganho de eficiência, clareza e transparência nas decisões, que passam a ser mais qualificadas. Para a família, é a certeza de que está preparando a empresa para o futuro.
Segundo a cartilha do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, os valores praticados no mercado pelas empresas familiares são bastante característicos e de boa linhagem: “Do compromisso com o legado decorrem uma visão de longo prazo, a ênfase em relacionamentos estáveis e a perpetuação da empresa, baseadas em confiança, respeito, compromisso e envolvimento, além de um apego ao negócio, orgulho de pertencer, dedicação à empresa e atenção a aspectos como a sustentabilidade”.
Já para Wagner Teixeira, o que mais diferencia as empresas de controle familiar das não familiares é a visão de futuro. “O que observamos é que uma família empresária tem visão de futuro, de no mínimo se estender até a próxima geração. Isso nos dá um horizonte de cerca de 30 anos. Já entre as empresas não familiares, essa perspectiva cai para cinco anos”, finaliza.