NOTÍCIA
Com a atualização dos instrumentos de avaliação e a publicação do decreto 9.235, setor deve passar por transformações. Inovação deve crescer, junto com a concorrência
Publicado em 26/02/2018
As instituições que investem em inovação acadêmica têm um corpo docente mais qualificado, alunos com melhor desempenho, menores índices de evasão e elevadas taxas de empregabilidade – para não falar na boa reputação no mercado e na maior atração de estudantes.
Porém, muitas delas se queixavam da dificuldade de ver todos esses resultados refletidos em um Conceito Institucional (CI) 4 ou 5, uma realidade que mudou com a publicação dos novos instrumentos de avaliação.
Agora, os projetos acadêmicos inovadores serão valorizados e essa é uma das grandes novidades dos documentos. Uma análise feita pelo Semesp em parceria com a Expertise Educação revelou que a palavra “inovação”, que sequer aparecia nos instrumentos antigos de avaliação de cursos e de credenciamento, agora é citada 16 vezes e 15 vezes, respectivamente. No instrumento de recredenciamento, a menção a ela foi triplicada.
O maior uso dos termos “aprendizagem” e “tecnologia” reforça essa mudança de posicionamento, pois sinaliza que a adoção de tecnologias educacionais e estratégias que favoreçam efetivamente o aprendizado, como as metodologias ativas de ensino, serão bem recebidas. A mesma leitura pode ser feita sobre o emprego mais frequente ou até inédito de “interdisciplinaridade” e “empreendedorismo”.
“Os cursos que preveem projetos integradores em suas matrizes e os desenvolvem compondo os conteúdos das disciplinas, adotando métodos ativos e propondo, quando for o caso, soluções reais a problemas terão sucesso nesses indicadores, com certeza”, analisa Ana Maria Sousa, assessora da reitoria da Unicesumar.
A mudança do caráter dos instrumentos é outro destaque. Se antes eles eram marcadamente quantitativos e centrados no cumprimento da legislação, hoje eles podem ser definidos como qualitativos. Não basta mais informar quantos anos de experiência têm os docentes para atestar sua qualidade.
Esse indicador será medido em outros termos: a partir de agora ele dependerá de evidências que comprovem que estão, de fato, promovendo a aprendizagem, como exemplifica Sueli Macedo Silveira, coordenadora-geral de Avaliação de Cursos de Graduação e Instituições de Educação Superior do Inep. “Não estamos mais verificando exclusivamente o cumprimento da legislação”, reforça.
Mais um exemplo nessa linha é a exclusão do indicador de porcentagem de mestres e doutores que um curso de graduação deve manter em seu corpo docente. “Esse, talvez, seja o avanço mais significativo dos novos instrumentos de avaliação de cursos de graduação. Quantidades de mestres e doutores ou de professores em tempo integral não interferem mais na avaliação de qualidade do corpo docente”, comenta Paulo Cardim, presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes) e reitor do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
Para a obtenção do Conceito 3 (considerado ‘satisfatório’) no “Indicador 2.5. Corpo docente: titulação”, será avaliado se “o corpo docente analisa os conteúdos dos componentes curriculares, abordando a sua relevância para a atuação profissional e acadêmica do discente, e fomenta o raciocínio crítico com base em literatura atualizada, para além da bibliografia proposta”.
Até 2016, o que se pedia para o mesmo conceito era um percentual de professores com pós-graduação stricto sensu maior ou igual a 30% e menor que 50%.
Já no “Indicador 2.6 − Regime de trabalho do corpo docente”, as instituições poderão obter o CI 3 se constatado que “corpo docente permite o atendimento integral da demanda existente, considerando a dedicação à docência, o atendimento aos discentes, a participação no colegiado, o planejamento didático e a preparação e correção das avaliações de aprendizagem”.
A indicação clara do Inep é de que agora isso é mais relevante do que verificar o percentual de professores que trabalham em regime de trabalho de tempo parcial ou integral.
Nessa mesma essa lógica, o Inep retirou dos instrumentos os requisitos legais normativos. Mas isso não quer dizer que eles deixarão de ser cobrados, como esclarece Sueli Macedo Silveira. “Eles continuam presentes no instrumento, mas de forma diluída”, detalha. Dessa forma, a promoção da acessibilidade, por exemplo, será verificada em vários indicadores, e não apenas com perguntas que podem ser respondidas com um “sim” ou “não”.
“Da forma como estava, o instrumento não avaliava de que maneira a instituição estava cumprindo o que a lei determina em termos de acessibilidade. O nosso objetivo agora será verificar o grau de qualidade do cumprimento da lei”, explica a coordenadora de Avaliação do Inep.
Se por um lado as mudanças deixaram o documento menos burocrático e mais flexível para “aceitar” projetos diferentes, adequados ao perfil de cada IES e às especificidades locais, por outro tornaram a avaliação mais subjetiva. Esse ponto preocupa os gestores educacionais.
“É inegável que houve avanços. A avaliação era quase um check list e agora se tornou mais sistêmica, mais contextualizada, mais respeitosa com as regionalidades. Porém, o grande desafio agora é preparar os avaliadores para essas mudanças. Eles precisarão de sensibilidade para enxergar além dos números”, analisa Paulo Chanan, diretor de Regulação do Grupo Ser Educacional.
Quanto a esse ponto, Sueli garante que todos os avaliadores passarão por um processo de capacitação. Como os instrumentos de credenciamento e recredenciamento foram separados, o Inep planeja manter bancos de avaliadores específicos para cada um desses momentos. “Eles terão perfis, conhecimentos e habilidades diferentes e adequados a cada uma das etapas da avaliação”, adianta.
As instituições também terão de adequar a essas mudanças e isso será igualmente desafiador. Ana Sousa enfatiza que as IES precisarão preparar suas equipes para que elas compreendam o significado dos novos instrumentos e criem mecanismos adequados para atender cada um dos indicadores. Revisar os documentos institucionais – o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) e o Projeto Pedagógico de Curso (PPCV) – deverá ser o primeiro passo.
Sobre o PDI, o documento elaborado pelo Semesp recomenda que ele seja consistente, reflita as estratégias institucionais e defina tanto as políticas de ensino, pesquisa e extensão como as demais dimensões indicadas no instrumento de avaliação. “Quando analisamos o instrumento, percebemos que a palavra ‘institucional’ aparece muitas vezes – e isso não é à toa. Não dá para existir ilhas de inovação. Todos os processos e atividades precisarão ser institucionalizados, mesmo que isso implique uma mudança de cultura da instituição”, afirma Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp. “As IES que têm altos conceitos comprovam que a inovação estava na raiz, no PDI”, completa.
De forma similar, o PPC se tornou estratégico para a obtenção de uma boa avaliação. Ele deverá expressar o que a instituição quer daquele curso, além de descrever todos os projetos e iniciativas de inovação. Indo além, as ações previstas no PPC e as atividades pedagógicas dos cursos deverão ser acompanhadas de relatórios periódicos de modo que os avaliadores possam utilizá-los como evidências dos resultados declarados pela instituição.
Não há dúvida de que o registro dessas informações será algo trabalhoso, mas isso vai promover um maior envolvimento entre os coordenadores pedagógicos e os professores e levar a eventuais revisões de práticas”, afirma Ana Sousa, da Unicesumar.
Mais do que valorizar as instituições que já priorizam a aprendizagem dos estudantes e trabalham com projetos pedagógicos consistentes e inovadores, os novos instrumentos deverão induzir as demais a seguir pelo mesmo caminho, avalia o reitor da Unijorge, Guilherme Marback Neto: “A promoção de ações reconhecidamente exitosas ou inovadoras figura como critério de avaliação no maior conceito (5) em, praticamente, todo o Eixo 3 (Políticas acadêmicas)”.
Ainda que o CI 3 continue sendo ‘satisfatório’, as IES tenderão agora a buscar o CI 4 ou 5 para se valer dos bônus regulatórios introduzidos pelo decreto 9.235, que dispõe sobre a regulação, a supervisão e a avaliação das instituições de ensino superior.
Na avaliação geral do setor, ele caminha na mesma linha que o decreto 9.057, que trata da oferta da Educação a Distância. As semelhanças se devem à concessão de mais autonomia às instituições bem avaliadas, mecanismo que prestigia e induz boas práticas na opinião de Hermes Figueiredo, presidente do Semesp. “As IES com conceitos 4 e 5 não tinham vantagens sobre aquelas com conceito 3. Mas com o novo decreto, essa realidade muda sensivelmente”, analisa.
São exemplos disso a possibilidade de credenciamento prévio de instituições vinculadas cujas mantenedoras possuam todas as suas mantidas já recredenciadas com conceito institucional igual ou superior a 4, e não tenham sido penalizadas em função de processo administrativo de supervisão nos últimos cinco anos.
No decreto revogado, era obrigatória a visita in loco de avaliação do Inep para a obtenção do credenciamento. Esse processo foi simplificado, portanto, e ainda habilitará as IES a ofertar até cinco cursos que já sejam reconhecidos com CC maior ou igual a 4 nas outras instituições da mantenedora e não tenham sofrido penalidades nos últimos dois anos. Entretanto, caso o credenciamento definitivo não se confirme, a mantenedora ficará impedida de protocolar novos processos por dois anos.
Além disso, os centros universitários e universidades poderão solicitar credenciamento fora de sua sede (outro município, mas mesmo estado) desde que atendam aos requisitos descritos nos art. 16 e art. 17 e possuam CI maior ou igual a 4 na última avaliação externa in loco realizada pelo Inep na sede.
O decreto também estabelece autonomia para expedição de diploma por faculdades com CI 5 e um curso de pós-graduação stricto sensu reconhecido pelo MEC Educação que não tenham sido penalizadas em decorrência de processo administrativo de supervisão nos últimos dois anos.
Por fim, o MEC ainda poderá instituir processo simplificado para aumento de vagas, de acordo com os resultados da avaliação, conforme prevê o documento.
“Avançamos no sentido de premiar as instituições de ensino superior com base no conceito institucional. O novo decreto de regulação e supervisão proporciona, de fato, maior autonomia às IES com qualidade institucional verificada e um maior incremento na utilização de bônus regulatório. O monitoramento e a supervisão, contudo, continuam”, declarou Henrique Sartori, titular da Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES), durante a realização do 19º Fnesp.
Sobre o monitoramento e a supervisão, o decreto prevê a possibilidade de o MEC realizá-los a qualquer tempo, ou seja, sem aviso prévio e, inclusive, como medida preventiva. As ações de monitoramento da educação superior ainda poderão ser desenvolvidas em articulação com os conselhos profissionais, como determina o novo documento.
O novo marco regulatório do ensino superior, como vem sendo chamado o decreto 9.235, também traz uma sinalização clara de que a SERES está atribuindo às IES a responsabilidade pelas informações divulgadas. “Há uma clara mudança de posicionamento do MEC a respeito da avaliação e da regulação. Quanto mais qualidade, mais liberdade a instituição terá. Essa visão abre espaço para uma autorregulação pelo mercado”, analisa Rodrigo Capelato, que participou da elaboração do decreto como membro da CC-Pares, o Conselho Consultivo do Programa de Aperfeiçoamento dos Processos de Regulação e Supervisão da Educação Superior.
Se antes a IES dependia de uma avaliação in loco para mudar de endereço, agora bastará fazer uma atualização cadastral. O mesmo procedimento será usado para o remanejamento de vagas entre cursos presenciais de mesma denominação e a transferência de mantença. Quanto à análise de sustentabilidade financeira da instituição, esta poderá ser fornecida com a apresentação de balanço patrimonial certificado por auditores independentes.
Outra medida importante foi a unificação da avaliação institucional e de cursos, o que antes era feito por duas comissões diferentes. “Isso dará economicidade ao processo de avaliação externa e conferirá maior coerência ao processo”, avalia José Roberto Covac, diretor jurídico do Semesp.
A comissão única também vai valer para grupos de cursos, de cursos do mesmo eixo tecnológico ou área de conhecimento, conforme regulamento a ser editado pelo MEC. Essa medida pode evitar que laboratórios que são usados por cursos diferentes recebam notas divergentes (situações relatadas por IES) e melhorar a oferta de cursos tecnológicos, uma vez que possibilitará o lançamento de programas (de um eixo já avaliado) conforme as demandas do mercado.
Se por um lado a concessão de mais autonomia para as instituições reduz a burocracia e viabiliza programas de expansão, por outro pode favorecer a concentração de mercado, como alerta Capelato.
Visto que os centros universitários e universidades terão a prerrogativa de solicitar credenciamento fora de sede, desde que atendam a alguns princípios, eles passarão a competir com instituições locais muitas vezes em posição de vantagem. Essa competitividade desequilibrada já vem acontecendo em algumas cidades com a instalação de polos de grande porte que mais se assemelham a uma faculdade.
Porém, de maneira geral, prevalece a expectativa de que os novos instrumentos de avaliação estimularão as instituições a se qualificarem, criando projetos acadêmicos inovadores e investindo em estratégias de aprendizagem eficazes. Isso fará com que elas tenham um CI elevado, que por sua vez lhes dará mais condições de competir. Esse é o ciclo que se espera ver estabelecido no setor.