NOTÍCIA
Acompanhar a vida dos egressos é fundamental para medir a qualidade dos cursos e fazer eventuais correções de rota
Publicado em 12/04/2018
A responsabilidade das instituições de ensino superior por seus alunos termina quando eles se formam? E a dedicação dos estudantes às suas respectivas escolas também é encerrada assim que agarram seus diplomas? A resposta para as duas perguntas é não. As IES brasileiras aprenderam que manter laços com seus egressos é uma política fundamental para a manutenção da qualidade do ensino e também para motivar seus atuais alunos. Já os graduados que seguem ligados às suas almae matres descobrem uma poderosa rede de contatos e uma fonte constante de atualização.
O primeiro passo para atingir esse status é criar um programa específico para este fim. Com as facilidades da comunicação digital, criar um site, estruturar um cadastro e uma pesquisa se tornaram tarefas muito simples e que dispensam investimentos vultosos. “Nós contatamos os alunos graduados e pós-graduados por e-mail, telefone e redes sociais, e os convidamos para visitar a página de egressos no site da instituição. Lá há um campo de pesquisa que nos fornece um bom termômetro do que os nossos graduados estão fazendo profissionalmente”, explica a professora Lucimara Duarte Chaves, diretora acadêmica da Faculdade Santa Marcelina.
A França e os Estados Unidos são pioneiros nesse quesito. Na década de 70, os dois países já adotavam programas de acompanhamento em larga escala. No Brasil, contudo, essa política ainda vacila, mas há algumas exceções. A professora Janice Valia de los Santos, responsável pelo Programa Sempre Cruzeiro do Sul, da Universidade Cruzeiro do Sul, comemora os 10 anos da empreitada e explica sua atuação.
“Nosso objetivo é acompanhar o crescimento profissional de nossos egressos e investir em seu desenvolvimento de forma que eles possam continuar a fazer parte da nossa instituição. Eles são convidados a atualizar seus dados cadastrais e assim conseguimos entrar em contato, saber o que estão fazendo após a formatura, se têm interesse em fazer outros cursos e continuar a vida acadêmica etc.”, relata a professora.
Em instituições muito grandes, é evidente que não é possível acompanhar todas as pessoas que se formam. “Tracking de aluno por aluno não dá, são muitos”, admite Marcelo Zorovich, coordenador do Centro de Integração (Cintegra) da ESPM. Para contornar esse bom problema, a saída é refinar o trabalho, ação que aprimora ainda mais os resultados coletados.
“Fazemos acompanhamento de alguns focus groups, com alunos formados há dez anos, por exemplo, e analisamos a progressão de suas carreiras e as áreas de atuação. Com isso sabemos se eles hoje atuam em gestão, marketing, finanças, recursos humanos”, diz Zorovich.
A Universidade Mackenzie é outra instituição com o agradável empecilho de ter milhares de graduados anualmente — a IES forma, em média, entre 7 e 8 mil alunos por ano . Mas, talvez graças a uma tradição de 148 anos, o projeto de adesão voluntária Para Sempre Mackenzista tem em seu cadastro 150 mil formados.
“Temos contato com egressos de diferentes gerações, desde pessoas que se formaram nos anos 50 e 60 até no ano passado”, conta Eduardo Abrunhosa, coordenador de planejamento e apoio à logística acadêmica. No Mackenzie, assim como nas demais instituições consultadas, o acompanhamento da vida profissional dos alunos começa quando eles ainda estão na graduação, nos semestres finais ou quando são encaminhados para estágios.
Depois de estruturar a forma de acompanhamento, é preciso definir como os dados coletados serão trabalhados. A trajetória profissional dos egressos, seja ela de sucesso ou fracassada, constitui uma ferramenta útil e confiável para orientar ajustes nos cursos das instituições, defende Zorovich.
“O nosso curso de Relações Internacionais fez 10 anos, então levantamos como e onde estão os egressos da primeira turma. Os resultados foram excelentes: há egressos em posições de chefia em empresas no Brasil e no exterior. Isso é um dos balizadores para manter a proposta do curso”, explica o coordenador da ESPM.
Marcelo Oliveira, coordenador de desenvolvimento acadêmico da Universidade Mackenzie, defende que é essencial haver um balanço entre os elementos utilizados para a correção de rota dos cursos. Além das diretrizes curriculares obrigatórias do Ministério da Educação, outras fontes devem ser levadas em consideração – e as informações fornecidas pelos egressos fazem parte dessa equação.
“É importante manter o mapeamento dos egressos para trabalhar as dimensões do mercado dentro dos cursos, saber se nossa formação está adequada às exigências profissionais”, acredita Oliveira. Como um exemplo prático, o professor cita que a universidade adota em salas de aula os mesmos softwares utilizados pelo mercado e isso foi feito graças ao acompanhamento dos formados. “De nada adianta os alunos estudarem em um programa e o mercado exigir conhecimento de outro mais avançado”, relata.
O contato mais direto com os egressos também pode servir para valorizar os eventos acadêmicos. A aula inaugural das turmas de Administração da ESPM, por exemplo, contou com a presença de duas executivas da multinacional Procter & Gamble formadas na instituição. “Uma coisa sou eu, professor, falar que gosto muito da instituição. Outra coisa é um profissional que se sentou na mesma cadeira dos atuais alunos e hoje é presidente da Gol. Dá mais confiança para os estudantes, eles se veem num espelho”, acrescenta Marcelo Oliveira, do Mackenzie.
A presença de antigos alunos em palestras, conferências ou mesmo em conversas informais, portanto, funciona como uma poderosa – e barata –ferramenta de endomarketing. Como muitas IES mantêm uma agenda anual intensa de eventos (como semanas temáticas, congressos, encontros, palestras e feiras), é relativamente fácil encaixar os egressos em suas programações e fazer com que eles se sintam prestigiados por suas faculdades.
Quando isso ocorre, geralmente, a experiência é positiva. É consenso entre os profissionais consultados que os alunos se empolgam e se estimulam conversando com profissionais bem-sucedidos que fizeram exatamente o mesmo curso que eles.
Há ainda a possibilidade de aproveitar o bom relacionamento com os egressos para abrir portas para os alunos. Eles podem ajudar na indicação para estágios ou mesmo viabilizar visitas guiadas em suas empresas. Desde 2004, a ESPM mantém um programa didático em que os egressos mostram aos estudantes a rotina e o funcionamento de grandes empresas como Bauducco, Natura, Coca-Cola, O Estado de S. Paulo, Philips e Itaú.
Há ainda aquele tipo de egresso, muito comum, de acordo com os entrevistados, que uma vez convidado a participar de alguma atividade na instituição em que se formou, se anima e volta a estudar, se matriculando em pós-graduações. E ainda pode ocorrer de muitos deles virarem colaboradores habituais ou mesmo funcionários.
Janice Valia de los Santos conta que muitos dos professores atuais da Universidade Cruzeiro do Sul são alunos antigos. “Nós, professores, nos sentimos extremamente felizes quando, ao nosso lado, temos como colegas de trabalho egressos que já se tornaram mestres e doutores. Costumamos dizer que uma instituição de ensino atinge a maturidade quando isso acontece”, finaliza.
A maioria das universidades americanas oferece benefícios para os estudantes que já se formaram. Os egressos podem, por exemplo, continuar frequentando as instalações esportivas e utilizar a biblioteca, além de ganhar desconto em cursos de extensão e pós-graduação e em publicações das próprias universidades.
Há algumas IES que deixam seus bancos de pesquisas abertos aos profissionais formados e, inclusive, permitem que eles utilizem o e-mail universitário pelo tempo que lhes for conveniente. Também algumas instituições deixam os formados utilizarem seus serviços de aconselhamento de carreira e colocação profissional por até três anos, sem nenhum custo adicional.
As tradicionais associações Alumni de grandes e tradicionais universidades são uma poderosa rede de conexões onde pessoas que se formam podem entrar em contato com colegas que concluíram os estudos recentemente ou em décadas atrás, e hoje estão em posições de destaque nos setores públicos e privados.
Essas ações, muitas delas sem nenhum ou com baixíssimo custo para as IES, estimulam o sentimento de pertencimento e de comunidade entre os egressos, algo muito comum em universidades com longa e sedimentada tradição. Esse sentimento é algo que só se constrói com o tempo, mas muitas vezes acaba sendo um dos maiores ativos intangíveis das escolas — algo cujo valor muitas IES brasileiras já perceberam.