NOTÍCIA
Visão presa à assistência do governo é o que dificulta arrecadação de doações. Instituições privadas podem considerar alternativa para ir além das mensalidades e envolver egressos, diz especialista
Publicado em 18/03/2022
A lei que regulamenta o estabelecimento de fundos patrimoniais ou “endowments” é recente, de 2019. Com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas para programas e projetos de interesse público, os fundos patrimoniais surgem para apoiar financeiramente setores da educação, ciência, pesquisa, inovação, cultura, de meio ambiente e segurança pública, entre outros para o bem comum.
Nesse sentido, as instituições de ensino superior públicas e privadas podem se beneficiar desse recurso, mas ao que parece, a alternativa ainda esbarra em questões culturais. Uma delas é a falta de estímulo por doações, como afirma o advogado especialista em educação, José Roberto Covac.
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“Culturalmente, temos esse olhar de apoio ainda muito voltado a uma responsabilidade do Estado, vinculado às políticas públicas como o Fies e o ProUni. Por outro lado, com o advento da pandemia, todas as IES tiveram que buscar alternativas para atrair e manter seus alunos, e essa lei pode contribuir para uma arrecadação além da mensalidade ou dos programas estabelecidos pelo governo”.
Nas instituições públicas os fundos patrimoniais começam pouco a pouco a ganhar espaço, mas há desconfianças. Existe o medo de que o aumento desse tipo de apoio gere descompromisso das autoridades públicas para com suas universidades, acarretando em diminuição de verbas, além de o movimento aparentar para elas uma ameaça de privatização, analisou Elizabeth Balbachevsky, professora associada da USP e coordenadora científica do NUPPs (Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas), em entrevista à Folha de São Paulo.
Uma vez que os fundos patrimoniais são entidades próprias com CNPJ, governança é essencial para a transparência; fator também já estabelecido na lei. Além das formalidades necessárias para a construção desses fundos – até para que a sociedade se envolva com eles – têm os critérios de natureza contábil, de transparência, integridade, comitê de ética, um site que demonstre um relatório das atividades e, e ao mesmo tempo, que possua órgãos deliberativos: um conselho administrativo, fiscal e de investimentos.
Entre as as instituições públicas que contam com esse tipo de aporte, uma delas é a Unicamp com o Patronos, que já arrecadou mais de R$ 1,5 milhão em seu primeiro ano de criação, graças aos esforços de uma rede formada por mais de 50 voluntários. Fundado em abril de 2020, o Patronos foi criado logo após o início da pandemia, por um grupo de ex-alunos da própria Unicamp. A iniciativa aconteceu cerca de um ano após a criação da Lei 13.800/19, que estabeleceu a regulamentação para a criação de endowments ligados a universidades no país.
Nos EUA, em diversas instituições essa é uma cultura antiga e bastante comum. Mais da metade dos egressos de universidades como Princeton e Dartmouth fazem doações a fundos patrimoniais, revela levantamento recente do jornal U.S.News, também divulgado pela Folha.
“No Brasil estamos ainda muito distantes disso, ainda tratamos ex-alunos como ex-alunos, meramente. O egresso não continua em programas, não se sente mais pertencente à instituição, ao passo que ao concluir o curso, ele se desliga completamente”, observa o advogado Covac.
Para o especialista, as IES privadas deveriam pensar muito na possibilidade de criação de endowments, imaginando um projeto que envolva principalmente seus ex-alunos. “O egresso hoje tem grande importância, ele é um grande acervo da instituição”, afirma.
“Olhando o valor doado em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), é importante enfatizar que o Brasil doa em média 0,2% do PIB; como comparativo, nos Estados Unidos, esse número é quase dez vezes maior”, compara Tulio Prado, presidente e cofundador do Fundo Patronos. “Contudo, acreditamos na mudança dessa mentalidade”, continua. “Os primeiros endowments no Brasil datam de 2010, enquanto que nos Estados Unidos os maiores fundos iniciaram na década de 70”, conta. “No Brasil, é preciso não só divulgar a iniciativa, mas também propagar uma nova forma de olharmos para filantropia”.
“Culturalmente, temos esse olhar de apoio ainda muito voltado a uma responsabilidade do Estado, vinculado às políticas públicas”
A Política de investimentos do Patronos foi criada junto ao Comitê de Investimentos, que conta com nomes, como Otaviano Canuto, economista que foi diretor-executivo do FMI (Fundo Monetário Internacional) e vice-presidente do Banco Mundial e Felipe Andrioli, sócio na Verde Asset Management, além de Matheus Cavallari, que atuou como conselheiro sênior no Banco Mundial. Os três trabalham junto com Gabriel Simões.
As fortalezas do Patronos, segundo seus gestores, são a forte governança, a gestão de ponta, com o máximo de transparência, além da diversidade e interdisciplinaridade, já que se baseia em uma instituição com mais de 60 cursos de ensino superior. Além disso, a equipe do Patronos é 100% voluntária, da base ao alto escalão, sendo que nenhum dos integrantes é remunerado pelos serviços prestados ao fundo.
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