Coordenadora do CEPI e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP
Pesquisa da FGV aprofunda a compreensão dos significados, metodologias e ações
Guilherme Balbi, Olívia Pasqualeto, Clio Radomysler, Marina Feferbaum e Enya Costa trazem reflexões acerca do ensino híbrido (Foto: arquivo pessoal)Por Guilherme Balbi, Olívia Pasqualeto, Clio Radomysler, Marina Feferbaum e Enya Costa: O Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação – CEPI FGV Direito SP desenvolveu, entre janeiro e dezembro de 2022, pesquisa com o objetivo de aprofundar a compreensão sobre os fundamentos do ensino híbrido, auxiliar instituições e docentes no desenho de experiências híbridas e contribuir para a reflexão sobre se esse modelo pode representar ou não uma tendência do ensino superior.
A iniciativa surgiu como aprofundamento da pesquisa sobre tendências do ensino superior, realizada em 2021, que resultou no livro Futuro do Ensino Superior: tendências, perspectivas e questionamentos, e da constatação de que na comunidade acadêmica ainda não há clareza sobre uma série de questões relacionadas ao tema.
A multiplicidade de termos usados para conceituar ensino híbrido, a ampla diversidade de ferramentas tecnológicas e infraestrutura existentes, a inexistência de um arcabouço regulatório específico suscitam dúvidas quanto ao que é ensino híbrido e o que é necessário para implementá-lo quando pensamos na perspectiva dos docentes, discentes e das próprias instituições de ensino.
Para atingir os objetivos da pesquisa, realizamos inicialmente revisão da literatura sobre ensino híbrido e mapeamento exploratório de práticas relevantes de ensino híbrido, a partir da busca por relatórios e guias de instituições internacionais de referência. Em seguida, buscamos coletar a perspectiva da comunidade externa, através de workshop e evento para apresentação e discussão dos resultados parciais da pesquisa, com contribuição de gestores e docentes de diferentes regiões do país. Apresentamos aqui uma prévia dos resultados identificados.
Com certeza você já deve ter escutado ou mesmo utilizado o termo “ensino híbrido”. Especialmente após a pandemia do novo coronavírus e as consequentes transformações no ensino, muito se fala sobre essa modalidade que, embora não seja recente, com a evolução das novas tecnologias de comunicação aplicadas ao ensino, tem sido cada vez mais usada.
O termo ensino híbrido é polissêmico, caracterizado de diferentes formas e a partir de diversos critérios, sendo um conceito “guarda-chuva” de outros termos tais como blended learning, b-learning, hybrid flexible, hyflex, mixed-mode, educação híbrida, aprendizagem híbrida, aprendizagem flexível, aprendizagem combinada, entre outros.
Analisando a literatura, há quem considere que a educação sempre tenha sido híbrida, ao combinar espaços e tempos distintos de aprendizagem, como as aulas presenciais somadas à tradicional lição de casa (MORAN, 2015).
Há quem defina o termo a partir do percentual de momentos presenciais e virtuais, entendendo como ensino híbrido quando 30% a 79% do conteúdo de um curso é oferecido virtualmente e o restante oferecido presencialmente (ALLEN, SEAMEN, 2013, p. 7).
Há também estudos que afirmam que a diferenciação se dá a partir do quão flexível é a escolha para os estudantes participarem virtual ou presencialmente (MONASH, s.d.), enquanto outros mensuram o termo pela intensidade da utilização de tecnologia nas aulas e na divisão de encontros presenciais e online (STANFORD, s.d.a.), e até quem classifique pelo nível de ruptura com os modelos tradicionais existentes (COHEN, NORGARD, MOR, 2020, p. 1039). Em que pese a diversidade de uso dos termos e da abordagem, é certo que a combinação entre o formato presencial e o virtual representa hoje em dia uma potencialidade enorme na experiência de ensino-aprendizagem, especialmente quando a integração entre os diferentes elementos da modalidade híbrida é realizada tendo como foco o estudante.
Buscando agregar os pontos comuns, nessa pesquisa consideramos como ensino híbrido a combinação de elementos do ensino presencial com o virtual a fim de aproveitar as vantagens de cada um, pela integração de diferentes tempos, espaços, ferramentas tecnológicas e estratégias pedagógicas, com uma unidade no planejamento e conexão entre os diferentes ambientes.
Apesar de ser um conceito amplo, entretanto, entendemos que não é ensino híbrido a mera adoção de tecnologias, como o uso de slides em aulas totalmente presenciais ou o simples uso de repositórios virtuais para armazenamento de textos. Isso porque, embora utilizem tecnologias, elas não são voltadas para a constituição de um ambiente virtual, tampouco buscam extrair todas as vantagens do ensino a distância. Não há integração de ferramentas tecnológicas, mas um mero uso instrumental delas para a transmissão de conteúdo.
Assim, a definição de ensino híbrido depende de: (i) que os elementos sejam combinados de modo a aproveitar vantagens do virtual e do presencial; (ii) que haja integração de diferentes tempos, espaços, ferramentas tecnológicas e estratégias pedagógicas; (iii) que haja unidade de planejamento e conexão entre os diferentes ambientes.
Além de compreender o conceito de ensino híbrido, a pesquisa também mapeou boas práticas recomendadas para implementação dessa forma de ensino.
Dado que o ensino híbrido é uma construção coletiva feita por docentes, discentes e pela instituição de ensino, as sugestões de boas práticas variam conforme o ator e o momento em que serão implementadas. Todas elas, entretanto, são pautadas por alguns princípios norteadores, como: clareza dos objetivos (esclarecendo por que algumas atividades ocorrem presencialmente e outras não); conexão entre os ambientes presencial e virtual (evitando a sensação de dois cursos independentes); cuidado com a sobrecarga (evitando a simples adição de atividades em um novo ambiente); e de foco na interação, engajamento e criação de comunidade entre os dois espaços.
Um primeiro rol de sugestões de boas práticas se dirige às instituições de ensino e seus gestores, sinalizando alguns focos de atenção:
A diversidade de combinações possíveis para ensino híbrido amplia as possibilidades de atividades em aula, a exploração de múltiplas habilidades, conciliando vantagens que os ambientes presencial e virtual possuem na transmissão do conhecimento, e favorecendo uma flexibilidade do corpo discente e docente.
Por outro lado, as análises demonstraram a necessidade de reflexão e constante atualização por parte do corpo docente e instituições. A sua utilização irrefletida possibilita que seja aplicado com a finalidade de simplesmente aumentar o corpo discente, buscando o aumento de recursos ou barateamento de custos, com sala de aula presencial, com a remuneração docente, por exemplo, sem uma necessária contrapartida de manutenção na qualidade do curso, o que pode acarretar a precarização do ensino superior
Nesse contexto, uma das principais habilidades necessárias é a de identificar o melhor ambiente (presencial ou virtual), plataforma ou ferramenta tecnológica para cada um dos objetivos de aprendizagem almejados. Ainda, mais do que apenas possuir um(a) “bom professor(a)” na condução das disciplinas, restou claro na pesquisa que o sucesso das diferentes experiências híbridas depende do devido suporte e investimento financeiro, técnico e formativo por parte da instituição, além do engajamento e participação ativa dos e das estudantes, focos do processo de ensino-aprendizagem.
A partir das experiências analisadas, de instituições nacionais e internacionais, é possível afirmar que o ensino híbrido estará presente no futuro do ensino superior. Entretanto, o cenário atual de diversidade de adoção pelas instituições nacionais e internacionais sinaliza que a sua presença não se dará de maneira igual e uniforme. A depender do tipo de curso, do perfil dos discentes e do perfil da instituição, a hibridez será adotada em diferentes formatos e com diferentes objetivos, se adequando às diferentes realidades e desigualdades existentes entre as instituições, discentes e docentes.
O relatório completo da pesquisa será disponibilizado em breve e esperamos que através dele seja possível auxiliar a comunidade a estruturar algo adequado para a realidade da sua instituição de ensino.
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ALLEN, I. Elaine; SEAMEN, Jeff. Changing Course: Ten Years of Tracking Online Education in the United States. Babson Park,
MA: Babson Survey Research Group and Quahog Research Group. 2013. Disponível em: http://www.onlinelearningsurvey. com/reports/changingcourse.pdf. Acesso em: 16 set. 2022
COHEN, Anat; NORGARD, Rikke Toft; MOR, Yishay. Hybrid learning spaces–Design, data, didactics. British Journal of Educational Technology, vol. 51, n. 4, 2020, p. 1039-1044. Disponível em:
https://doi.org/10.1111/bjet.12964. Acesso em 01 mai. 2022
MONASH (Monash University). Active blended and online teaching. s.d. Disponível em: https://www.monash. edu/learning-teaching/TeachHQ/Teaching-practices/ Blended-and-online-teaching . Acesso em 7 jul. 2022.
MORAN, José. Educação híbrida: um conceito-chave para a educação, hoje. In: BACICH, TANZI & TREVISANI (org.). Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: PENSO, 2015, p. 27-45.
STANFORD UNIVERSITY. What is blended teaching? Teaching commons, [s.d.] Disponível em https://
teachingcommons.stanford.edu/explore-teaching-guides/ blended-teaching-guide/getting-started-blendedteaching/one-central-question. Acesso em 6 jul. 2022.
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– Guilherme Balbi Pesquisador do CEPI FGV Direito SP. Mestrando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da USP.
– Olívia Pasqualeto Professora de Direito do Trabalho da FGV Direito SP. Pesquisadora no CEPI FGV Direito SP. Doutora e mestra em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
– Clio Radomysler Líder de Projetos e pesquisadora do CEPI FGV Direito SP. Doutoranda e Mestre em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da USP.
– Marina Feferbaum Coordenadora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) e da área de metodologia de ensino da FGV Direito SP, onde também é professora dos programas de graduação e pós-graduação.
– Enya Costa Pesquisadora do CEPI FGV Direito SP. Mestranda em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP.
Por: Marina Feferbaum | 30/03/2023