NOTÍCIA

Edição 276

Economia criativa é um caldeirão de potencialidades

Firjan e Itaú Cultural mapeiam mercado que demanda cursos

Publicado em 31/07/2023

por Sandra Seabra Moreira

Economia criativa

O economista brasileiro Celso Furtado (1920-2004) escreveu Criatividade e dependência na civilização industrial em 1978, mais de uma década antes da criação do conceito de economia criativa. Ele analisou o modelo de industrialização do Brasil e afirmou que o país se industrializou mas não rompeu com a dependência porque o processo não foi pautado pelo gênio criativo brasileiro. “Ou seja, nós não mobilizamos a capacidade criativa do país”, afirma João Luiz de Figueiredo, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa da ESPM, no Rio de Janeiro.

João Luiz de Figueiredo

João Luiz de Figueiredo (foto: divulgação/ESPM)

O conceito, assim como a economia e a indústria criativa propriamente, ainda estão em construção. O setor não tem suas fronteiras bem delimitadas. É um guarda-chuva que abriga ocupações criativas. “De modo geral, estamos falando de atividades que são intensivas em cultura, em capacidade criativa, que produzem valor simbólico – cada vez mais determinante na formação do preço das coisas. A forma de monetização principal é o direito autoral, a propriedade intelectual.”

Engloba as atividades culturais e as chamadas criativas-funcionais, que oferecem produtos com determinadas funções, como uma cadeira que custa 10 mil reais por causa do design, ou um prédio com belo projeto arquitetônico que precisa oferecer condições de moradia, ou mesmo a publicidade, que precisa comunicar para vender.

 

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De acordo com a edição de 2022 do Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil elaborado pela Firjan – Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro –, são 13 segmentos de atividades divididos em quatro áreas. A área de consumo reúne design, arquitetura, moda e publicidade & marketing. Na área de mídias estão as categorias editorial e audiovisual. Na área da cultura estão patrimônio e artes, música, artes cênicas e expressões culturais. Na quarta área, tecnologia, estão P&D – Pesquisa e desenvolvimento –, Biotecnologia e TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação.

Cada categoria reúne ocupações e profissionais, uns mais especializados, outros menos. Para o Observatório Itaú Cultural, outro órgão dedicado a acompanhar os índices econômicos das atividades culturais, há ainda necessidade de revisão das categorias. Por exemplo, o último estudo, publicado em março deste ano, aponta que duas categorias já não mais se vinculam ao setor: reparação e manutenção de equipamentos de informática e comunicação, antes alocados na TIC, e preparação de fibras, fiação e tecelagem, antes pertencente à área da moda.

Parte das mais de 500 mil vagas do setor de tecnologia que os empregadores não conseguem preencher, por falta de trabalhadores capacitados, está alocada na indústria criativa. No mapeamento da Firjan, a área TIC reúne 13 profissões, entre elas, arquiteto de soluções de tecnologia da informação, engenheiro de aplicativos em computação, técnico desenvolvedor de sistemas da tecnologia da informação e desenvolvedor web.

 

Recuperação pós-pandemia

 

O crescimento da taxa de emprego na economia criativa, no período entre o 4º trimestre de 2021 e o 4º trimestre de 2022, foi de 4%, acompanhando os mesmos percentuais de crescimento da economia brasileira, de acordo com mapeamento realizado pelo Observatório Itaú Cultural. Foram 308 mil novas vagas de trabalho. O setor envolve cerca de oito milhões de trabalhadores. No mundo, são 29,5 milhões de postos de trabalho e a geração de US$ 2,25 bilhões, de acordo com a Unesco.

Os números não são bombásticos, mas apontam uma retomada, uma reação, esperada e necessária, após a pandemia, que afetou a maioria dos setores da economia, inclusive, as atividades culturais. O aumento não atingiu toda a enorme lista de categorias do setor. As novas vagas de trabalho contabilizadas entre 2021 e 2022 alocaram-se em artes cênicas (39%), cinema, rádio e TV (26%), arquitetura (14%), música (13%), publicidade (12%), desenvolvimento de software e jogos digitais (11%), editorial (9%), gastronomia (9%) e serviços de tecnologia da informação (8%).

Ainda de acordo com o mesmo mapeamento, em 2020, o recém-criado – pelo próprio Observatório Itaú Cultural – PIB da economia da cultura e das indústrias criativas do Brasil (ECIC) correspondeu a 3,11% do PIB brasileiro.

Para ajudar a alavancar o setor, a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura lançou um edital, em março, e reuniu 90 produtores criativos para participação na 7ª edição do Mercado de Indústrias

Culturais Argentinas, ocorrido em Buenos Aires no começo de junho. São profissionais das áreas do audiovisual, circo, dança, teatro, design, editorial, hip hop, música e jogos eletrônicos. Com o aporte de R$ 793 mil, a ideia foi impulsionar rodadas de negócios, ampliar parcerias, networkings e realizar atividades de formação.

 

Uma nação criativa

 

A ideia de uma economia da cultura aparece nos anos 70. Décadas depois, com a desindustrialização, a fuga do emprego industrial para os países do Sul e do Sudeste asiático, as nações desenvolvidas começaram a discutir qual seria o lugar delas na globalização.

O conceito de economia criativa surgiu na Austrália, por volta de 1994, com o programa Creative Nation. “E ganhou muito lastro no debate mundial quando em 1997 o Partido Trabalhista do Reino Unido, liderado por Tony Blair, contratou uma grande consultoria para entender qual era a importância do Reino Unido na economia global do século XXI. Essa consultoria identificou cerca de 15 setores fundamentais para o desenvolvimento econômico e percebeu que eram setores intensivos em cultura e criatividade. O Reino Unido, então, criou o movimento chamado Creative England, ou seja, a ideia de que é um país criativo e que a criatividade é a ponte do desenvolvimento para eles”, explica Figueiredo, que também ministra a disciplina ‘economia criativa e desenvolvimento’ no mestrado que coordena, oferecendo o panorama histórico aos alunos.

 

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O Brasil foi protagonista na economia criativa, a seu modo. Celso Furtado passou a defender que a cultura e as atividades criativas deveriam ser elevadas a uma posição central no modelo de desenvolvimento do país. “Ele foi ministro da Cultura em 1986, no governo Sarney, ficou dois anos no Ministério da Cultura e criou a Lei Sarney, que é o embrião da Lei Rouanet, a primeira lei de incentivo que capta recursos das empresas para financiamento de produções culturais via renúncia fiscal.” Figueiredo enfatiza que as leis de incentivo já identificavam a fragilidade econômica dos setores culturais. “É assim no mundo todo.”

O esforço para desenvolver a economia criativa é mundial. A Unesco, Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, e a Unctad, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, ambas da ONU, desempenham papéis importantes. “A Unctad realizou uma conferência em São Paulo em 2004, presidida pelo economista Rubens Ricupero, e definitivamente a entidade entendeu que a economia criativa deveria ser difundida como uma possibilidade de desenvolvimento, porque tem um lastro na cultura, na história, na capacidade criativa e é a partir daí que isso ganha tração.”

 

A formação de mão de obra

 

Para Inês Maciel, professora no segmento de narrativas imersivas e Cinematic VR, do mestrado profissional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a formação de profissionais para a economia criativa requer todos os formatos possíveis, “porque cada categoria de curso é para um fim”. Cursos livres, para atualizar novidades de um software específico ou nova tecnologia que está sendo implantada. Pós-graduação para atualização na carreira, “por exemplo, curso de marketing digital, para aprender plataformas, tipos de conteúdo, estratégias de engajamento, redes sociais e formatos para cada tipo de plataforma, monetização e impulsionamento, mensuração de resultados de campanhas”.

O mestrado profissional aborda os conteúdos acima e discute para onde a tecnologia está caminhando, “vai abastecer as faculdades com novos professores que trazem um background do mercado”, diz a professora.

Roberto Tietzmann

Roberto Tietzmann (Foto: divulgação/PUCPR)

A PUCRS acabou de lançar a certificação, que também funciona como um curso de extensão, em economia criativa. É um EAD de 10 horas/aula, que aborda o setor como uma estratégia para o desenvolvimento – econômico e social – sustentável. O curso faz parte do início de um reposicionamento da PUCRS em direção à economia criativa, afirma Roberto Tietzmann, professor de graduação e do Programa de Pós–Graduação em Comunicação Social da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS.

 

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“A ideia de uma economia criativa traz a interconexão entre os vários ofícios que ensinamos. Por exemplo, na PUCRS a principal disciplina que eu ministro é montagem e edição. Até um tempo atrás, eu podia dizer que formava os futuros editores de filmes e séries, mas agora vimos que isso precisa se conectar a toda uma cadeia de produção, de modo a aumentar a empregabilidade dos alunos”, explica.

Tietzmann conta que o curso de design, bacharelado de quatro anos, e o tecnólogo de produção audiovisual, com duração de dois anos e meio, têm muita procura na PUCRS. “Nesse tecnólogo, o pessoal entra com 18 anos e sai com 20, voando.”

Em outros países, já existem cursos de graduação em economia criativa, mas no Brasil “o mercado precisa amadurecer mais um pouco”, diz Figueiredo. Ele conta que o interesse no mestrado profissional que ele coordena oscila e que houve alguma retração no período da pandemia. Criado em 2016, já formou 90 mestres. Os estudantes são das áreas de cinema, publicidade, design, fotografia, tecnologia, administração, gestão. A maioria tem de 35 a 45 anos e todos são trabalhadores. O corpo docente também é interdisciplinar. “A economia criativa não é uma ciência, é um campo de atividade e totalmente interdisciplinar.” Uma forte característica da gestão em economia criativa é a junção da racionalidade e da criatividade na solução de problemas complexos. “Fazemos pesquisa aplicada, apoiamos os estudantes na solução de problemas nas empresas em que trabalham, negócios que empreendem, ou mesmo para o governo, pensando políticas públicas para os setores culturais criativos.”, finaliza.

Autor

Sandra Seabra Moreira


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