Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

Tecnologia, comportamento jovem e 100 mil anos de evolução

Juventude está cada vez menos interessada e engajada no processo de aprendizagem

Jovens desafiam educadores Professores demonstram dificuldade para encontrar um novo caminho de relacionamento para conquistar o estudante para a aprendizagem (foto: Freepik)

O comportamento do estudante tem se revelado um desafio para todos que trabalham na área da educação. Parece que, especialmente depois da pandemia do covid-19, os jovens estão cada vez menos interessados e engajados no processo de aprendizagem.

Essa não é uma constatação somente minha, ou algo que acontece no Brasil. Internacionalmente, professores demonstram dificuldade para encontrar um novo caminho de relacionamento com as turmas, para conquistar o estudante para a aprendizagem. Nada parece dar muito certo.

Estudantes mostram estar à vontade somente em atividades que não propiciam uma aprendizagem mais profunda, de melhor qualidade, por assim dizer. Os jovens parecem mais interessados em atividades lúdicas, imediatas, mas que não fomentem uma reflexão, por exemplo.

Neste sentido, o problema é que o cérebro humano vem sendo lentamente ajustado por um processo evolutivo que começou há pelo menos 100 mil anos, com o surgimento do homo sapiens sapiens. Nosso equipamento cerebral é altamente sofisticado, otimizado para garantir nossa sobrevivência e já possui uma forma de consolidar a aprendizagem relativamente bem estabelecida. Não são preferências desenvolvidas em meros dois anos de pandemia, por mais intensa que possa ter sido a experiência, que irão modificar o caminho evolutivo que nos trouxe até aqui. Mas, sem dúvida, o comportamento do estudante está diferente e precisamos encontrar novas formas de acessar esses jovens.

 

Inovação direcionada

 

O desafio, portanto, consiste em promover o que eu entendo que seja inovação acadêmica direcionada. Não podemos aceitar qualquer coisa como inovação. A novidade, simplesmente, é um critério fraco para qualificar uma nova prática como inovativa.

A Figura 1 apresenta como visualizo esse ideal: a interseção entre o funcionamento do cérebro conforme nosso legado evolutivo, as preferências dos jovens – fortemente moldadas pelo comportamento, condições familiares, ambiente externo – e as possibilidades tecnológicas.

Figura 1

Figura 1: Ponto ideal das inovações pedagógicas

Mas como podemos proceder a essa busca por inovações que atendam a todos esses critérios? Talvez como ponto de partida possamos relembrar rapidamente alguns princípios de aprendizagem que a neurociência vem estudando e que apresentam bons resultados. Entre as ideias validadas pela neurociência (algumas são efetivamente questões de bom senso que agora foram fortalecidas por estudos científicos), estão as seguintes:

 

    • Plasticidade Neural: A plasticidade, entendida como a capacidade do cérebro de se reorganizar em resposta à aprendizagem e à experiência, é a base da aprendizagem e da memória;
    • Atenção e Foco: Para a aprendizagem ser eficaz, são necessários foco e atenção. O cérebro filtra informações irrelevantes para se concentrar naquilo que é importante;
    • Repetição e Reforço: A repetição de uma atividade, por meio de uma prática selecionada e deliberada, pode fortalecer as sinapses no cérebro, consolidando a aprendizagem;
    • Conexões e Contexto: O cérebro busca padrões para compreender novos conceitos e a aprendizagem é mais eficaz quando novas informações são conectadas a conhecimentos ou experiências prévias;
    • Emoção e Aprendizagem: O cérebro prioriza conteúdos com carga emocional, portanto as emoções desempenham um papel crucial na aprendizagem;

 

Leia também: Layout da sala de aula potencializa o aprendizado
    • Descanso e Consolidação: O sono e o descanso são essenciais para a consolidação da memória. Durante o sono, o cérebro reorganiza e fortalece as memórias da aprendizagem recente;
    • Aprendizagem Social e Colaborativa: Metodologias como aprendizagem por pares podem ser muito eficazes, pois a evolução capacitou o cérebro humano a aprender em ambientes sociais;
    • Erros e Feedback: O cérebro usa erros e feedback para ajustar e melhorar o desempenho futuro, portanto errar é uma parte essencial do processo de aprendizagem;
    • Estilos de Aprendizagem e Multimodalidade: Embora a ideia de estilos de aprendizagem fixos seja controversa, é consenso que a combinação de múltiplos estímulos (visual, auditivo, cinestésico) pode enriquecer a experiência de aprendizagem;
    • Curiosidade e Exploração: O cérebro é estimulado por novidades, ou seja, a curiosidade é inata ao ser humano e a exploração é um poderoso indutor da aprendizagem.

 

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Pois bem, o argumento defendido neste artigo é que, se esses são os princípios fundamentais da aprendizagem da espécie humana, inovações pedagógicas devem respeitar esses parâmetros. Por exemplo, podemos indicar enfaticamente a inclusão de momentos de revisão e consolidação da aprendizagem nos planos de disciplina.

A questão é, esses princípios podem ser trabalhados com metodologias mais ou menos adequadas às preferências dos jovens contemporâneos, estas sim, fortemente influenciadas pelo ambiente e consolidadas em comportamentos repetitivos.

Voltando à repetição, podemos implementar esse princípio tanto por meio de uma exposição adicional sobre um texto já apresentado, com o objetivo de verificar se surgem novas dúvidas, ou por quizzes periódicos, tomados online e que misturem tipos de perguntas diferentes em um processo mais dinâmico. Desnecessário dizer qual seria preferido pelo estudante contemporâneo e as tecnologias hoje disponíveis nos permitem oferecer esse tipo de experiência em grande escala.

Dessa forma, ao refletirmos sobre que tipo de inovação teria uma maior probabilidade de causar um real impacto em sala de aula, deve-se considerar a interseção dessas três variáveis para servir de guia,facilitando a seleção e a escolha.

 

Desaprender para dar lugar ao novo

 

Outro argumento básico deste artigo é que mudar nossos métodos é uma necessidade de primeira ordem. Embora seja verdade que os jovens não vão mudar milhares de anos de evolução da espécie e fazer com que seus cérebros funcionem de forma radicalmente diferente como resultado de suas curtas experiências de vida, também é fato que se quisermos nos relacionar de forma mais produtiva com esses jovens, precisamos nos aproximar da linguagem deles. E isso pode ser desconfortável.

Ouso afirmar que os docentes do ensino superior, entre os quais me incluo, estão em um momento delicado de suas trajetórias profissionais. Os estudantes esperam de nós não só o conteúdo, mas uma experiência de aprendizagem construída com recursos diferentes dos que estamos habituados.

Há alguns meses falei, por exemplo, do uso da Inteligência Artificial em sala de aula. No fundo meu único problema com o uso do ChatGPT pelos estudantes é quando eles copiam e colam trabalhos inteiros sem pensar criticamente sobre o que estão entregando, sem humanizar o texto. Dito isso, utilizo a IA para repensar todo o meu plano de disciplina e tenho obtido bons resultados, com menos dispêndio de tempo. Os estudantes gostam e a aprendizagem melhora. E tenho consciência de que utilizo uma parcela pequena do potencial que atualmente está à minha disposição.

 

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A autora estadunidense Elisabeth Kubler-Ross é conhecida pela sua contribuição para a compreensão do luto. Foi ela que dividiu o processo em cinco estágios, indo da Negação à Aceitação. Uma interpretação interessante da obra dela é que as pessoas não têm tanto medo da mudança, mas sim da perda. Por esse ponto de vista, uma pessoa resistiria a uma mudança significativa porque implicaria a perda de algo importante, um aspecto de sua identidade profissional, por exemplo. Talvez seja por isso que desaprender nossos hábitos há muito estabelecidos nos pareça tão difícil. O processo implica perdas, precisamos abandonar crenças que nos favoreceram por muitos anos e, com isso, uma parte de nós se vai.

Me parece que todos sabemos que não há alternativa aceitável, o desengajamento do estudante universitário contemporâneo não nos dá muito espaço de negociação. Precisamos de fato mudar drasticamente nossa sala de aula. Há o medo da perda, há dúvidas sobre por onde seguir. Espero que esta breve reflexão sobre como fazer boas escolhas de novas práticas pedagógicas lhe seja útil. Eu também estou passando pelas mesmas dificuldades e estou aprendendo. Errando e aprendendo. Lhe desejo sucesso na exploração por novas possibilidades, lembrando que hoje temos muito embasamento para nos ajudar ao longo do caminho. 

 

Por: Alexandre Gracioso | 16/11/2023


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