O argumento de que os celulares são responsáveis pelo baixo desempenho estudantil precisa ser ampliado. A distração não é apenas uma questão tecnológica, mas também pedagógica
O Brasil está cada vez mais conectado. Segundo a 35ª edição da Pesquisa de Uso da Tecnologia da Informação, realizada pela FGV em maio de 2024, existem cerca de 1,2 smartphones por habitante no país, totalizando 258 milhões de aparelhos em uso. A quantidade de dispositivos portáteis, incluindo tablets e notebooks, chega a 1,8 por habitante, equivalente a 384 milhões de unidades — um aumento expressivo em relação a 2023.
Essa realidade demonstra que a tecnologia é parte essencial da vida dos brasileiros, inclusive de crianças e adolescentes. De acordo com a pesquisa TIC Educação 2023, 28% das escolas no Brasil, tanto públicas quanto privadas, já proíbem o uso de celulares pelos alunos, enquanto 64% limitam o uso a determinados horários e espaços.
Com o aumento do uso da tecnologia, o Ministério da Educação (MEC) está elaborando um projeto de lei para proibir celulares na sala de aula, buscando restabelecer o foco na aprendizagem e melhorar o ambiente escolar. A proposta visa uniformizar legislações já existentes e proporcionar segurança jurídica para estados e municípios que já adotam medidas restritivas.
O celular, presente em quase todos os bolsos, revolucionou a forma como nos comunicamos e acessamos informações. Nas escolas, essa tecnologia gera intenso debate: é um vilão que distrai e prejudica o aprendizado ou um aliado capaz de transformar a educação? A resposta não é simples e exige uma análise equilibrada entre prós e contras.
Não há consenso global sobre o uso de celulares nas escolas. Países como França, Itália e Finlândia adotaram restrições rigorosas, enquanto nos Estados Unidos, as opções de políticas variam conforme o município. Esse cenário diversificado reflete a complexidade da questão. A polêmica se agrava porque envolve aspectos delicados, como o acesso às redes sociais, já proibido para menores de idade e prejudicial se não for monitorado. Para mitigar esses riscos, as escolas podem implementar técnicas que restrinjam o acesso a conteúdos inadequados no ambiente escolar.
Além disso, muitos pais veem o celular como uma ferramenta essencial para a segurança dos filhos, permitindo a comunicação em situações de perigo. Essa visão reforça a necessidade de uma decisão ponderada sobre o uso desses dispositivos nas escolas.
Contudo, ao adotarmos uma postura exclusivamente restritiva, ignoramos um ponto crucial: a solução não é simplesmente eliminar o uso dos celulares, mas melhorar a qualidade da aprendizagem e promover o uso consciente da tecnologia. O celular, como qualquer outra ferramenta, pode ser um poderoso aliado do processo pedagógico, desde que sua utilização seja planejada e criteriosa. Quando bem utilizado, pode enriquecer o ensino, oferecendo recursos dinâmicos e promovendo a autonomia dos estudantes. É necessário integrar esses dispositivos de modo a fortalecer o aprendizado, em vez de vê-los apenas como vilões.
O argumento de que os celulares são responsáveis pelo baixo desempenho estudantil precisa ser ampliado. Desde que existe escola, engajamento e motivação sempre foram solicitados. A distração não é apenas uma questão tecnológica, mas também pedagógica. Experiências mostram que remover o celular não resolve os problemas de engajamento. O que realmente importa são aulas interessantes e conectadas à realidade dos alunos.
Atividades dinâmicas e engajantes tornam a presença do celular menos relevante como fonte de distração. Metodologias ativas, rotinas de aprendizagem visíveis, desafios imersivos e gamificação são abordagens eficazes nesse sentido. A interação entre estudantes não depende da ausência de celulares, mas da qualidade das atividades propostas. Estratégias de aprendizagem colaborativa, como debates e projetos em grupo, estimulam a curiosidade e o engajamento.
Embora o celular possa ser apontado como uma fonte de distração, o problema não está na tecnologia, mas em como ela é utilizada. A integração de celulares em atividades bem planejadas transforma esse dispositivo em um aliado do aprendizado.
O aluno precisa aprender a ser aluno. Ser estudante vai além de frequentar aulas e cumprir atividades; é uma postura que se cultiva ao longo do tempo. Aprender a ser aluno envolve assumir uma atitude ativa no processo de aprendizagem, entendendo que a educação depende de curiosidade, responsabilidade e vontade de expandir horizontes.
Um bom aluno gerencia seu tempo, organiza suas tarefas e desenvolve disciplina. É essencial ensinar o estudante a ser protagonista de seu aprendizado. A neuroeducação comprova que o cérebro se desenvolve com atenção, disciplina e foco, e a autorregulação — o controle de pensamentos, emoções e comportamentos — é essencial para o sucesso. Um aluno autorregulado é capaz de manter a concentração mesmo diante de distrações, colocando a gestão inteligente do aprendizado no centro de sua experiência.
O respeito ao professor e ao ambiente escolar também é fundamental. Quando o aluno desrespeita o professor, troca mensagens ou filma a aula sem permissão, configura um desrespeito inaceitável. O uso da tecnologia, como o celular, não deve ser limitado a proibir ou permitir. Deve-se, ao contrário, reimaginar práticas educacionais, integrando a tecnologia de forma crítica e produtiva no processo de aprendizagem.
Este tema está longe de ser um consenso entre os professores, por isso um aspecto crucial a ser considerado é a autonomia do professor. Ao meu ver, o docente deve ser o principal responsável por decidir se o uso da tecnologia faz sentido para seus alunos, assumindo a responsabilidade dessa escolha. Afinal, são os professores que melhor conhecem as necessidades pedagógicas de suas turmas, estando aptos a integrar o celular de maneira segura e eficaz.
Qualquer política sobre o uso de celulares deve respeitar essa autonomia. Atribuir essa decisão ao professor valoriza sua autoridade e expertise, garantindo que o uso da tecnologia seja benéfico e adequado às necessidades específicas de cada contexto escolar.
A solução talvez não seja simplesmente proibir ou permitir indiscriminadamente, mas promover um uso criterioso e responsável da tecnologia, capacitando os estudantes para navegar no mundo digital de forma segura e eficaz. Reimaginar o uso de celulares na sala de aula significa criar ambientes que despertem curiosidade e incentivem a autonomia dos alunos.
É essencial estabelecer regras claras, envolver alunos, professores e pais em um diálogo construtivo, além de criar espaços digitais seguros e incentivar o uso de aplicativos educacionais que agreguem valor ao ensino. Transformar o celular de um possível vilão em um aliado importante depende de proporcionar escolhas conscientes e experiências de aprendizagem relevantes.
Assim, a incorporação do celular na sala de aula deve ser vista como um avanço consciente, desde que ocorra de maneira planejada e com objetivos pedagógicos claros. Ao invés de temer a tecnologia, convém abraçá-la como aliada na construção de um futuro mais conectado e promissor.
Por: Thuinie Daros | 07/10/2024