Professores precisam pensar em situações de sala de aula que possam auxiliar estudantes com dificuldades de interação social
Embora o transtorno de ansiedade social e a timidez possam compartilhar algumas características, não se trata, em absoluto, da mesma coisaNa rotina das minhas observações sobre o comportamento humano, principalmente de jovens adultos, com quem trabalho diretamente, noto que há uma crescente evitação de contato. Tanto no meu condomínio quanto na escola, verifico uma resistência em manter o contato visual e em responder “bom dia”, “boa tarde” ou “boa noite”. Tomar a iniciativa de cumprimentar então? Nem pensar. O curioso é que nem sempre isso se deve à falta de uma boa educação informal, atribuição da família, que me parece rarear a cada dia. Essa evitação de contato parece mais frequentemente voltada a uma dificuldade de interação social que deve ser muito bem observada tanto no ambiente familiar, escolar e das comunidades de convívio.
O medo e a evitação das interações sociais têm sido foco de muitas pesquisas na área da saúde mental, especialmente quando presente em jovens adultos e adolescentes que enfrentam o desafio da pressão por aceitação. É certo que a complexidade do contexto cultural e social em que vivemos tem uma interferência direta sobre a aceitação, que é uma das principais forças que moldam o comportamento nessa faixa etária. A busca pela aceitação influencia nossas escolhas, comportamentos e emoções, e apesar de ser um aspecto comum do desenvolvimento humano, nas últimas décadas a forma como as pessoas se comunicam parece exercer uma pressão maior pela aceitação, o que contribui diretamente para comportamentos de esquiva social que pode não ser saudável.
É claro que, nesse contexto, o que mais me preocupa como especialista é a configuração da ansiedade social. Esse é um dos transtornos mais frequentes entre adolescentes e jovens adultos, que também é conhecido como fobia social. Envolve um medo intenso e persistente de situações sociais ou de desempenho em que a pessoa pode ser observada, julgada ou avaliada por outros. O medo configurado nesse tipo de transtorno vai muito além da timidez ou do nervosismo em situações sociais, afetando significativamente a qualidade de vida, as interações interpessoais e o funcionamento cotidiano.
Isso faz mais sentido ainda quando observo, no dia a dia, a falta de preparo e a dificuldade para enfrentar avaliações, sem considerar que a avaliação sempre se configura como um sinalizador sobre o qual podemos agir e ajustar nossos comportamentos. Ser avaliado, falar em público, conhecer novas pessoas, participar de reuniões, trabalhar em grupos podem se tornar comportamentos constantemente evitados. A forma de lidar com o medo dessas situações, até certo ponto esperada, é enfrentada como retração e evitação do contato com as pessoas. As consequências imediatas são o isolamento, a solidão e o comprometimento das relações pessoais, acadêmicas e profissionais.
Em situações mais graves, sintomas físicos podem aparecer sob a forma de tremores, sudorese excessiva, taquicardia, náuseas, rubor, dificuldade em falar e o famoso “branco mental”. Esses sintomas sempre se associam ao medo de rejeição e de humilhação e do receio irracional de estar fazendo algo errado ou inadequado, ainda que se trate de situações consideradas “normais” para a maioria das pessoas. Às vezes a autocrítica demasiada faz com que a probabilidade de cometer erros seja superestimada, o que leva a um exagero de julgamento quanto às consequências dos erros cometidos.
Embora o transtorno de ansiedade social e a timidez possam compartilhar algumas características, não se trata, em absoluto, da mesma coisa. A timidez é uma característica de personalidade que envolve desconforto em situações sociais, enquanto o transtorno de ansiedade social é um fenômeno social e psicológico abrangente e muito mais sério, que inclui a busca por aprovação e medo das interações sociais. O ponto principal é a capacidade de adaptação, que é muito mais fácil e simples nos casos de timidez, cujas manifestações comportamentais e sintomas ainda que parecidas tendem a ser leves e transitórias.
É muito importante que pais e professores estejam atentos na identificação das manifestações comportamentais. Dizer “ele é assim mesmo”, “sempre foi assim” pode nos levar a subestimar o sofrimento existente e a não pensar nas possíveis soluções para enfrentar esses problemas. Como pais e professores, precisamos estar atentos ao grau e persistência dos desconfortos gerados para os jovens que possam vir de interações sociais não satisfatórias. Isso é de extrema relevância para buscar e recomendar ajuda.
Ainda como professores, precisamos pensar em situações de sala de aula que possam auxiliar estudantes com dificuldades de interação social. Conhecer os estudantes é a melhor forma de identificar e auxiliar nas situações diárias. A observação é a melhor ferramenta para agir sobre esses aspectos. Afinal, saúde mental é semelhante à saúde física, ora estamos bem, ora não estamos. Resfriados e viroses nos afetam tanto quanto ansiedade, depressão e medo. Assim como buscamos ajuda para o alívio de sintomas físicos, precisamos fazer o mesmo e com presteza para os sintomas emocionais.
Por: Josiane Tonelotto | 15/10/2024