As IES possuem a oportunidade de se tornar catalisadoras de ecossistemas de aprendizagem
Artigo busca lançar luzes sobre as oportunidades que as IES têm ao seu alcance (foto: Shutterstock)O termo Economia da Aprendizagem (Learning Economy) foi criado por Bengt-Åke Lundvall, um economista dinamarquês, no início dos anos 1990. Lundvall desenvolveu este conceito enquanto trabalhava na Universidade de Aalborg, Dinamarca. O termo foi formalmente introduzido em seu livro National Systems of Innovation: Towards a Theory of Innovation and Interactive Learning (1992), onde ele argumenta que o conhecimento é o recurso mais fundamental na economia moderna e que a aprendizagem é o processo mais importante.
A ideia central da Economia da Aprendizagem é que o sucesso de indivíduos, empresas, regiões e economias nacionais reflete sua capacidade de aprender. Lundvall enfatiza que, em uma economia moderna, a vantagem competitiva sustentável está principalmente baseada na capacidade de aprender e adaptar-se rapidamente às mudanças. A ideia da Economia da Aprendizagem representa uma significativa evolução em relação aos conceitos da Economia da Informação ou da Economia do Conhecimento, ao enfatizar o processo dinâmico de desenvolvimento de competências.
A evolução das ênfases adotadas pela economia da informação, do conhecimento e da aprendizagem pode ser acompanhada na tabela abaixo:
Dimensões | Economia da Informação | Economia do Conhecimento | Economia da Aprendizagem |
Foco Principal | Transmissão e acesso a dados | Transformação de informação em conhecimento aplicável | Desenvolvimento dinâmico de competências e adaptação contínua |
Recursos-Chave | Infraestrutura tecnológica e canais de comunicação | Capital intelectual e ativos intangíveis | Redes de aprendizagem e ecossistemas de inovação |
Processos Centrais | Distribuição e gestão de informações | Codificação e gestão do conhecimento | Aprendizagem institucional e desenvolvimento de capacidades |
Vantagem Competitiva | Baseada no acesso e controle de informações | Baseada em expertise e conhecimento especializado | Baseada na capacidade de aprender e evoluir continuamente |
Desenvolvimento de Pessoas | Foco em habilidades técnicas | Desenvolvimento de expertise | Cultivo de capacidades adaptativas |
Cultura | Orientada a processos | Orientada a resultados | Orientada à aprendizagem contínua |
Inovação | Incremental e baseada em dados | Planejada e baseada em pesquisa | Emergente e adaptativa |
Gestão do Conhecimento | Armazenamento e recuperação | Criação e compartilhamento | Co-criação e evolução contínua |
Papel da Liderança | Controle e direcionamento | Facilitação e coordenação | Mentoria e desenvolvimento |
Fica claro que cada estágio representa um nível mais sofisticado de compreensão sobre como as organizações podem conquistar vantagens competitivas sustentáveis. Fica claro também porque a aprendizagem veio a se tornar um importante diferencial estratégico na economia do século 21. Este artigo tem por objetivo lançar luzes sobre as oportunidades que as instituições de ensino superior têm ao seu alcance na Economia da Aprendizagem.
Instituições de ensino superior estão em uma posição vantajosa na Economia da Aprendizagem; as IES possuem a oportunidade de se tornar catalisadoras de ecossistemas de aprendizagem. Esta transformação manifesta-se por meio de três dimensões principais, cada uma demandando uma reconfiguração das práticas institucionais.
A criação e a gestão de conexões entre academia, indústria e sociedade tornou-se uma competência crítica para as IES contemporâneas. As IES precisam desenvolver, de forma estratégica e deliberada, competências específicas para mapear, conectar e gerenciar relacionamentos com os diversos atores. O valor para a rede, e para as IES, virá da sinergia entre perspectivas e competências.
Exemplos concretos desta estratégia são iniciativas como parques tecnológicos, incubadoras de empresas, programas de pesquisa colaborativa e projetos de extensão. Estas iniciativas devem oferecer um espaço onde os participantes possam interagir na geração e aplicação de conhecimentos para a solução de desafios reais.
Talvez a principal competência necessária a qualquer pessoa na Economia da Aprendizagem seja a de aprender continuamente, ao longo de toda a vida. Essa não é uma meta simples de ser alcançada e, inicialmente, significa que estudantes precisam ser estimulados a desenvolver competências metacognitivas, fundamentais para aprendizagem autônoma e contínua.
O fortalecimento de competências dessa natureza requer que o estudante seja protagonista do processo de aprendizagem; esse é o melhor caminho para fortalecer habilidades como pensamento crítico e a resolução de problemas complexos. Aos profissionais, a especialização em áreas específicas é insuficiente, a capacidade de se adaptar continuamente a novos contextos e desafios é igualmente, senão mais, importante.
A inovação pedagógica na Economia da Aprendizagem se desloca da transmissão para a construção colaborativa do conhecimento e das competências. Portanto, a competência de “aprender a aprender” é essencial e a implementação de metodologias que privilegiam o esse objetivo constitui o terceiro pilar desta transformação institucional. O papel do professor, é claro, também muda. Docentes devem criar ambientes de aprendizagem onde os estudantes possam experimentar, refletir e construir conhecimento de forma colaborativa.
A integração destas três dimensões – orquestração de redes, desenvolvimento de capacidades adaptativas e inovação pedagógica – sinaliza o caminho a ser seguido pelas IES na Economia da Aprendizagem. Se faz necessário um firme compromisso institucional com a mudança, concretizado por meio de dotação orçamentária para o desenvolvimento de pessoas, além da infraestrutura.
As IES estão em ótima posição competitiva para aproveitar as oportunidades estratégicas trazidas à tona pela Economia da Aprendizagem. A seguir serão analisadas as formas pelas quais as instituições podem ampliar o impacto nos ecossistemas onde atuam.
Inicialmente, temos o desenvolvimento de novos modelos educacionais, um imperativo dadas as transformações que vêm ocorrendo na sociedade contemporânea. Aprendizagem híbrida e personalizada emergem como tendências importantes, integrando a experiência digital com a presencial e personalizando a jornada de aprendizagem de cada estudante. De forma complementar, mas intimamente associada, as certificações digitais se destacam por oferecer caminhos de formação flexíveis e alinhados às necessidades do mercado. Dada a ênfase na aprendizagem ao longo da vida, a requalificação, o sucesso recente das microcertificações não surpreende.
O fortalecimento das conexões com a indústria, com o mercado, é outra via de conquista de diferenciais competitivos pelas IES, por exemplo por meio de pesquisa aplicada e desenvolvimento colaborativo. Pesquisas conjuntas, realizadas no âmbito de mestrados e doutorados profissionais, por exemplo, aproximam a academia das necessidades do mercado. Projetos de inovação conjunta também ocupam posição importante, beneficiando tanto a academia quanto o setor produtivo.
Outro aspecto importante, que vem ganhando importância internacionalmente, diz respeito ao impacto social. Em todo o mundo IES vêm sendo chamadas a colaborar de forma mais intensa com comunidades locais e a ampliar o acesso. Faz parte deste enorme quebra-cabeças a capacidade de promover a inovação social, com iniciativas que promovem o empreendedorismo social e o desenvolvimento de soluções para desafios comunitários.
As oportunidades ao alcance das IES requerem uma abordagem sistemática e estruturada para a mudança. Esta seção oferece um roteiro para a jornada.
Comece com uma infraestrutura tecnológica adaptativa, que dá suporte a processos de aprendizagem dinâmicos e personalizados. Não deixe de atuar, no entanto, sobre o desenvolvimento docente, já que são os professores que promovem a mudança no contato diário com os estudantes. O tripé de sustentação do processo estará completo com a implementação de sistemas que possibilitem a efetiva gestão do conhecimento em nível institucional.
A inovação pedagógica também demanda uma abordagem sistemática. Como diz o empresário Dagoberto Trento, “[N]o ambiente de negócios, adotar uma estratégia de inovação estruturada e baseada em práticas disciplinares, com portfólio diversificado que traga resultados de curto, médio e longo prazo, é fundamental para qualquer organização que deseje se manter relevante por mais tempo em um mundo em constante e rápida mudança” (Trento, 2024).
Dessa forma, a experimentação pedagógica deve ser praticada como um processo institucional, com metodologias claras para teste e validação de novas abordagens educacionais. No entanto, isso não é o que vemos, raros são os professores que aplicam sistematicamente inovações em suas atividades, ou que se beneficiam de forma deliberada das contribuições da neurociência da aprendizagem, por exemplo. O impacto deve ser avaliado e práticas devem ser refinadas com base em evidências concretas de seus resultados.
A correta e disciplinada avaliação de impacto requer, é claro, o estabelecimento de métricas de aprendizagem apropriadas. Indicadores precisam incluir o desenvolvimento de competências fundamentais para a Economia da Aprendizagem. Competências como criatividade, pensamento crítico, comunicação, trabalho colaborativo, que definem de forma profunda o que é ser humano e que facilitam o trabalho na Economia 4.0, tema do artigo de novembro desta coluna.
Parece evidente que a condução desse processo requer uma liderança institucional comprometida com a mudança e capaz de articular uma visão clara do futuro desejado. Esta liderança deve ser capaz de mobilizar recursos, alinhar incentivos e criar um ambiente propício à inovação e ao aprendizado contínuo. Na teoria organizacional, essa liderança esclarecida e inspiradora recebe o nome de LIderança Transformacional (BASS & RIGIO, 2006).
Os efeitos da Liderança Transformacional em ambientes empresariais e acadêmicos já foram bastante estudados. Por exemplo, Sultana et al. (2024) concluíram que a Liderança Transformacional melhorou significativamente diversos aspectos do ambiente educacional, incluindo colaboração entre docentes e inovação pedagógica, com impactos positivos sobre o desempenho acadêmico e o engajamento discente. Este resultado já havia sido antecipado por Ajonbadi et. al (2023), que relatavam que a Liderança Transformacional, na academia, tem impactos positivos tanto sobre o ensino quanto sobre a aprendizagem, influenciando a motivação, o engajamento, o comprometimento e a satisfação pessoal das comunidades docente e discente. Estes mesmos aspectos foram estudados por Kou et. al (2024), que concluíram que o exercício da Liderança Transformacional inspira e motiva docentes a ir além de seus interesses individuais e exceder expectativas de desempenho.
Mas por que a Liderança Transformacional é tão adequada ao ambiente acadêmico? Penso que a razão foi sintetizada de forma brilhante por Peter Drucker (1993), que falava de que o engajamento é o fator principal para se conquistar a cooperação de um profissional do conhecimento. “Nada mais funciona”, dizia Drucker (p.83).
A Economia da Aprendizagem oferece grandes oportunidades para as instituições de ensino superior, mas não para qualquer IES. As mais bem sucedidas serão aquelas que conseguirem se posicionar como catalisadoras de redes de aprendizagem e que forem bem sucedidas em apoiar o desenvolvimento das capacidades adaptativas dos estudantes por meio de estratégias e métodos de aprendizagem inovadores.
A transição requer um compromisso institucional firme, uma liderança comprometida e uma abordagem estruturada, envolvendo tecnologia, desenvolvimento docente e práticas baseadas em evidências. Métricas de aprendizagem e desenvolvimento de competências fundamentais para o século 21, como criatividade, pensamento crítico e colaboração serão o termômetro do sucesso do processo.
É importante destacar também que este esforço não deve ser visto como um projeto com início, meio e fim, mas como um processo de evolução contínua. Não há linha de chegada, há a caminhada rumo a uma nova interação com a sociedade e com o mercado de trabalho. Esse é um outro motivo pelo qual a Liderança Transformacional serão tão mais importante para motivar os colaboradores, docentes e não-docentes: não há fim para o esforço de mudança e adaptação e isso pode ser cansativo, principalmente se não houver um senso de propósito que alimente o espírito das equipes.
Em todo o mundo, o sistema do ensino pós-secundário luta para manter sua relevância para a sociedade e para a economia. Atingir esse objetivo, acreditamos, passa forçosamente pela adaptação aos desafios da Economia da Aprendizagem. Desafios que trazem consigo grandes oportunidades para instituições visionárias, que realmente estiverem comprometidas com a construção de uma obra maior do que si mesmas.
Por: Alexandre Gracioso | 06/01/2025