Educação

Colunista

Daniel Sperb

Consultor em inovação e gestão universitária

Letramento digital é tarefa para a gestão universitária

A adoção de novas soluções se torna mais eficaz quando os dirigentes entendem como conectar a IA aos objetivos da IES

Letramento digital Números sinalizam tendências que repercutem fortemente no setor acadêmico (foto: Shutterstock)

A Inteligência Artificial (IA) já remodela processos empresariais e perfis profissionais, e esse movimento afeta diretamente as instituições de ensino superior. Segundo o relatório Future of Jobs 2025, do World Economic Forum (WEF), 86% das empresas esperam que a IA tenha um impacto fundamental em seus negócios até 2030, criando 11 milhões de empregos e eliminando outros 9 milhões, em uma troca dinâmica de funções. Nesse cenário, o letramento digital das lideranças universitárias se torna ainda mais decisivo do que o domínio do inglês. 

Embora esses números se refiram ao mercado corporativo, eles sinalizam tendências que repercutem fortemente no setor acadêmico, pois novas demandas de formação e oportunidades de atuação surgem a partir dessa transformação.

Tecnologias como IA e processamento de informações lideram esse movimento (apontadas por 86% das organizações), seguidas de robótica e automação (58%) e de avanços em energia e armazenamento (41%).

Em paralelo, cresce a necessidade de capacitar equipes, com 85% das empresas (e, por consequência, cada vez mais IES) investindo em desenvolvimento interno e buscando talentos especializados em IA, uma prioridade para 70% dessas organizações.

Ao mesmo tempo, tarefas repetitivas e habilidades manuais perdem relevância, reforçando a demanda por literacia tecnológica, big data, redes e cibersegurança, competências que devem ser integradas com urgência ao currículo e à gestão das IES.

 

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Esse movimento evidencia a importância do letramento digital das lideranças universitárias. Assim como ninguém vive plenamente um idioma confiando apenas em tradutores, também não é possível delegar inteiramente a compreensão de IA às equipes técnicas. Você aceitaria abrir mão do “vocabulário” que define o futuro da sua IES?

Esses profissionais podem até ser fluentes, mas dificilmente terão a mesma acurácia e visão sistêmica que um reitor, diretor ou coordenador ao entender não apenas as “árvores”, mas a “floresta” inteira.

Ferramentas no-code/low-code e sistemas de multiagentes tornam essa jornada mais acessível, redefinindo o nível de profundidade que um gestor acadêmico deve ter para não ficar refém de visões técnicas especialistas em detrimento de visões sistêmicas acerca do negócio.

Quando os próprios dirigentes entendem como conectar as capacidades da IA aos objetivos da IES, a adoção de novas soluções se torna mais eficaz e intencional. Essa união de conhecimento técnico mínimo com visão sistêmica protege a universidade de erros de implementação e maximiza o potencial de cada inovação.

 

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Essa “química da autonomia” é, na verdade, um alerta para que os líderes educacionais não tratem a IA como mais uma ferramenta a ser simplesmente delegada, e sim como uma competência fundamental para manter sua relevância.

Quando a liderança não assume para si o domínio do conhecimento, corre o risco de ficar refém de interpretações alheias, perdendo a capacidade de enxergar nuances e oportunidades que surgem à sua volta.

E se tudo isso já aponta uma profunda mudança, o horizonte mostra algo ainda mais disruptivo: o futuro será fluído e conversacional, não mais centrado em “apps para cada função”. Com uma única mensagem de texto ou um comando de voz no WhatsApp, Slack ou Teams, deveríamos conseguir executar praticamente qualquer ação acadêmica ou administrativa.

Nesse ambiente, os agentes conversacionais superam o modelo de aplicativos em custo, adoção, integração e personalização, abrindo caminhos para experiências verdadeiramente únicas e adaptáveis dentro do ecossistema universitário.

 

Desvendando a nova era da IA

No cenário em que a Inteligência Artificial redefine modelos de negócio e, por extensão, práticas de gestão universitária, compreender no-code/low-code e os multiagentes se torna essencial para entender por que essas abordagens ganharam tanto destaque.

As plataformas no-code ou low-code oferecem interfaces visuais e componentes de arrastar e soltar, permitindo a criação de aplicativos e fluxos de trabalho sem depender de programação tradicional.

Enquanto o no-code elimina totalmente a necessidade de escrever código, o low-code exige apenas alguns scripts pontuais, o que já reduz drasticamente a complexidade em comparação ao desenvolvimento convencional.

Esse modelo tem um impacto direto na rotina de líderes e gestores, pois diminui custos de criação, acelera o tempo de entrega e dispensa a dependência exclusiva de equipes técnicas. Estudos da Gartner sugerem que essas ferramentas, aliadas à IA generativa, podem cortar até 70% dos custos de programação, tornando a adoção rápida e intuitiva, inclusive no contexto das IES.

 

Revista Educação | Letramento digital: uso crítico dos meios digitais

 

Em paralelo, surge o conceito de multiagentes, que distribui a inteligência entre vários “bots” ou “agentes” especializados em funções específicas, como análise de dados, atendimento a alunos ou previsões de demanda por cursos e disciplinas. Esses agentes operam como um hub, integrando-se a diversos sistemas e bases de dados para fornecer respostas e tomar decisões de forma mais ágil.

Para entender como essa teoria se desdobra na prática, basta observar exemplos concretos em diversos setores. Empresas já estão implementando essas soluções para transformar processos e aprimorar resultados, e as IES têm muito a aprender com essas iniciativas.

A cada interação, os agentes aprendem novas preferências e comportamentos, personalizando a experiência do usuário e adaptando-se de maneira contínua. Essa lógica é treinável e flexível, dispensando a necessidade de códigos extensos e tornando as soluções altamente escaláveis e econômicas para o meio acadêmico.

 

Exemplos práticos de aplicação

A Lemonade, seguradora digital, identificou na automação de processos de sinistro e na venda de apólices um diferencial competitivo. A empresa automatiza 55% dos sinistros e vende 97% de suas apólices por meio de agentes de IA, reduzindo erros humanos e acelerando o atendimento. Ainda que seja um exemplo corporativo, a mesma lógica de automação e atendimento personalizado pode ser trazida para a gestão universitária, como em processos de matrícula, emissão de documentos ou suporte a alunos.

No Brasil, instituições financeiras como Itaú e C6 Bank aproveitam a popularidade do WhatsApp, que tem mais de 2 bilhões de usuários, para oferecer serviços de pagamento e atendimento. Em uma IES, isso significaria a possibilidade de o aluno resolver questões como pagamento de mensalidades, requisição de atestados ou matrícula em disciplinas sem sair do aplicativo de mensagens.

A startup Magie criou uma conta inteligente no WhatsApp, reduzindo a complexidade de operações financeiras ao eliminar a dependência de aplicativos tradicionais para boletos, transferências e consultas de saldo. Na educação, a mesma ideia pode ser aplicada para processos administrativos, como solicitação de documentos ou inscrições em eventos, tudo em um único canal de conversa.

Esses exemplos mostram que agentes conversacionais não são apenas mais uma tendência, mas um novo paradigma que está transformando a forma como diferentes setores, incluindo o acadêmico, operam e entregam valor.

Essa mudança, impulsionada pela IA, traz desafios como a necessidade de superar resistências internas e investir em capacitação, mas também apresenta oportunidades significativas para quem estiver pronto para se adaptar.

 

Considerações finais

Embora o potencial dessas tecnologias seja inegável, muitas IES ainda enfrentam desafios para adotá-las. Custos iniciais podem ser uma barreira, especialmente para aquelas sem infraestrutura tecnológica robusta. Além disso, a resistência cultural, seja por medo de substituição de funções humanas ou falta de letramento digital, pode retardar sua implementação.

Superar esses obstáculos exige líderes que assumam a frente da transformação, promovendo uma cultura de aprendizado e experimentação. Isso garante não apenas a relevância da instituição, mas também a do próprio gestor em um ambiente educacional em constante evolução.

A “química da autonomia” não é apenas sobre adotar tecnologias, mas sobre aplicá-las com propósito e estratégia. Líderes que equilibrem o entendimento técnico com a visão sistêmica estarão melhor preparados para navegar nas transformações que a IA traz e impulsionar suas IES rumo a um futuro mais eficiente e competitivo.

 

Por: Daniel Sperb | 23/01/2025


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