IES devem reforçar seu compromisso com a qualidade acadêmica e a formação integral dos estudantes
Todos conhecemos bem a tentação de tratar estudantes como clientes. Inicialmente o discurso é tímido e certamente tem boas intenções. Envolveria somente casos que não digam respeito à sala de aula, situações administrativas e de rotina de secretaria. Na sala de aula, no entanto, o professor continuaria a ser a autoridade máxima e a relação não seria de cliente.
Mas, como acontece tantas vezes, o discurso se dilui, a situação muda, a organização tem dúvidas sobre os limites de uma política que não deveria, mas que parece ser universal e o fato é que temos hoje, no Brasil e no mundo, uma clientelização do ensino superior. Neste artigo, coloco o que me parece ser um limite que deve ser observado: não devemos sacrificar o cerne de nossa oferta nesse processo, não devemos abrir mão da qualidade. E justamente esse é o maior risco do processo de clientelização.
Um dos problemas centrais dessa abordagem é a pressão sobre docentes para adotar práticas que agradem os “clientes”, como inflar notas ou reduzir o rigor acadêmico. Essa dinâmica pode resultar em uma formação deficiente, comprometendo a preparação dos estudantes para os desafios que encontrarão no mercado de trabalho. Wueste e Fishman (2010) argumentam que o modelo de cliente-fornecedor falha em capturar a natureza colaborativa e recíproca essencial para uma aprendizagem efetiva.
Pesquisas indicam uma relação inversa entre a visão do estudante como consumidor e seu desempenho acadêmico. Bunce et al. (2017) descobriram que quanto mais os estudantes se veem como consumidores, menor tende a ser seu desempenho acadêmico. Este declínio no desempenho é particularmente preocupante, pois afeta diretamente a qualidade da formação e a capacidade dos graduados de enfrentar os desafios do mercado de trabalho.
No contexto brasileiro, a expansão do sistema intensificou essa tendência. Sampaio (2014) destaca que muitas instituições adotaram estratégias de mercado agressivas, priorizando a captação e retenção de “clientes” em detrimento da qualidade acadêmica. Esta abordagem pode levar a uma simplificação excessiva do conteúdo e das avaliações, resultando em um declínio generalizado do desempenho acadêmico.
A busca pela satisfação do cliente-aluno pode levar a uma distorção dos objetivos educacionais. Scholl do Amaral et al. (2022) buscaram mensurar a satisfação dos estudantes utilizando modelos adaptados do setor de serviços. No entanto, essa abordagem pode não capturar adequadamente a qualidade da aprendizagem e o desempenho acadêmico real. Woodall et al. (2014) argumentam que a percepção de valor pelos estudantes é complexa e vai além da simples satisfação com serviços.
A clientelização também compromete a missão mais ampla das instituições de ensino superior. Naidoo e Williams (2015) argumentam que tratar a educação como mercadoria compromete funções essenciais da universidade, como a produção de conhecimento crítico e a formação para a cidadania. Na Espanha, Budd (2017) observou que os estudantes têm uma relação complexa com a ideia de serem consumidores de educação. Muitos reconhecem o valor da educação além do aspecto transacional, mas ainda assim esperam um “retorno sobre o investimento” em termos de empregabilidade e salários futuros. Esta dualidade reflete os desafios enfrentados pelas instituições ao tentar equilibrar expectativas dos estudantes com objetivos educacionais mais amplos.
Para mitigar os riscos da clientelização e o declínio do desempenho acadêmico instituições de ensino superior devem reforçar seu compromisso com a qualidade acadêmica e a formação integral dos estudantes. Isso implica resistir à pressão de tratar a educação meramente como um produto e os estudantes como consumidores passivos. Guilbault (2018) sugere que, em vez de rejeitar completamente a noção de estudante como cliente, as instituições devem redefinir o conceito para alinhar-se melhor com os objetivos educacionais.
A transformação do estudante em cliente representa um desafio para as instituições de ensino superior no Brasil e no mundo. As evidências apresentadas por pesquisadores como Bunce et al. (2017) e Wueste e Fishman (2010) demonstram que esta abordagem pode comprometer a qualidade da formação acadêmica e o desempenho dos estudantes.
Instituições que conseguem equilibrar excelência operacional com rigor acadêmico irão se destacar e ofertar experiências educacionais mais significativas. Este equilíbrio exige que as universidades e faculdades desenvolvam modelos próprios que valorizem tanto a satisfação quanto a aprendizagem alcançada pelos estudantes.
Na prática, isso implica reconhecer a natureza colaborativa do processo de aprendizagem. Como sugerido por Guilbault (2018), uma redefinição do conceito de “estudante como cliente” pode alinhar melhor as expectativas dos alunos com os objetivos educacionais mais amplos.
Voltando ao artigo anterior, instituições que mantêm seu foco na missão conseguem desenvolver diferenciais competitivos baseados em qualidade e não apenas em preço. Esta abordagem permite que o ensino superior cumpra seu papel na formação de profissionais preparados para os desafios do mercado de trabalho e cidadãos capazes de contribuir para a sociedade.
Por: Alexandre Gracioso | 11/03/2025