Prosperar em um ambiente competitivo demanda uma abordagem estratégica e centrada no estudante
No artigo anterior, intitulado Diferencial estratégico e saúde financeira da IES, discutimos como a intensa competição por preços no setor educacional brasileiro tem levado muitas instituições de ensino superior a uma perigosa redução de suas margens financeiras, comprometendo sua sustentabilidade a longo prazo. Diante desse cenário, é importante entender com clareza o que constitui um diferencial competitivo e, mais importante, como as IES podem desenvolver e implementar estratégias eficazes para se destacarem em um mercado cada vez mais desafiador. Este segundo artigo tem como objetivo explorar esses aspectos, fornecendo insights e orientações práticas para que as instituições possam não apenas sobreviver, mas prosperar em um ambiente competitivo.
De forma simplificada, um diferencial competitivo é aquilo que distingue a sua instituição em relação às demais IES que competem pelo mesmo nicho de mercado que você (Sebrae, 2023). O site do Sebrae sugere que, para descobrir seu diferencial competitivo, é fundamental:
Para o Sebrae, um diferencial competitivo tem algumas características importantes:
Figura 1: Características que definem um diferencial competitivo efetivo
Essas características vão muito além de simplesmente identificar alguns aspectos que, a nosso ver, nos diferenciam da concorrência. Por exemplo, eu posso acreditar que inserir cursos de línguas na matriz dos programas me diferenciam de minha concorrência – e talvez até diferenciem mesmo, no sentido de ser único, pois meus concorrentes não possuem essa oferta, mas, se os estudantes não perceberem valor nessa oferta, esse diferencial não é efetivo.
As reflexões desta seção estão fortemente embasadas em materiais publicados pelo Instituto Semesp e pela Workalove Edtech (ver referências Instituto Semesp e Workalove), que vêm publicando interessantes materiais sobre a opinião dos estudantes sobre o ensino superior.
Foram utilizadas três pesquisas publicadas entre 2023 e 2024 que, em seu conjunto, fornecem uma visão ampla sobre as motivações dos estudantes para entrar no ensino superior e como IES podem melhor se organizar para prestar o melhor serviço.
O que emerge das pesquisas analisadas é que as motivações para entrar no ensino superior são multifacetadas e vão da realização de sonhos à construção de uma rede de relacionamentos efetiva para apoio no mercado de trabalho.
É interessante que, embora a trabalhabilidade seja um objetivo comum à grande maioria dos respondentes, a realização de sonhos pessoais e a busca por um propósito de vida são também razões muito importantes para iniciar um curso superior. Muitos estudantes veem a graduação como um meio de alcançar seus objetivos, tanto pessoais quanto profissionais, e construir uma vida com significado. O ensino superior é percebido como um caminho para explorar seus interesses, paixões e vocações, e se tornar quem eles sempre sonharam ser
Dito isso, ascensão social, melhoria de qualidade de vida, aumento de salário são preocupações constantes e naturais de um público que vem envelhecendo e que é composto cada vez mais por pessoas acima de 25 anos, muitas vezes já com famílias constituídas.
Nesse sentido, alguns estudantes enxergam, no ensino superior, uma oportunidade para mudar de área ou fazer uma transição de carreira. Eles buscam adquirir novas habilidades e conhecimentos em um campo diferente do que atuam, o que pode levar a uma maior realização pessoal e profissional. Essa motivação é comum entre aqueles que desejam seguir uma nova paixão ou encontrar um trabalho mais alinhado com seus valores e interesses.
Diante dessas expectativas, é natural que processos ligados à trabalhabilidade e carreira despontem como importantes opções para diferenciação. As pesquisas consultadas mostram que 70% dos respondentes reconhecem que suas IESs têm núcleos de carreira. Dessa forma, simplesmente oferecer o serviço básico de apoio à carreira do estudante é pouco para constituir um diferencial. Serviços adicionais podem incluir a oferta de testes de carreira, portal de carreira da instituição, apoio na montagem de currículos e preparação para entrevistas de emprego, chegando mesmo ao desenvolvimento de planos individualizados de carreira. No seu conjunto, serviços como estes ofereceriam à IES diferenciais concretos.
Ainda na esfera do trabalho, outro ponto muito valorizado pelos estudantes são as parcerias com empresas. A grande maioria (92%) considera essencial que a faculdade realize parcerias com empresas empregadoras para ajudar na conquista de um emprego na área. Não só isso, as IESs devem buscar ativamente essas parcerias para aumentar a empregabilidade dos seus alunos. Ou seja, os estudantes têm a expectativa que faculdade de sua escolha faça uma gestão ativa dos contatos com empresas, um verdadeiro CRM voltado para a captação de vagas de trabalho no mercado.
Outra possibilidade que emerge das pesquisas é a oferta de currículos flexíveis que permita aos estudantes percorrer trilhas de aprendizagem mais alinhadas com o mercado e com as suas necessidades individuais. Muitas universidades e faculdades dizem que oferecem essa flexibilidade quando, na prática, o que se vê ainda são cursos engessados, com pouca abertura para a escolha do estudante. Tenho visto até mesmo algumas escolas retrocedendo na flexibilidade por julgar muito complicado operacionalizar essa estratégia no sistema acadêmico. Não é simples mesmo e justamente por isso é um diferencial tão valorizado: poucas escolas oferecem de fato.
Alinhada à flexibilidade de escolha está a oferta de microcertificações que podem ser conquistadas ao longo do programa, muitas vezes com o apoio de fornecedores externos de certificações digitais. A maioria dos estudantes (67,4%) considera ideal que a faculdade possibilite sua formação por microcertificações. Em outras palavras, existe um campo aberto para a oferta de microcertificações que permitam aos alunos desenvolver habilidades específicas e relevantes para o mercado de trabalho.
Até aqui, foram citados aspectos principalmente acadêmicos e de formação, mas é claro que a infraestrutura de uma IES também é valorizada pelo estudante. No entanto, o que as pesquisas mostram é que os estudantes desejam uma infraestrutura que esteja, de fato, a serviço da aprendizagem e eles sabem diferenciar muito bem a infraestrutura que é somente fachada da infraestrutura que é útil para o desenvolvimento de suas habilidades. Escolas que investem em infraestrutura de fachada, muitas vezes atendendo a desejos individuais de suas lideranças, estão simplesmente jogando dinheiro fora. A mensagem, neste ponto, é clara: entenda com os docentes o que é necessário para melhorar a qualidade da aprendizagem e priorize investimento nessas áreas.
Finalmente, IES podem inovar na oferta de melhor atendimento e suporte aos estudantes. Por exemplo, uma necessidade emergente é o apoio a quem tenha necessidades especiais educacionais específicas; muito poucas instituições oferecem um serviço de qualidade para estudantes neurodiversos e, no entanto, a presença desses estudantes vêm aumentando como a já alertava, em 2019, a Ensino Superior.
Estudos mostram que entre 15% e 20% de uma população tenha algum tipo de neurodiversidade, incluindo-se aí o TDAH, a dislexia, a discalculia, o TEA, entre outras condições. Esses estudantes têm maior dificuldade de seguir com os estudos e, por isso, apresentam maior propensão à evasão (Garcia, 2022). Agora, imagine o potencial de receita adicional que uma IES teria ao reduzir a evasão desse público para níveis normais da instituição. Ou até para níveis abaixo do restante dos estudantes, pois este público não iria trocar de instituição justamente por se sentir melhor atendido. Isso é um diferencial competitivo efetivo.
As IES precisam ir além de simplesmente identificar aspectos que as diferenciam da concorrência e focar em criar valor real para os estudantes, tendo como guia maior as necessidades e expectativas desses estudantes.
As pesquisas mostram que as motivações dos estudantes para ingressar no ensino superior são multifacetadas, englobando desde a realização de sonhos pessoais até a busca por melhores oportunidades de carreira e crescimento profissional. Para atender a essas demandas, IESs devem investir em processos robustos de apoio à carreira, parcerias estratégicas com empresas empregadoras, currículos flexíveis e oferta de microcertificações.
Além disso, a infraestrutura das IES deve estar a serviço da aprendizagem, priorizando investimentos que realmente impactem na qualidade do ensino. O atendimento e suporte aos estudantes também se apresentam como oportunidades de diferenciação, com destaque para o apoio a estudantes neurodiversos, que enfrentam maiores desafios e riscos de evasão.
Em suma, prosperar em um ambiente competitivo demanda uma abordagem estratégica e centrada no estudante, desenvolvendo diferenciais que gerem valor, sejam difíceis de copiar, lucrativos e escaláveis. Somente assim poderão se destacar e garantir sua sustentabilidade a longo prazo, formando profissionais preparados para os desafios do mercado e contribuindo para o desenvolvimento da sociedade como um todo.
Por: Alexandre Gracioso | 17/02/2025