Revista Ensino Superior | Os desafios da construção da identidade

Educação

Colunista

Josiane Tonelotto

Superintendente acadêmica do Centro Universitário Belas Artes

Os desafios de descobrir quem somos e o que queremos

A juventude enfrenta uma pressão implacável para definir rapidamente sua trajetória, alcançar sucesso e corresponder às expectativas externas

Identidade Sendo o senso de identidade bem construído e estruturado, maiores as chances de que a autoestima, resiliência e capacidade de enfrentar desafios se estabeleçam de forma positiva (foto: Shutterstock)

Finalmente os estudantes estão de volta. Entre rostos novos e já conhecidos, observo com alegria a grande movimentação aqui na escola. Como qualquer outra instituição de educação superior, a Belas Artes só tem vida quando os estudantes estão por aqui, ocupando cada espaço. Em meio a tantas “carinhas” tão jovens e tantas emoções diferentes, me pergunto: será que eles sabem o que vieram fazer aqui? Será que conseguiremos atendê-los? A esta altura, muitos têm 17 anos ou menos, já sabem quem de fato são? E será que sabem por que escolheram o que querem fazer da vida?

Penso que não se trata de uma tarefa fácil, mesmo para boa parte dos adultos. Afinal, a construção da identidade pode ser considerada uma tarefa chave do desenvolvimento humano, e um desafio ampliado para adolescência e início da vida adulta. Trata-se de um processo contínuo de exploração e integração de experiências, crenças e emoções. Esse período, marcado por mudanças biológicas, cognitivas e psicossociais significativas, é definitivo e influencia diretamente o nosso bem-estar. A noção de identidade foi amplamente estudada pelo psicólogo Erik Erikson, que pontuou que é nesse período que se buscam respostas para questões como “quem sou eu?” e “qual é meu lugar no mundo?”. Essa busca ocorre em um contexto de intensa experimentação, tanto em termos de papéis sociais quanto de valores e objetivos de vida.

Saber quem somos e o que queremos já é desafiador por si só. Pressões acadêmicas, familiares e sociais tornam a questão ainda mais complexa e se somam a todas dúvidas que carregamos ao longo da adolescência e início da vida adulta. A maneira como cada um de nós enfrenta ou enfrentou essas demandas torna o processo de formação da identidade não apenas um tema filosófico, mas também uma questão de bem-estar psicológico.

 

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A sociedade em que vivemos exerce uma influência poderosa sobre a construção da identidade. Os jovens de hoje enfrentam uma pressão implacável para definir rapidamente sua trajetória, alcançar sucesso e corresponder às expectativas externas. Além disso, as redes sociais, por exemplo, criam um ambiente no qual a comparação é constante.  Isso pode afetar diretamente a forma como os indivíduos percebem a si mesmos, gerando sentimentos de inadequação e alimentando transtornos como ansiedade e depressão.

Outro ponto crucial é a orientação sexual, identidade de gênero e pertencimento cultural, que, sem dúvidas, adicionam novas camadas de complexidade a este processo. Jovens que não se encaixam nos padrões socialmente aceitos frequentemente enfrentam estigma, o que pode agravar o sofrimento psíquico e aumentar o risco de isolamento. E muitas vezes por não se conhecerem demoram mais para lidar com essas questões.

Um ponto importante para nossa reflexão é que a identidade não se forma apenas a partir de influências externas, vindas dos diversos grupos sociais. O próprio desenvolvimento do cérebro desempenha um papel fundamental nesse processo. Nosso cérebro, durante a adolescência e o início da vida adulta, passa por transformações significativas que afetam a forma como os jovens tomam decisões, processam emoções e constroem sua percepção de si mesmos. Pesquisas têm demonstrado que o cérebro humano continua seu processo de desenvolvimento até pelo menos os 25 anos, com mudanças importantes nas conexões neurais e na maturação de áreas responsáveis pelo controle emocional e pelo pensamento abstrato. O córtex pré-frontal – área associada ao planejamento, tomada de decisões e regulação emocional – ainda está em desenvolvimento na adolescência. Isso significa que os jovens muitas vezes tomam decisões baseadas mais na emoção do que na razão, o que pode influenciar suas escolhas identitárias.

 

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A forma como um jovem constrói sua identidade pode se constituir tanto como um fator de proteção, quanto um elemento de vulnerabilidade. Sendo o senso de identidade bem construído e estruturado, maiores as chances de que a autoestima, resiliência e capacidade de enfrentar desafios se estabeleçam de forma positiva. 

Bem, se a maioria dos estudantes que recebemos tem menos que 18 anos, é verdade que passarão anos em nossas universidades ainda enfrentando os desafios da formação da identidade. Como gestores, não sei se estamos acostumados a pensar nisso e na responsabilidade que isso impõe. Esse período de vida é crítico para o desenvolvimento de condições como depressão, ansiedade e transtornos alimentares, muitas vezes exacerbados por incertezas identitárias. Precisamos ser apoio nessa fase e, além disso, exercer influências positivas, capazes de minimizar possíveis dificuldades psicológicas que possam surgir. Vale a pena pensar e agir sobre isso. Afinal, quem somos nós? Para que existimos? E como podemos ajudar nossos alunos a lidar com essas questões?

 

Por: Josiane Tonelotto | 13/02/2025


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