A ampliação do acesso continua a ser necessária em um país onde o ensino superior presencial chegou a apenas 20% dos municípios
Durante o 30° CIAED, que foi realizado entre 4 e 10 de maio de 2025, deveria ter sido divulgado o novo marco temporal do ensino a distância, que vem sendo adiado pelo MEC repetidamente desde o final de 2024. Aliás, tamanha era a ansiedade sobre a antecipação pelo novo marco que o evento começou com um debate, do qual participaram representantes de alguns dos maiores grupos do ensino superior brasileiro, sobre o que se pode esperar da nova legislação.
As palavras que mais foram repetidas durantes as falas foram qualidade, permanência, escala, inclusão e sustentabilidade. Verdade seja dita, tenho dúvidas sobre até que ponto esses objetivos podem todos ser atingidos simultaneamente, ou se são, ao menos em parte, conflitantes.
Não obstante as dificuldades em se oferecer qualidade a preços cada vez mais baixos, tão baixos que parece que o setor do EAD passa por uma guerra de preços, a democratização do ensino superior, incluindo-se a possibilidade de levar o acesso a universidade a cidades onde o ensino presencial não está.
A ampliação do acesso continua a ser necessária em um país onde o ensino superior presencial chegou a apenas 20% dos municípios, 41% possuem apenas o ensino a distância como opção e outros 40% não possuem nem polo de EAD como opção local.
Presença do ensino superior em municípios brasileiros (100% = 5570 municípios)
Nesse debate inicial, um dos participantes afirmou o receio de que o novo marco sacrifique a modalidade EAD em função de uma visão enviesada do legislador. Me parece que esse alerta merece atenção. E a pergunta que coloco é: a quem interessaria esse sacrifício da modalidade. Penso que um possível ponto de partida para responder a essa questão seja compreender os números dos sistema.
Ingressantes e matriculados no Ensino Superior Brasileiro (Censo de 2023)
Dados |
Pública |
Privada |
Total |
Ingressantes Presencial |
481.578 (28,7%) |
1.198.012 (71,3%) |
1.679.590 (33,6%) |
Ingressantes EAD |
87.511 (2,6%) |
3.226.891 (97,4%) |
3.314.402 (66,4%) |
Total Ingressantes |
569.089 (11,4%) |
4.424.903 (88,6%) |
4.993.992 (100%) |
Matriculados Presencial |
1.857.992 (36,7%) |
3.205.509 (63,3%) |
5.063.501 (50,8%) |
Matriculados EAD |
149.989 (3,1%) |
4.763.292 (96,9%) |
4.913.281 (49,2%) |
Total Matriculados |
2.007.981 (20,1%) |
7.968.801 (79,9%) |
9.976.782 (100%) |
O EAD é um espaço ocupado essencialmente pelo ensino particular. O setor público não se atualizou e não criou uma oferta EAD digna de nota. Portanto, estaria aí, no domínio do EAD pelo sistema privado a principal razão do olhar inconformado do Ministério sobre a modalidade? Um artigo recentemente publicado no Le Monde Diplomatique Brasil destaca essa dominância do setor privado como um dos problemas do EAD no Brasil (1). O autor fala de questões de qualidade e outras, mas o que realmente parece deixá-lo infeliz é o fato de que os grupos privados são lucrativos.
Claro que o argumento da qualidade aparece no artigo, mas em uma análise mais detalhada, os resultados dos cursos EAD no ENADE não são muito diferentes dos conquistados pelos cursos presenciais. No CIAED, nosso colega Alexandre Nicolini falou sobre mudanças no ENADE e apresentou uma radiografia dos resultados nacionais dos cursos de pedagogia. Embora os dados deixem claro que o resultado dos cursos EAD foi inferior ao dos cursos presenciais, a diferença não é tão grande a ponto de justificar a condenação pública que os cursos a distância vêm sofrendo.
Comparativo entre os resultados obtidos pelos cursos de pedagogia no Enade de 2021
Tipo de Indicador |
Indicador |
Presencial |
EAD |
Estrutura e Participação |
Municípios |
672 |
190 |
Instituições |
810 |
193 |
|
Cursos |
1,083 |
195 |
|
Inscritos |
48.764 |
146.373 |
|
Participantes |
39.982 |
108.335 |
|
Inscritos por curso |
45 |
751 |
|
Participantes por curso |
37 |
556 |
|
% de abstenção |
18% |
26% |
|
Notas |
Nota Geral |
40,30 |
34,88 |
Formação Geral (FG) |
31,80 |
27,96 |
|
Componente Específico (CE) |
43,12 |
37,17 |
Fonte: Nicolini, A. Apresentação no 30o CIAED, realizada em 7 de maio de 2025
No geral, os cursos presenciais tiveram um resultado 5,5 pontos percentuais mais elevado do que os à distância. Na formação geral, essa diferença foi de três pontos percentuais e no componente específico foi de seis pontos percentuais. Em sua fala, Nicolini foi muito cuidadoso ao ressaltar que os dados demonstram sim que os presenciais têm resultados melhores, mas, continuou ele, não tão melhores. Não tão melhores, me parece, a ponto de justificar tanta gritaria sobre o assunto. Aliás, o que essa tabela deixa absolutamente claro é que os formandos de ambas as modalidades têm resultado sofrível. Por que, então, singularizar o EAD? A quem interessa todo esse barulho?
Outra coisa que chama a atenção na tabela é a enorme diferença em volume entre os cursos presenciais e os cursos EAD. É notável que o resultado dos cursos EAD seja relativamente próximo ao dos presenciais apesar de o número dos presentes dos cursos EAD ser 15 vezes maior do que o dos cursos presenciais. A variância nos resultados aumenta sensivelmente em função do número de respondentes e, com 556 respondentes por curso, os programas a distância têm uma dificuldade muito maior de obter bons resultados, unicamente devido à variância mais elevada, do que os presenciais, com somente 37 respondentes por curso.
Concluindo, tudo o que ouvimos até o momento é o que o novo marco regulatório trará medidas que tornarão a oferta de cursos a distância mais difícil e que elas seriam justificadas por uma pretensa preocupação com a qualidade. Não sei, pode ser, mas não estou convencido. Os números não demonstram inequivocamente que precisamos de medidas drásticas para melhorar a qualidade do EAD. Como disse uma das debatedoras, todos nós, educadores, estamos aqui para transformar o país por meio da educação. Esse compromisso me parece muito mais significativo do que regulações mais impositivas.
(1) https://diplomatique.org.br/se-e-ruim-para-o-setor-privado-e-excelente-para-a-educacao-brasileira/
Por: Alexandre Gracioso | 15/05/2025