O papel das instituições de ensino na promoção da saúde mental e da educação ao ar livre
Incorporar práticas como esportes náuticos, natação, surfe ou simples caminhadas à beira-mar potencializa o aprendizado por meio da atividade física, team building e contemplação (foto: Shutterstock)
Por Ana Vitória Magalhães*
Você já parou para se perguntar por que, quando estamos diante do mar, sentimos a mente se acalmar tanto?
Essa sensação, tão comum e ao mesmo tempo difícil de descrever, foi retratada inúmeras vezes na literatura e hoje é objeto de estudo da ciência. O motivo? A saúde mental está intimamente conectada ao oceano.
Basta observar: é chegar um feriado e o volume de pessoas se deslocando para o litoral quadruplica. As notícias exibem imagens de longas filas, onde motoristas e passageiros, vindos de diversas partes do Brasil, lotam as estradas. Todos com um único desejo: caminhar na areia, sentir a maresia e relaxar a mente. O movimento é uma busca por equilíbrio e descanso e, como argumentam especialistas, estar perto da natureza é uma necessidade fisiológica e cognitiva.
Nas últimas décadas, um conceito chamado “Blue Health” (saúde azul) passou a se tornar conhecido. Neurocientistas, psicólogos e educadores vêm se debruçando sobre os benefícios de estar próximo a mares, rios e lagos. Os impactos dessa proximidade mostram-se positivos para a saúde mental e emocional.
O biólogo marinho Wallace J. Nichols, autor de Blue Mind, estudou por anos esse estado de calma e clareza que sentimos junto ao mar. Em sua visão, o contato com a água reduz o ritmo cardíaco, estimula o pensamento reflexivo e o estado de contemplação, essenciais para gerar boas ideias ou resolver problemas.
Esse campo do conhecimento nos leva a fazer um importante questionamento: será que projetamos os nossos espaços de ensino da maneira correta?
Nosso mundo está cada vez mais conectado. Paradoxalmente, a nossa conexão com a natureza diminuiu. O excesso de telas e estímulos digitais tem custado caro à saúde mental e até à empatia ambiental. O chamado Transtorno do Déficit de Natureza, já identificado por diversos estudiosos, mostra que jovens afastados da natureza possuem maior tendência a quadros de ansiedade, fadiga mental, estresse crônico e falta de atenção.
Nesse contexto, pensar em educação ao ar livre deixa de ser um luxo. Passa a ser uma estratégia de saúde pública e de inovação pedagógica.
Em países escandinavos como Dinamarca, Suécia e Noruega, o contato com a natureza está presente no cotidiano escolar desde os anos 1950, com as chamadas “Escolas de Floresta”, que focam no desenvolvimento integral da criança por meio de brincadeiras ao ar livre. Esse modelo reforça a curiosidade infantil e estimula a autonomia, a cooperação e o questionamento científico.
Tais práticas são benéficas para crianças em fase de desenvolvimento, mas não restringem universidades e outras instituições de ensino de fazer o mesmo, possibilitando aulas interdisciplinares ministradas ao ar livre, conectando saúde mental, sustentabilidade e inovação social.
O Brasil é pioneiro ao incluir a cultura oceânica no currículo escolar básico por meio do Currículo Azul, uma iniciativa internacional reconhecida pelas Nações Unidas. Mas é preciso dar um passo além: levar esse conceito também para o ensino superior.
As universidades podem ser protagonistas na integração do oceano aos seus cursos, sejam eles de comunicação, nutrição, pedagogia ou engenharia. Alunos de relações internacionais, por exemplo, podem compreender o potencial da Amazônia Azul ao visitar projetos de conservação de corais, enquanto estudantes de finanças podem se aprofundar nos chamados “Blue Bonds”, instrumentos emitidos por governos, bancos de desenvolvimento e empresas para financiar projetos marinhos e oceânicos.
Todos podemos aprender com o oceano e também elevar a qualidade do ensino junto dele. Atividades ao ar livre, aulas conduzidas próximas a áreas de conservação e visitas de campo podem gerar benefícios diretos à saúde mental de estudantes e docentes, fortalecendo não apenas o aprendizado, mas também o senso de pertencimento, propósito e equilíbrio emocional.
Além disso, incorporar práticas como esportes náuticos, natação, surfe ou simples caminhadas à beira-mar potencializa o aprendizado por meio da atividade física, team building e contemplação. São formas de fortalecer o corpo e a mente. Além disso, essas experiências favorecem formações colaborativas e estimulam a resolução de problemas e o pensamento crítico, exatamente as competências que o século 21 exige.
O oceano está adoecendo. Poluição, sobrepesca e acidificação são alguns dos desafios que comprometem o seu equilíbrio, e também o nosso. Proteger o oceano é, portanto, proteger as bases da aprendizagem e do bem-estar humano.
As universidades têm um papel estratégico nesse processo: formar gerações capazes de compreender que a saúde planetária e a saúde mental são inseparáveis.
Pensar nas Universidades Azuis é entender que as instituições de ensino possuem um papel ativo nesse processo de cidadania. Ambientes universitários que inspiram o contato com o ar livre, o mar e os ecossistemas locais transformam teoria em ação e formam profissionais mais preparados para o mercado de trabalho atual.
Cuidar do oceano é cuidar de nós mesmos. E talvez, se as instituições de ensino passassem a trazer o oceano de forma integral nos seus planos educacionais, não precisaríamos esperar o próximo feriado para ter contato com a natureza. Isso significaria menos tempo parados no trânsito e mais tempo em movimento com a vida.

*Ana Vitória Magalhães é consultora internacional e especialista em cultura oceânica, com trajetória marcada por atuações na ONU, Unesco e Comissão Europeia. Integrou a equipe responsável pela criação do programa global Escola Azul.
Por: Cultura Oceânica | 03/11/2025