Quando as universidades se conectam às mudanças do clima, soluções inovadoras surgem em todas as áreas do conhecimento
"São nas universidades que também nascem tecnologias sustentáveis, parcerias multidisciplinares ou profissionais que projetam infraestruturas resilientes para o futuro" (foto: Shutterstock)
Por Ana Vitória Magalhães*
Nas últimas semanas, todos os olhos se voltaram para a Amazônia. Belém se transformou no centro do mundo ao sediar a COP30, a conferência do clima que reuniu chefes de Estado, cientistas, empresários e lideranças tradicionais sob o calor úmido da floresta Amazônica. A escolha do local já dizia muito: era um lembrete de como o aumento da temperatura do planeta pesa de forma desigual sobre as populações do Sul Global.
Nesse cenário em que até o dress code dos altos escalões precisou se render ao clima da floresta, com ternos e gravatas dispensados, outra mudança teve espaço. Pela primeira vez na história das COPs, deixou-se de falar apenas em combate às mudanças climáticas e passou a se enfatizar a adaptação. Não é apenas uma mudança semântica: o mundo já ultrapassou limites críticos do clima, e os impactos se intensificam rapidamente.
Essa transição revela uma pergunta: como o ensino superior pode ser um aliado da adaptação climática?
A relação entre clima e educação é profunda e vai muito além da temperatura que as salas de aulas podem atingir sem um ar condicionado. Um relatório do Banco Mundial publicado em 2024, mostra que sistemas educacionais estão entre os setores mais vulneráveis às mudanças climáticas.
Ondas de calor extremo, enchentes, ciclones e secas interrompem aulas, danificam escolas e aumentam a evasão escolar. No Malawi, por exemplo, 42% das escolas primárias fecharam durante a seca de 2015; nas Filipinas, ciclones destruíram mais de 20 mil estabelecimentos de ensino em poucos anos. O Brasil também sente esses impactos. Dias antes da COP30, o Paraná foi atingido por um tornado de ventos superiores a 300 km/h, destruindo escolas e paralisando o transporte.
A crise climática não afeta apenas a infraestrutura, mas também a saúde física e mental. A incidência crescente de doenças tropicais, como a dengue, malária, zika, leishmaniose, já exige profissionais de saúde com novas competências. E o impacto emocional ligado às mudanças climáticas também aumenta.
Além de mais jovens com níveis críticos de “ecoansiedade” – o medo crônico dos desastres ambientais –, também temos pessoas que perdem famílias, são realojadas devido a deslizamentos e eventos extremos, o que faz com que a educação muitas vezes fique em segundo plano. Um estudo global da Universidade de Bath em cooperação com a Climate Psychiatry Alliance , feito em 2021 com 10 mil jovens de 10 países diferentes, revelou que 59% se sentem muito ou extremamente preocupados com o futuro climático, um dado que atravessa diretamente como formamos psicólogos, pedagogos e como desenvolvemos políticas estudantis.
As universidades ocupam um lugar paradoxal: são vulneráveis aos efeitos climáticos, mas também são centros vitais de solução, pesquisa e inovação. São nelas que se formam os cientistas que dão credibilidade para relatórios como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que depois alimentam a própria COP. E são nas universidades que também nascem tecnologias sustentáveis, parcerias multidisciplinares ou profissionais que projetam infraestruturas resilientes para o futuro. Aqui podemos incluir os futuros profissionais da saúde novamente, são eles que enfrentarão epidemias agravadas pelo aquecimento; ou até mesmo os sociólogos que estudam como os movimentos estudantis podem exercer pressão suficiente nos governos para uma ação climática efetiva.
Existem muitas áreas nas quais as universidades funcionam como centros de solução. Além de tudo, são espaços de metapensamento, que é a capacidade de “pensar sobre o pensamento”. Nestes laboratórios vivos, uma espécie de “Escola de Alexandria”, revisamos conceitos, questionamos métodos, desenvolvemos inovações. Num planeta em rápida transformação, a educação precisa refletir sobre o seu próprio papel e aprender sobre si mesma para ser capaz de ensinar ao novo mundo que virá.
E este mundo, segundo a ciência, será mais quente.
Dias antes da COP, António Guterres, o Secretário-Geral da ONU foi direto: o mundo não conseguirá mais cumprir a meta de limitar o aquecimento a 1,5 °C. A mensagem escancarou que a crise climática exige esforços muito maiores do que os que temos mobilizado até agora. É justamente por isso que a participação das universidades se torna inadiável: sem pesquisa e formação qualificada, simplesmente não há resposta capaz de acompanhar a velocidade da emergência climática.
Existem refrescos. Diversas universidades ao redor do mundo já tem feito este percurso e cocriado soluções com as suas cidades. Em Pune, na Índia, pesquisadores criaram uma app para mapear árvores, sombra urbana e rotas de conforto térmico. Os dados coletados pelos próprios cidadãos orientam planos urbanos e ciclovias mais frescas, o que fortalece o planejamento urbano adaptado ao calor.
No Quênia, a Universidade de Nairobi criou um programa de psicologia comunitária voltado para fortalecer a resiliência emocional diante de eventos climáticos extremos. O centro funciona simultaneamente como espaço de acolhimento para apoiar comunidades traumatizadas por eventos extremos, perdas de moradia e outros problemas agravados pela crise climática.
Em Nova York, a Cornell University criou um “digital twin”, um tipo de maquete hiper realista digital da cidade, para poder simular enchentes, calor extremo e mobilidade, auxiliando bombeiros e hospitais na adaptação climática e desenvolvimento de planos efetivos de emergência, baseados em dados.
Este cenário em transformação demonstra que, quando as universidades se conectam às mudanças do clima, soluções inovadoras surgem em todas as áreas do conhecimento. A crise climática, aliás, já redefine o que entendemos por profissão. O meteorologista deixou de ser associado apenas ao personagem da televisão que anuncia o tempo da semana. Hoje, sua função é reconhecida como mais nobre pela sociedade, é o profissional capaz de prever fenômenos atmosféricos e alertar comunidades em tempo recorde sobre furacões, tempestades e eventos climáticos críticos.
Profissões que antes pareciam inusitadas, como especialista em resgatar recifes de coral, especialista em ESG, ou conselheiro em sustentabilidade, são exemplos que passaram a fazer parte da lista de desejos da Geração Z, que busca atuar diretamente na preservação ambiental e impacto social.
Novos campos surgem também na economia azul: empreendedores do oceano, desenvolvedores de turismo marítimo, cientistas da biotecnologia marinha, inovadores da economia circular e coordenadores de projetos internacionais de sustentabilidade tornaram-se carreiras mais e mais cobiçadas.
Na saúde, cresce a demanda por competências em epidemiologia, biotecnologia e medicina preventiva. No direito, ganham força os debates sobre direitos humanos, justiça climática e marcos regulatórios que orientam metas de neutralidade. A engenharia investe em novas fontes de energia limpa, incluindo desenvolvimento de usinas eólicas em alto-mar, enquanto especialistas em segurança e saúde no trabalho passam a integrar estratégias de prevenção de riscos e bem-estar organizacional, com foco nos desafios impostos por um clima em transformação.
Todos os setores, sem exceção, vão ser transformados. Mas, na prática, hoje, essa transformação ainda depende do esforço individual: estudantes que, movidos por interesse próprio ou senso de urgência climática, buscam por conta própria disciplinas dispersas, cursos paralelos, intercâmbios, mentorias informais ou experiências extracurriculares para preencher lacunas que as formações, muitas vezes, não contemplam. É um processo desigual, cansativo e, muitas vezes, inacessível para muitos.
A formação para as mudanças climáticas não deveria ser exceção movida pela curiosidade de alguns, mas sim a regra que orienta a educação superior no século 21.
Uma das tendências mais marcantes das últimas COPs tem sido a ampliação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) voltadas para a educação. As NDCs são basicamente os compromissos que cada país assume no âmbito do Acordo de Paris (do Clima) para reduzir emissões de gases de efeito estufa e se adaptar às mudanças climáticas. Cada vez mais, os países reconhecem que não há adaptação climática sem uma educação climática estruturada e estratégica.
O Reino Unido, por exemplo, cita a educação 31 vezes na sua NDC. A União Europeia inclui educação como eixo estratégico. Samoa incorpora juventude e educação como pilares de ação na sua NDC. O Camboja vincula sua NDC a escolas sustentáveis e formação docente. O Brasil também levou compromissos educacionais robustos a COP, incluindo resultados da Conferência Infantojuvenil pelo Meio Ambiente.
Segundo a UNICEF, nove em cada dez países que enviaram suas NDCs incluíram compromissos relacionados aos direitos de crianças e jovens. Isso evidencia que a educação vem conquistando, aos poucos, mais espaço no debate climático. No entanto, para ser realmente eficaz, ela precisa ir além da infância, envolvendo toda a sociedade, e nesse processo, o ensino superior desempenha um papel central.
Assim como Belém, na Amazônia, se tornou símbolo da urgência climática ao sediar a COP30, o ensino superior também precisa ocupar esse centro de atenção. Se queremos que a adaptação climática seja eficaz e justa, as universidades não podem ser espectadoras do processo. Elas precisam fazer parte do plano e formar profissionais preparados para enfrentar um planeta mais quente e com clima instável. É preciso garantir que o conhecimento produzido saia do laboratório e do papel, vá para o mercado e transforme realidades.
Em outras palavras, a inclusão do ensino sobre clima precisa ser tão urgente quanto a crise que enfrentamos. Assim como Belém nos lembrou, o impacto das mudanças climáticas é desigual e global.
O planeta que teremos nas próximas décadas dependerá, na maioria, dos cérebros que formamos hoje. Se a Amazônia foi o centro do debate global, que as nossas universidades se tornem o centro da solução, ensinando não apenas a compreender a crise, mas a viver, adaptar e se mimetizar a um mundo em transformação.

*Ana Vitória Magalhães é consultora internacional e especialista em cultura oceânica, com trajetória marcada por atuações na ONU, Unesco e Comissão Europeia. Integrou a equipe responsável pela criação do programa global Escola Azul.
Por: Cultura Oceânica | 26/11/2025