NOTÍCIA
O climatologista Carlos Nobre fala, mais uma vez, da urgência da crise climática e a expectativa da comunidade científica em torno da COP30
Publicado em 26/05/2025
Carlos Nobre é reconhecido mundialmente como o climatologista brasileiro que vem contribuindo enormemente para o alerta acerca das mudanças climáticas, o aquecimento global, a necessidade de preservação das florestas e a proteção da Amazônia. Das honrarias mais famosas, foi um dos cientistas a receber, em conjunto com seus pares e com o ex-vice-presidente americano Al Gore, o Prêmio Nobel da Paz, por sua contribuição no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
No ano passado, tornou-se um ‘Guardião Planetário’, membro deste coletivo global que reúne lideranças comprometidas na busca de soluções para a crise climática. Uma das tarefas é ampliar a divulgação científica acerca do tema. O desafio, ele afirma, é comunicar a emergência climática. E exemplifica: ”o primeiro relatório do IPCC foi publicado em 1990, 35 anos atrás, e afirmava ‘somos nós que estamos causando todos esses eventos extremos, não podemos continuar!’. E as emissões [de gases de efeito estufa] não pararam de aumentar”.
São décadas, portanto, de produção científica e participação em ações em prol da diminuição da temperatura no planeta e de todas as medidas que podem mitigar o fenômeno, como a diminuição das emissões de gás do efeito estufa, a transição energética para evitar a queima de combustíveis fósseis e o fim do desmatamento. A restauração de florestas como prevista no projeto brasileiro Arco da Restauração, apresentado na COP28, é ideia sua. O projeto Amazônia 4.0, que prevê a capacitação de povos da floresta por meio da perspectiva da sociobiodiversidade – “Florestas em pé e rios fluindo” – tem seu olhar e experiência nos bastidores. E o AmIT, o Instituto de Tecnologia da Amazônia, seu projeto antigo sempre renovado, está em fase de estudos.
Nesta entrevista, pontuada por números e índices que alertam para o perigo iminente, o cientista Carlos Nobre fala de todos os assuntos citados acima e aponta os momentos mais importantes das 29 Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, as COPs, já ocorridas. Ele também comenta a expectativa da comunidade científica em relação à COP30 – em novembro deste ano, em Belém, no Pará – e o contexto cada vez mais alarmante no qual ela acontecerá.
Quando olhamos as 29 COPs, temos de lembrar que isso começou lá atrás, em 1995, em Berlim, e elas foram resultado da Eco 92, ou Rio 92, aquela famosa reunião no Rio de Janeiro, quando disseram que todos os países deveriam estar muito preocupados com as mudanças climáticas, com o impacto delas na biodiversidade, nos oceanos, nos rios, com o risco de desertificação.
Começaram as COPs. Na terceira COP, em 1997, os países fizeram o chamado Protocolo de Kyoto. Mas era apenas para os países ricos – desde a primeira COP, sempre se considerou que apenas os países ricos tinham de atuar. Eles tinham de assumir o compromisso na redução das emissões. A maioria concordou, os EUA não. Mas não houve muito progresso nisso. As emissões não pararam de crescer nos anos 90 e 2000. Os países todos foram à COP15, em 2009, na Dinamarca – eu participei, inclusive –, e ela tinha de ser a mais importante da história, porque esses países iriam se comprometer.
O presidente Lula foi, fez um belíssimo discurso, dizendo que o Brasil iria na direção de reduzir as emissões. No Brasil, as emissões são principalmente de desmatamento e agropecuária. Em 2009, o Brasil já vinha com uma rapidíssima redução do desmatamento da Amazônia. O presidente Lula foi superaplaudido, ele foi muito bravo e corajoso ao dizer que o Brasil reduziria rapidamente as emissões.
Mas, ao final da COP15, muitos países não concordaram com nada. Por que as coisas não avançaram? Desde o Protocolo de Kyoto, era por uma obrigação que os países assumiam o compromisso de reduzir as emissões. Em 2015, em Paris, na COP21, até pela diplomacia francesa, foi no sentido de, pela primeira vez, sugerir aos países fazerem projeções de redução das emissões, as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas [NDCs – Nationally Determined Contributions], não obrigatórias. Aí, lógico, todos os países concordaram e foi feito. Os países lançaram suas metas em 2016, na ONU. O Brasil esteve lá, ainda era representado pela presidente Dilma, e lançou a meta ambiciosa de reduzir 50% das emissões até 2030.
Naquela época, a ciência indicava que precisava zerar as emissões até, no máximo, 2100 e reduzir em 70% as emissões até 2050. Idealmente, o plano era não deixar o aumento da temperatura passar de 1,5℃ e, de jeito nenhum, chegar a 2℃.
Daí o IPCC – Painel Intergovernamental de Mudança Climática – publicou um relatório em 2018 mostrando que se o aumento da temperatura chegasse a 2℃ haveria um risco gigantesco. O que ficou mais famoso nesse relatório foi a previsão de que 30, 50 anos depois de o aumento da temperatura passar de 2℃, haveria a extinção de recifes de corais dos oceanos todos. E os recifes de corais mantêm 25% da biodiversidade oceânica.
Na COP26, em 2021, em Glasgow, na Escócia, esse assunto de não deixar aumentar a temperatura foi importante. A ciência mostrou que para não passar de um 1,5℃ – e todos os países concordaram – a meta era reduzir rapidamente as emissões até 2030. Em nove anos, a meta era reduzir 43% das emissões em relação a 2019 – foi colocado 2019 porque em 2020 teve a Covid e, com ela, a redução das emissões, de 5% a 7%, por causa do lockdown. Isso foi muito mais ambicioso do que a COP21, o Acordo de Paris, em 2015. Todos os 196 países assinaram, inclusive os EUA.
Depois aconteceram a COP27, no Egito, em 2022; a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes, em 2023, e, em 2024, a COP29, no Azerbaijão. São países produtores de petróleo, gás natural e combustíveis fósseis. Não houve grande progresso.
Na minha opinião e na de muitos cientistas, a COP30 terá de ser a mais importante das 30 COPs. A COP30 terá de ser parecida com a 21 e a 26. Terá de acelerar muito as metas. O próprio presidente Lula, no discurso final do G20, foi corajoso e falou que temos de zerar as emissões líquidas até 2040 e não mais até 2050.
A temperatura, desde julho de 2023, foi 1,5℃ mais quente; isso se manteve em 2024 – em 11 dos 12 meses foi assim. Em 2025, janeiro é o mês mais quente da história, com aumento de 1,75℃. Em fevereiro e março, 1,6℃. A média de 2024 foi 1,55℃. Estamos aí há 21 meses com temperaturas que apontam aumento acima dos 1,5℃. Nunca houve isso. Se a temperatura não baixar e zerarmos as emissões apenas em 2050, atingiremos bem mais do que 2℃ em 2050. Podemos atingir até 2,5℃. Por isso, o presidente Lula disse, corretamente, que vamos zerar as emissões em 2040, mas olha o desafio! Bateu recorde de calor em 2024!
Quando falamos em zerar emissões, é sobre emissões líquidas. É preciso fazer uma rapidíssima transição energética e também zerar todo o desmatamento global. O desmatamento global gera 10%, 11% das emissões. No Brasil, em 2022, 75% das emissões foram provocadas pelo uso da terra – 50% por desmatamentos, principalmente Amazônia e Cerrado, e 25% pela agropecuária – e 18% foram emissões de queima de combustíveis fósseis.
Tem de zerar todo o desmatamento, fazer rapidamente a transição energética, e também uma transição para uma agricultura que emita menos. Mas quando falamos de emissões líquidas zero é porque temos de remover uma grande quantidade de gás carbônico da atmosfera, o que é impossível. Por exemplo, na agropecuária, o boi arrota metano, um gás trinta vezes mais poderoso que o gás carbônico.
Tem de compensar, remover o gás carbônico. Uma maneira de remover é a restauração florestal. Pegar imensas áreas em todo o planeta e reflorestar. A floresta vai crescendo e absorvendo carbono. Esse é o grande desafio: chegar em 2040 com emissões líquidas zero, quase nada de queima de combustíveis fósseis, uma migração para agricultura e pecuária de baixas emissões, chamada agropecuária regenerativa, e grandes projetos de restauração florestal para remover milhões e milhões de toneladas de gás carbônico da atmosfera.
O Brasil tem toda a condição de ser o primeiro país de grandes emissões a zerá-las. O país chegou a ser, alguns anos atrás, o quinto maior emissor. Em 2024, reduziu as emissões porque reduziu o desmatamento na Amazônia. Estamos entre o sexto e sétimo maior emissor. Mas temos condições de ser o primeiro país a zerar. Isso porque ao contrário de China, EUA, Índia, Rússia e países europeus, em que 70% a 80% das emissões são da queima de combustíveis fósseis, no Brasil é ao contrário. Se o Brasil zerar o desmatamento, como é plano do governo brasileiro até 2030, já reduziremos 50% das nossas emissões.
E caminhar rapidamente para a transição energética – o Brasil é um dos países que têm um grande potencial de energia solar e eólica, que emitem quase nada, zero. Não emite na hora de gerar, mas na hora de fazer os painéis solares, e os aerogeradores de vento, há um pouco de emissão, mas é quase zero. E, hoje, essas energias já atingiram um avanço tecnológico tão grande que o custo da eletricidade, da energia solar e da eólica, é um terço do custo da eletricidade de um gerador de termelétrica a gás natural. Economicamente faz todo o sentido. Painéis solares geram quatro vezes mais empregos do que a mesma energia de combustíveis fósseis, das termelétricas, apontando, portanto, para um impacto social melhor, com mais empregos.
Sou membro do conselho do BNDES, levei essa ideia em 2023, eles gostaram muito e, em dezembro daquele ano, lançaram na COP28. Eu estava presente. Nesse projeto, a previsão é restaurar 240 mil km² da Amazônia brasileira desmatada, degradada, até 2050. Isso vai remover milhões de toneladas de gás carbônico. O Brasil também começa a financiar a restauração de todos os biomas, não só a Amazônia.
A restauração florestal tem dois capítulos. Um chama-se regeneração natural. Se há uma área desmatada ao lado da floresta ou no meio, a regeneração natural é muito efetiva. Porque os animais e o vento levam as sementes; é um processo natural e muito eficaz, e o custo é baixíssimo. Quando se tem uma área megadesmatada, muito longe da floresta – 25 km, 30 km, 40 km da floresta – a regeneração natural é muito lenta, porque só os pássaros conseguem levar sementes. Os animais pequenos não vão até essa distância, porque não há floresta. A regeneração é lenta e com poucas espécies. Aí tem de fazer o reflorestamento. O Arco da Restauração coloca bastante dinheiro de investimentos para fazer o reflorestamento, que custa de R$ 20 mil a R$ 25 mil por hectare.
Isso pode parecer muito, mas veja: hoje, o mercado de carbono já está pagando não menos do que R$ 100,00, R$ 120,00 por tonelada de gás carbônico removido. Um hectare de floresta remove entre 11 e 18 toneladas por ano, isso por 40 anos. Quando se faz a conta, um hectare está entre R$ 1.200,00 até R$ 2.000,00 no mercado de carbono. Como eu falei, custa até R$ 25 mil para fazer, então, em cerca de 10 a 15 anos já está tudo pago e o bosque ou a floresta ainda vão crescer por 20, 25 anos. Economicamente faz todo o sentido.
A Microsoft comprou US$ 130 milhões de crédito de carbono num projeto da Amazônia, chamado Mombak, e pagou US$ 50 dólares, cerca de R$ 300,00, por crédito. A tendência é o crédito de carbono aumentar. Só para dizer que, economicamente, a restauração florestal é viável. Protege a biodiversidade, vai realmente proteger a Amazônia do ponto de não retorno e todos os biomas brasileiros. Até 2040, o Brasil tem toda a condição de restaurar mais de um milhão de km² de florestas.
Na Amazônia, entre área degradada e desmatada, são mais de um milhão de km². Mais de um milhão de km² no Cerrado, 550 mil km² na Caatinga e 800 mil km² na Mata Atlântica.
Estamos implementando o Amazônia 4.0. Os indígenas chegaram à Amazônia há uns 15 mil anos, a 11 mil estavam praticamente em toda a Amazônia. Eles sempre mantiveram a floresta, eles desenvolveram a ciência indígena. As mulheres indígenas desenvolveram os sistemas agroflorestais. Eles domesticaram muitas espécies: açaí, castanha, cacau, buriti, cupuaçu, mandioca. E mantiveram a floresta, mesmo com essa domesticação.
Nunca desmataram para fazer monoculturas. Desmatavam uma área pequena para plantar produtos agrícolas e a mantinham por cerca de 20 anos. Abandonavam e abriam outra área. E a anterior, depois de algumas décadas, tornava-se floresta primária. Estudos foram feitos com o sistema LiDAR , que penetra no solo, e identificaram milhares de áreas que eram pequenas fazendinhas agrícolas. Os indígenas utilizaram mais de 2.300 produtos da biodiversidade amazônica, 250 frutas, 1.500 plantas medicinais, 200 e tantos óleos, para alimento, medicina, para a infraestrutura. E sempre mantiveram a floresta. Agora, temos de continuar com esse conhecimento deles.
Vamos levar a indústria 4.0 para a Amazônia e capacitar essas populações a fazerem agregação de valor – industrialização – aos produtos da biodiversidade. Nosso primeiro projeto é com o cacau e o cupuaçu. Já capacitamos duas e agora estamos capacitando a terceira comunidade. A que está sendo capacitada agora é uma comunidade quilombola, no Pará, as outras também foram no Pará.
A capacitação mostra que é possível produzir chocolate do cupuaçu e uma série de outros produtos. Não fazemos qualquer capacitação que destrua florestas ou faça monoculturas. É só a floresta e os sistemas agroflorestais dessas comunidades, em que há inúmeras espécies e tem uma densidade um pouco maior das espécies que eles utilizam. E vamos capacitar a primeira comunidade indígena da história do Brasil, a Paiter Suruí, em Rondônia, com uma biofábrica. Já conseguimos uma doação do Grupo Carrefour para construí-la e eles vão produzir chocolate e outros produtos. Será a primeira comunidade indígena a combinar o conhecimento deles com a indústria 4.0.
Sim, está aumentando muito. Nunca a ciência ocidental, moderna, tecnológica, valorizou o conhecimento dos povos indígenas em todo o planeta como estamos valorizando hoje. Uma mudança cultural muito grande. Isso é muito bom.
Lançamos no final de novembro um estudo de viabilidade para construir um instituto de tecnologia na Amazônia, uma espécie de ITA da Amazônia, o AmIT. A ideia é ter um instituto de tecnologia de alto valor para desenvolver essa nova sociobioeconomia dos produtos da biodiversidade, com capacitação de milhares de estudantes por ano, para o que chamamos de sociobiodiversidade “Florestas em pé e rios fluindo”. E também para restaurar áreas degradadas, manter o sistema fluvial dos rios amazônicos, os maiores do mundo, desenvolver uma infraestrutura sustentável de transporte, de energia, de teleconexões, telemedicina.
E, por fim, a quinta área do instituto é para a Amazônia urbana. Setenta e cinco por cento da população da Amazônia é urbana, a mais pobre população dos países amazônicos. Precisamos melhorar muito a qualidade de vida da população urbana da Amazônia. Essas são cinco áreas do instituto que queremos desenvolver; estamos concluindo o estudo. Uma parte do estudo, que vamos lançar em maio, é como trazer o conhecimento dos povos indígenas. No meio do ano, o estudo para criação de polos de inovação, os inovation hubs, pan-amazônicos. Estamos desenhando agora três no Brasil, um na Colômbia, no Peru e na Bolívia. A ideia é ser muito amplo. Já temos conversas nas telecomunicações para que todos os laboratórios, toda a infraestrutura educacional, em vários países amazônicos, sejam conectados.