Revista Ensino Superior | As tendências em desenvolvimento de competências

Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

As tendências em desenvolvimento de competências

Em 2025, o desenvolvimento de competências assumiu um protagonismo tanto nas instituições de ensino quanto nas empresas

Desenvolvimento de competências Ilustração: Shutterstock

Para fechar este ano, vamos recapitular alguns dos principais temas debatidos em desenvolvimento de competências. Se, por um lado, nunca se falou tanto em upskilling, reskilling, soft skills, microtrilhas, competências, entre outros termos que se popularizaram, por outro lado, o risco que se corre é rotular qualquer coisa para atender a uma demanda do mercado e se afastar do real objetivo de qualquer processo educacional-formativo, que é a aprendizagem.

Creio que o fim de um ciclo e início de outro deva ser um momento de reflexão e aprendizado com a trajetória. Dessa forma, vou adotar um tom ligeiramente mais crítico do que o habitual e questionar até que ponto o esforço de desenvolvimento de competências está se revertendo em real aprendizado.

 

Aceleração tecnológica e precarização do trabalho

Sem dúvida, estamos em um momento de mudanças profundas. Relatórios como o Future of Jobs, do Banco Mundial, alardeiam que cerca de 40% das competências utilizadas atualmente por trabalhadores serão tornadas obsoletas, ou, no mínimo, transformadas significativamente, até 2030. A IA generativa (como ChatGPT e plataformas similares) podem substituir o trabalho repetitivo e deslocar as atividades humanas para supervisão, coordenação, comunicação, tomada de decisões. Esse movimento amplia a demanda por trabalhadores qualificados, que combinem literacia em IA e dados com pensamento crítico, criatividade e habilidades relacionais.

O lado sombrio desse desenvolvimento pode ser observado na situação das pessoas que não conseguirem desenvolver capacidades mais sofisticadas, ou simplesmente que não tiverem acesso a mercados de trabalho mais pujantes. Para esse contingente, restará trabalho de qualidade e valorização cada vez mais baixas. Serão os trabalhadores do click, como diz Karen Hao no excelente livro Empire of AI, em que a jornalista estadunidense analisa as práticas de expansão das big-techs sob uma ótica crítica, concluindo que elas emulam práticas extrativistas de poderes coloniais. É, sem dúvida, um alerta a nações e indivíduos sobre o quanto a adoção acrítica da inteligência artificial pode ser prejudicial no longo prazo (talvez nem tão longo assim).

Feito esse desabafo, creio que algumas tendências importantes de competências que foram consolidadas em 2025 são as seguintes:

 

1. Competências híbridas ganham espaço

As competências que ganham cada mais valor de mercado são aquelas que unem capacidades técnicas, cognitivas e comportamentais. Essas talvez sejam as mais difíceis de automatizar. Por exemplo, imagine um profissional que faça curadoria de IA. Esse profissional deve ser capaz de interagir de forma sofisticada com as ferramentas, checar a plausibilidade das respostas, cruzar fontes, analisar vieses e decidir quando usar ou não a IA. Uma tarefa como esta é de difícil automação.

Da mesma forma, um especialista em produtos digitais, que entenda de jornada do usuário, conheça e saiba interpretar indicadores e consiga gerar hipóteses de melhoria de nível de serviço para diferentes nichos de mercado é um profissional que não pode ser facilmente substituído pelo algoritmo.

 

2. Microcredenciais se consolidam como complemento à formação tradicional

Coordenadores de curso sabem bem que é muito difícil reformar de forma significativa a grade de um curso superior. As DCNs norteiam o perfil do egresso e as competências essenciais já tomam a maior parte do tempo disponível na grade.

Isso significa que outras estratégias de desenvolvimento dos estudantes se fazem necessárias e as microcredenciais, conquistadas a partir de trilhas autoinstrucionais de curta duração, são uma opção eficaz para trabalhar competências que não puderam ser incluídas no currículo principal do curso.

O mercado de trabalho já vem reconhecendo essas credenciais como diferenciais reais e privilegia candidatos com essas qualificações adicionais.

 

3. Competências verdes entram no radar

Todos os setores da economia sentem a pressão para rumar no sentido de reduzir o impacto ambiental. Esse movimento vem acompanhado de novas regras e regulamentações e de um olhar mais atento de investidores e da sociedade como um todo sobre a atuação socioambiental das empresas.

O termo “competências verdes” agrupa um conjunto habilidades transdisciplinar. Há saberes técnicos, como compreender os impactos ambientais de toda uma cadeia de valor. Para além da dimensão técnica, o profissional também deve desenvolver a capacidade de interpretar indicadores, tomar e comunicar decisões com clareza. O pensamento sistêmico é muito importante para desenvolver essa visão de conjunto em uma temática tão complexa quanto a ambiental. Talvez ainda mais do que as competências socioemocionais, as competências verdes não cabem em disciplinas isoladas e uma revisão curricular mais ampla se fará necessária para dar conta de mais esta mudança social.

 

Conclusões

Este foi um ano em que o desenvolvimento de competências assumiu um protagonismo tanto nas instituições de ensino quanto nas empresas. Os termos upskilling e reskilling ganharam notoriedade e passaram a ocupar a pauta estratégica dos RHs. Esses movimentos representam oportunidades para instituições que demonstrarem agilidade na adaptação de suas grades curriculares, tanto da graduação quanto da pós-graduação e dos cursos executivos.

Para 2026, o desafio para as instituições que levarem esse debate a sério não é colecionar novos termos, mas fazer três movimentos difíceis. Primeiro, substituir listas genéricas de competências por evidências concretas de desempenho em contextos autênticos, como estágios, projetos, problemas reais. Segundo, investir em reskilling docente com a mesma intensidade com que se fala em reskilling de profissionais, sob risco de criar um discurso sofisticado sustentado por práticas de aprendizagem frágeis. Terceiro, reposicionar a “empregabilidade” como capacidade de mudança durante toda a carreira e não apenas como o primeiro emprego. Só assim o entusiasmo de 2025 com competências poderá se traduzir, na próxima década, em algo mais sólido: trajetórias de aprendizagem que auxiliem as pessoas a se manter relevantes um mundo de trabalho instável.

 

Leia também: A Bússola da Aprendizagem 2030 e o desenvolvimento de competências

 

Por: Alexandre Gracioso | 19/12/2025


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