As IES estão diante da necessidade de ir além da oferta de serviços de carreira no modelo tradicional. Torna-se necessário trabalhar com os projetos de cada estudante, individualmente.
Geração Z vem valorizando bem-estar pessoal e qualidade de vida em maior proporção do que as gerações anteriores (Foto: Pexels)Esta é a minha coluna de estreia aqui na Ensino Superior, revista que foi companhia constante ao longo da minha carreira na educação universitária. Inicialmente, portanto, gostaria de parabenizar todos os responsáveis por esta publicação, que comemora 25 anos de contribuições ao setor. O veículo evoluiu com o setor, apontou tendências e ofereceu espaço para uma saudável troca de ideias. Em muitos momentos, serviu de inspiração para decisões que tomei. Para mim, é muito gratificante agora fazer parte deste time e espero contribuir com os colegas da mesma forma que tantos tiveram suas experiências aqui relatadas e contribuíram comigo.
A história da minha família registra muitos educadores e trabalhar em e com educação sempre foi um objetivo muito importante para mim. Certamente me considero um privilegiado por ter a oportunidade de construir minha carreira no ensino superior. Para mim, atuar como professor e gestor educacional significou a realização de um projeto pessoal muito importante. Então, foi com muita atenção que li a matéria e a pesquisa divulgada pelo Instituto Semesp e pela Workalove no dia 9 de março. Ela revela que quase 50% dos estudantes que desejam ingressar no ensino superior em 2023 anseiam por realizar sonhos pessoais ou, talvez dito de outra forma, dar asas ao seu propósito de vida. A conquista de um emprego e a mudança de área – que também pode ser considerada uma conquista de emprego–, somadas, chegam a 25% dos respondentes. A melhoria salarial foi escolhida por somente 10% da amostra.
Estes resultados deixam claro que precisamos compreender melhor nosso estudante. Se somos desafiados a ajudá-lo a se realizar pessoalmente, precisamos nos aproximar desse indivíduo, conhecer suas motivações e ideais. O tradicional apelo à empregabilidade, embora certamente continue importante, talvez seja insuficiente para conquistar os corações e as mentes das candidatas e dos candidatos.
Essa constatação parece bastante alinhada com os resultados sobre o comportamento da Geração Z no mercado de trabalho. De forma geral, a Geração Z vem valorizando bem-estar pessoal e qualidade de vida em maior proporção do que as gerações anteriores. A pesquisa anual Carreira dos Sonhos, realizada pela Cia de Talentos, por exemplo, oferece um pungente testemunho dessa mudança comportamental.
De acordo com os resultados da pesquisa realizada em 2022, 62% dos 118 mil respondentes valorizam a possibilidade de crescimento no trabalho e a forma como o trabalho afeta o bem-estar e a qualidade da vida pessoal acima de quaisquer outros aspectos de suas vidas profissionais. Esse mesmo movimento pode ser observado em outros países, não é de forma alguma um movimento isolado.
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Para as instituições de ensino superior, esses resultados demonstram a necessidade de ir além da oferta de serviços de carreira no modelo tradicional, tornando-se necessário trabalhar com os projetos de cada estudante, individualmente. Oferecer uma trajetória única de formação está se tornando insuficiente para atender aos anseios de uma geração cada vez mais focada na expressão da individualidade.
Claro que isso não é fácil, nossos processos não foram desenvolvidos para atender a essas expectativas e, sendo assim, não são flexíveis como o ambiente atual demanda. Penso que há formas de começar a caminhar nessa direção e, entre elas, destaco a tutoria e a mentoria. Estas atividades, sejam elas realizadas por professores ou por estudantes, permitem um contato mais próximo e individualizado com os estudantes.
É claro que a implantação de uma iniciativa desta natureza esbarra em diversas dificuldades, a começar pelo desafio da escalabilidade. Instituições com maior volume de estudantes logo irão se deparar com barreiras orçamentárias, especialmente se todo o processo for confiado a professores. Esse é um dos motivos pelos quais defendo a ideia de envolver estudantes no processo de tutoria, especialmente junto às novas turmas.
Acredito que ações dessa natureza, especialmente com novos estudantes, tenham benefícios potenciais que podem ser quantificados, inclusive em termos de receita adicional para a instituição. A sensação de inclusão na comunidade é um forte inibidor de evasão, especialmente entre estudantes de primeiro ano. E o relacionamento direto com um professor-tutor ou com um estudante de ano mais avançado acelera a criação de laços afetivos entre o estudante e a instituição.
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A identificação das motivações individuais é, no entanto, somente o primeiro passo de uma longa jornada. A instituição precisa se organizar para oferecer as condições para que estudantes concretizem seus projetos, que certamente serão diversos em suas naturezas. Vou usar exemplos da Administração, por ser a minha formação de base. Um estudante pode ambicionar seguir uma carreira executiva em grande empresa – ainda um sonho acalentado por grande percentual dos estudantes do curso de Administração – ao passo que a sua colega, mais mobilizada e inquieta, pensa em abrir uma empresa ainda durante o curso. Precisamos dar suporte a ambos, o que, é claro, não é fácil.
Nesse sentido, uma possibilidade seria implantar áreas e processos de apoio ao estudante que ofereçam possibilidades para atividades além da sala de aula. Não há uma solução única. Por exemplo, uma parcela dos estudantes pode ter interesse em trabalhar em uma Empresa Júnior, ao passo que outros talvez prefiram trabalhar com professores em projetos de pesquisa, ou queiram incubar uma empresa. Não há uniformidade, há segmentos e pesquisas como a do Semesp/Workalove e a da Cia de Talentos apontando que é cada vez mais importante entender as características de cada segmento, por menor que seja. Esse é um cuidado que poderá tornar a sua instituição ainda mais bem sucedida.
Por: Alexandre Gracioso | 22/03/2023