NOTÍCIA
Laerte Breno é o fundador do curso pré-vestibular por onde já passaram cerca de cem alunos, 25 deles aprovados em vestibulares, a maioria em universidades públicas
Publicado em 30/05/2023
A partir de uma pesquisa informal, somada à vivência in loco, Laerte Breno, diretor e fundador da UniFavela, flagrou a primeira barreira para o jovem de periferia chegar à universidade. Nem sempre informações acerca do que é o ensino superior e da possibilidade de fazer o Enem, o Exame Nacional do Ensino Médio, chegam aos estudantes da rede pública. Pelo menos, foi assim com Breno e com moradores do seu entorno.
Breno tem 27 anos, cresceu no Complexo de Favelas da Maré, é ex-aluno do curso pré-vestibular da Redes da Maré e formado em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Complexo da Maré é formado por 16 favelas e tem 140 mil habitantes. Ele pretende captar recursos e realizar a pesquisa nas cerca de seis escolas de ensino médio da localidade, para ter percentuais em sua argumentação. Ele conta que saiu do ensino médio sem saber o que era uma faculdade. Foi parar no curso pré–vestibular por orientação dos pais. Ele acredita que a propaganda acerca do Enem é insuficiente. Mesmo as notícias na mídia não chegam a sensibilizar os jovens. É como se essas notícias fossem de outro mundo.
Os cursos pré-vestibulares populares tentam derrubar a próxima barreira, que é justamente o preparo para os vestibulares e para a obtenção de boas notas no Enem. A UniFavela, instituição socioeducativa que oferece formação educacional e desenvolvimento sociocultural, surgiu informalmente, quando Breno uniu duas de suas amigas. “Uma estava cursando o terceiro período na universidade e outra se preparando para o vestibular. Falei para aquela que se preparava para o vestibular: ‘vem e traz seus amigos, eu tenho uma amiga que pode ajudar’. Em poucos dias eram uns 15”.
Eles se reuniam para os estudos na Lona Cultural Herbert Vianna, na própria Maré. De lá, foram para a laje da casa de um estudante do curso. Em seguida, conseguiram sede própria e teve início a ansiedade por pagar o aluguel. Ainda sem parcerias, Breno chegou a enviar mensagens a famosos em redes sociais. Fábio Porchat foi um dos globais que atendeu ao pedido, por meio da sua empresa, Inverno Produções, e apoia a entidade até hoje. Em 2019, por meio do edital RUA, a UniFavela tornou-se um projeto de extensão da UFRJ. “Tenho algo importante a dizer sobre isso. Infelizmente, a UFRJ e outras instituições fazem projetos de extensão com um movimento muito de dentro da academia para fora, a UniFavela se propõe a fazer o caminho inverso, de fora da academia para dentro, apresentando o que nós movimentamos dentro do território, algo muito prático.”
No curso pré-vestibular da UniFavela já passaram cerca de cem alunos, 25 deles aprovados em vestibulares, a maioria em universidades públicas, que são o foco da UniFavela. Neste ano de 2023, dos 11 alunos assíduos do curso pré-vestibular de 2022, oito conseguiram entrar na graduação. A nova turma começou com 32 matrículas e a partir deste ano a UniFavela abrirá inscrições também no segundo semestre. A ideia é manter a turma com cerca de 20 alunos.
A evasão tem sido uma realidade incontornável. “Trabalhar é mais urgente do que ir para a universidade. Infelizmente, vale mais um prato de comida na mesa hoje do que um certificado daqui a quatro anos. Essa é uma realidade que nos adoece.” Uma das iniciativas para tentar diminuir a evasão foi o programa Bolsa Carolina Maria de Jesus, que vigorou em 2021 para auxiliar estudantes em situação de vulnerabilidade. “Eram R$ 200,00, por seis meses. Parece pouco, mas na vida do estudante é bastante.” Dos cinco estudantes que receberam a bolsa, três foram aprovados em vestibulares.
A formalização da instituição aconteceu há um ano. Atualmente, são 35 voluntários divididos em 5 setores: Pedagógico, Comunicação Institucional, Desenvolvimento Institucional, Financeiro, Gestão de Patrimônio e Jurídico. Entre os professores, todos voluntários, 73% são mulheres, boa parte não mora especificamente na Maré, mas em áreas de favela e subúrbios. A maioria dos alunos é negra. A UniFavela foi finalista do Prêmio Iberoamericano em Educação e Direitos Humanos e vencedora do Prêmio Sim à Igualdade Racial, na categoria Educação e Oportunidades.
A placa da vereadora Marielle Franco, nascida na Maré e aluna de curso pré-vestibular na própria localidade, cujo assassinato completou cinco anos em março deste ano, é destaque na sala de aula. Breno detalha como as questões políticas e ideológicas são postas: “Não apresentamos nossas questões pessoais porque a formação política dos estudantes é incipiente ainda. Apresentamos o que é ser de direita e de esquerda, e preservamos o direito de escolha. Queremos mostrar o mundo e a universidade, não só um viés”.
No acervo de livros da UniFavela, autores negros como Carolina Maria de Jesus e Franz Fanon ganham destaque. “O professor não apresenta só a capa, não. Ele entrega o livro para o estudante, para ele conhecer essa literatura negra que infelizmente só aparece na universidade e deveria ter aparecido lá atrás.”
Além do pré-vestibular, a UniFavela tem projetos com crianças, o UniLetrinhas e o Brinque Leitura, e seminários a distância, como o Ciclo de Formação, em parceria com a UFRJ. Para conhecê-los, visite: www.unifavela.com.br