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Formação

O diploma como oportunidade de mudança para os Kariri-Xocó

Polo da Unit em Propriá, cidade do Estado de Sergipe que faz divisa com Alagoas, permitiu acesso à população Kariri-Xocó

Publicado em 19/06/2023

por Gustavo Lima

Diego da Silva Cruz Diego da Silva Cruz (foto: arquivo pessoal)

Diego da Silva Cruz e Ramille Sampaio, indígenas Kariri-Xocó, enxergam no ensino superior a chance de levar mudanças à Aldeia, localizada em Porto Real do Colégio, Alagoas. Alunos de biomedicina, os jovens ingressaram na Universidade Tiradentes (Unit) em 2019 e hoje se encontram no oitavo semestre, próximos da conclusão do curso.

Aos 31 anos, Diego afirma estar ciente do impacto que a formação pode ter em sua aldeia, a terceira maior do Estado. “No Censo de 2010, indicava-se um número em torno de 1.800 indígenas, hoje é ainda maior. Quando se trata de exames laboratoriais, existe uma carência muito grande porque o pessoal tem que se deslocar para a capital, Maceió. É muito cansativo. Existem muitos idosos, PCDs e há muita dificuldade em relação a isso”, critica. Com a formação em biomedicina, acredita ter mais forças para buscar, junto a órgãos e projetos, um laboratório para os Kariri-Xocó, “nem que seja de pequeno ou médio porte, mas que faça exames laboratoriais. Enquanto biomédico quero buscar algum caminho para contribuir com isso”, diz.

O incentivo para os estudos veio de casa, mais especificamente de sua mãe, técnica de enfermagem. “A região tem muito campo para isso, mas poucos profissionais. Vendo essa carência, ela me incentivou para que eu fizesse o curso de análises clínicas”, conta Diego, que se formou no curso técnico em 2015. Tendo “se apaixonado pela área”, se inscreveu no curso de biomedicina assim que foi aberto no campus da Unit em Propriá, cidade do Estado de Sergipe que faz divisa com Alagoas. Atualmente, se divide entre os estudos, na modalidade semipresencial, e dois empregos, um deles em uma clínica e o outro no hospital regional de Propriá.

 

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Ramille Sampaio

Ramille Sampaio (foto: arquivo pessoal)

A história de Ramille Sampaio, 24 anos, encontra semelhanças com Diego. Também técnica em análises clínicas, foi encorajada pelo pai a começar o curso de biomedicina, em 2019. “Desde criança a gente tem um sonho. Eu tinha o sonho de usar jaleco branco”, relembra. No início, sentiu receio das aulas remotas proporcionadas pelo modelo semipresencial, mas com o suporte do corpo docente e da direção, logo driblou as inseguranças.

Ramille afirma que os estudos não foram uma dificuldade, os desafios estavam mais relacionados a questões culturais. “Com o deslocamento já foi mais difícil porque nós, indígenas, temos uma vida cotidiana diferente do branco, temos nossas tradições. Houve dias mais difíceis para mim por conta do meu ritual”, pontua. A jovem, no entanto, garante ser possível conciliar tradições e estudos. “Tinha a opção de justificar a falta e, ao chegar em casa, havia a possibilidade de estudar porque estava tudo no sistema”, completa. 

Além do sonho de se tornar uma das primeiras biomédicas da aldeia, Ramille também atribui as dificuldades enfrentadas pelos Kariri-Xocó como motivação para a conquista do diploma. “Eu quero muito um laboratório na aldeia. Já tivemos muitas dificuldades com epidemias em que precisamos buscar ajuda fora. Nossos exames, coletas de sangue e amostras sempre foram feitos fora por não haver uma opção aqui. Tem também a questão da água, que hoje está sendo tratada, mas já aconteceram muitas epidemias de diarreia e vômito em crianças pela falta de saneamento básico”, cita. “A gente vê as dificuldades dos nossos antepassados, minha avó e meus tios passaram por muitas. E eu sempre tive esse pensamento – ‘vou buscar um estudo e não quero ficar presa na aldeia’. Quis buscar o estudo para o bem e melhoria”, declara a estudante.

 

Tecnologia e inclusão

 

Karen Sasaki, professora e gerente acadêmica de EAD da Unit, ressalta a importância de incluir a população indígena na educação superior. “O principal papel da universidade é promover a inclusão para que todas as populações tenham acesso, com qualidade acadêmica e tecnologia. É importante mostrar que, embora formem um grupo minoritário no Brasil, os indígenas demandam respeito e necessidade de acesso. Felizmente, as tecnologias permitem que esse acesso seja concretizado”, reforça. 

A plataforma Brightspace, por exemplo, é disponibilizada para que os alunos da Unit se conectem ao conteúdo das aulas. Além dos estudos, a ferramenta desenvolvida pela D2L também permite interações com professores e outros estudantes. “A tecnologia aproxima, conecta e permite que a universidade cumpra seu papel social de democratizar e oferecer o que há de melhor para os alunos.” 

Karen reconhece a importância da diversidade em sala de aula. “Os alunos aprendem de forma muito colaborativa e não apenas o conhecimento científico da universidade, a troca de experiências permite que os colegas tenham um novo olhar sobre a construção do conceito de sociedade. A pauta indígena dentro da universidade não vira um assunto isolado, passa a fazer parte da discussão científica e acadêmica de forma integrada”, enfatiza.

Autor

Gustavo Lima


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