Educação

Colunista

Daniel Sperb

Consultor em inovação e gestão universitária

O código socrático: paradigmas de um planejamento estratégico

IES devem transcender as métricas tradicionais de sucesso e considerar indicadores inovadores que reflitam a qualidade e a relevância de sua educação na era digital

Planejamento estratégico Conheça as perguntas que podem contribuir com o planejamento estratégico de sua IES (foto: Freepik)

As instituições de ensino superior frequentemente adotam novos métodos, processos e tecnologias com um atraso de cerca de dez anos em comparação ao setor corporativo. Esse padrão de atraso é observado desde a implementação da “filosofia de qualidade total” nos anos 80 e do “lean” nos anos 90. Mesmo abordagens mais recentes como design thinking e métodos ágeis, que começaram a ser usados no início dos anos 2000, assim como avanços em big data e inteligência artificial (IA), ainda não são amplamente adotados nas IES.

Além disso, estratégias como inovação aberta e a formação de ecossistemas de inovação, já em uso por empresas como a Natura há mais de vinte anos, ainda são relativamente novas em muitas dessas IES.

Como se esse atraso já não fosse suficiente, antes mesmo de resolver desafios como a queda acentuada de matrículas, a competição intensa por preços, a perda de qualidade e os custos operacionais insustentáveis, o setor enfrentará uma nova onda de obsolescência com a chegada da IA generativa, impulsionada por empresas como a OpenAI e pelos modelos multimodais como o Gemini, do Google.

Startups e plataformas como o YouTube, ágeis na adoção de novas tecnologias, estão preenchendo as lacunas deixadas pelas IES, atendendo demandas de aprendizado de forma mais eficiente e atrativa. 

Para os críticos das edtechs que ainda duvidam de sua capacidade de oferecer cursos em áreas como engenharia e saúde, atenção, pois o cenário está mudando. A entrada de uma grande rede de farmácias no ensino superior, mesmo que em parceria com uma IES, é um claro indicativo de que as fronteiras estão se expandindo.

 

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Este movimento, já em curso no setor de saúde com hospitais e no próprio direito com a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), é um indício de que o ensino superior vive um ponto de inflexão.

Com recursos financeiros abundantes e tecnologia avançada, esses novos entrantes estão prontos para estabelecer novos padrões de qualidade e relevância em áreas como negócios, tecnologia, engenharia, saúde e outras. Como seria um curso de engenharia oferecido pela Weg?

Para confrontar estes desafios, apresento uma série de questionamentos categorizados que podem contribuir para os planejamentos estratégicos das IES, provocando insights e estimulando o pensamento crítico ao bom e velho método socrático. 

No livro DNA do Inovador: Dominando as 5 habilidades dos Inovadores de Ruptura, o saudoso Clayton Christensen apresenta resultados de uma pesquisa de 360 graus com mais de 500 consagrados inovadores e mais de 5 mil executivos de mais de 75 países, publicada no Strategic Entrepreneurship Journal. Christensen identificou 5 habilidades dos inovadores de ruptura, são elas: 1. Associar; 2. Questionar; 3. Observar; 4. Cultivar o networking e 5. Experimentar.

 

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Empresas grandes fracassam em relação à inovação de ruptura porque a equipe de alta direção é dominada por pessoas que foram escolhidas por suas competências de execução, e não por competências de descoberta – que são estabelecidas pela habilidade de questionar.

Poucas coisas são tão inúteis, se não perigosas, quanto a resposta certa para uma pergunta errada. Perguntar é o estilo de vida dos inovadores. Perguntas são catalisadores críticos para insights criativos. A cultura de uma empresa que não estimula o questionamento soa como uma marcha fúnebre para a inovação.

Entramos na era das indagações. O ChatGPT da OpenAI resgatou a pedagogia da pergunta que está travestida de “engenharia de prompt”. É como se estivéssemos vestindo a ergonomia cognitiva com a elegância do “user experience – CX”.

Analogias à parte, que tal exercitarmos o código socrático por meio de algumas perguntas “matadoras” que poderão contribuir com o planejamento estratégico de sua IES? Para facilitar a compreensão, classifiquei-as em três categorias:

 

Estratégia e inovação em educação

  1. Se pudéssemos voltar à fundação de nossa IES, dentre tudo o que fizemos ao longo dos anos, o que escolheríamos por não fazer e, dentre tudo o que não fizemos, o que faríamos?
  2. Como praticaríamos uma educação de qualidade se tivéssemos que operar com apenas metade dos recursos financeiros e físicos atualmente disponíveis?
  3. Que tipo de currículo faria com que nossos estudantes migrassem voluntariamente em massa, matando nosso atual modelo de negócio?
  4. De que forma poderíamos influenciar a reformulação e atualização dos cursos oferecidos em nossa IES, baseando-nos na análise detalhada dos últimos cinco anos do Relatório do Futuro do Trabalho do Fórum Econômico Mundial?

 

Gestão, parcerias e mercado

  1. Se pudéssemos adquirir dez startups para integrar à nossa operação, quais escolheríamos e por quê?
  2. Caso a nossa IES tivesse a obrigatoriedade legal de vínculos com grandes empresas nas áreas em que atuamos, quais seriam elas e como seria essa relação?
  3. Daqui a dez anos, quais serão os três principais indicadores de performance que aumentarão o valor das ações dos grupos de educação listados na Bolsa?
  4. De que forma poderíamos contribuir significativamente para a erradicação da fome e da pobreza (ODS 1 – Erradicação da Pobreza e ODS 2 – Fome Zero) por meio de programas de pesquisa e extensão comunitária inovadores?

 

Futuro da educação e tecnologia

  1. Em um cenário no qual a singularidade tecnológica e a superinteligência artificial onipresente superem infinitamente a capacidade humana de ensinar, monitorar, dar feedback e avaliar, proporcionando ensino personalizado, qual seria o novo papel do professor e como seria um modelo de remuneração capaz de valorizar e motivar a atividade docente?
  2. Como seria o atendimento ao nosso estudante sem AVAs, Portais Acadêmicos, Apps com IA embarcada?
  3. Se a nossa IES fosse recompensada com incentivo governamental no valor igual ao total investido pelo aluno durante sua formação para cada graduado que conseguisse um emprego em sua área com salário acima da média do mercado nos primeiros seis meses após a formatura, como seria a nossa área de carreiras?
  4. Para cada uma das áreas de gestão administrativa, acadêmico-pedagógica, mercadológica e inovação, quais seriam os cinco principais indicadores que colocaríamos em um dashboard em nossa sala?

 

 

Considerações finais

 

É evidente que as IES estão em um momento crítico de transformação. O atraso histórico na adoção de novas metodologias e tecnologias, em comparação com o mundo corporativo, as coloca em uma posição vulnerável, especialmente frente à emergente IA generativa e ao crescimento das edtechs. As IES devem, portanto, revisitar seus planejamentos estratégicos e abraçar a inovação, adaptando-se rapidamente às mudanças do mercado.

A integração de novas tecnologias e abordagens pedagógicas não é apenas uma questão de atualização curricular ou de investimento em infraestrutura digital. Trata-se de uma mudança drástica no modelo mental, na forma como as IES compreendem e respondem às necessidades dos estudantes e do mercado de trabalho.

A adoção de métodos ágeis, a ênfase em habilidades práticas e a colaboração com setores industriais são passos vitais para assegurar que os alunos estejam preparados para as demandas futuras. Além disso, as IES devem transcender as métricas tradicionais de sucesso e considerar indicadores inovadores que reflitam a qualidade e a relevância de sua educação na era digital.

 

Leia também: Transformando egosistemas em ecossistemas

 

Em última análise, o desafio para as IES não é apenas sobreviver na era da superinteligência artificial e da inovação tecnológica disruptiva, mas prosperar nela. As IES devem se adaptar às mudanças, antecipá-las e moldá-las, garantindo que continuem a desempenhar um papel relevante na educação e na formação das futuras gerações.

O exercício proposto no presente ensaio representa um pequeno fragmento de uma abordagem maior denominada Design de Futuros. No contexto do ensino superior, o Design de Futuros pode ser aplicado para moldar estratégias educacionais e adaptar currículos em resposta às rápidas mudanças no ambiente social, cultural, ambiental, econômico e tecnológico. 

Assim, ao incorporar o Design de Futuros no planejamento estratégico, as IES poderão preparar seus estudantes para um futuro incerto e em constante mudança, garantindo que a educação que oferecem permaneça relevante, inovadora e alinhada com as necessidades do mundo em permanente evolução.

Por: Daniel Sperb | 05/01/2024


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