Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

O uso de jogos na aprendizagem

Professores devem considerar a integração dessas atividades com momentos estruturados de reflexão

Jogos e aprendizagem Os jogos exigem que os alunos desenvolvam teorias ou modelos mentais sobre os dados e resultados que observam

Um artigo recente (1) traz importantes considerações acerca do uso de jogos como estratégia para aumentar o engajamento e a compreensão de estatística por estudantes da Warwick Business School, da Universidade de Warwick, no Reino Unido. Segundo os autores, ambas as dimensões melhoraram com uso de jogos e de estratégias de gamificação em uma disciplina de eixo comum oferecida a estudantes do primeiro ano do bacharelado da escola de negócios.

Os estudantes foram alocados aleatoriamente em uma das três turmas que compunham o grupo de tratamento, abrangendo cerca de 27% dos estudantes da turma de primeiro ano, ou em uma das oito turmas do grupo de controle, com os outros 73% do total do grupo.

O impacto das atividades foi avaliado através de três métricas principais:

  • Engajamento: Medido pela frequência às aulas.
  • Prazer no Aprendizado: Avaliado por meio de uma pesquisa de satisfação dos estudantes ao final do termo.
  • Compreensão do Material: Medida pelos resultados dos testes aplicados ao final do curso.

 

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O experimento demonstrou que as atividades tiveram um efeito positivo significativo nos três domínios avaliados. Os alunos do grupo de tratamento mostraram maior engajamento (frequência às aulas), expressaram maior satisfação com o processo de aprendizagem e obtiveram pontuações mais altas nos testes em comparação com o grupo de controle.

O artigo de Fullard descreve uma série de atividades lúdicas aplicadas em seminários de estatística para alunos do primeiro ano, envolvendo uso de aplicativos, mas também destacando a criação de um ambiente de competição saudável entre grupos de estudantes. As atividades foram projetadas para serem facilmente implementadas e de curta duração e se mostraram particularmente atraentes para professores que precisam imprimir um ritmo acelerado em suas aulas, sem perder de vista a aprendizagem. Porém, a utilização dos jogos pode ser considerada uma estratégia completa? Ou será necessária a utilização de estratégias complementares?

Penso que a aplicação do Ciclo de Kolb a este experimento pode nos oferecer algumas pistas.

 

O ciclo de aprendizagem experiencial de Kolb

Eu tenho grande apreço pela teoria da aprendizagem experiencial de David Kolb (2) e a forma como ele sintetizou seu pensamento no que é conhecido como ciclo de aprendizagem experiencial foi, a meu ver, brilhante.

 

Imagem 1

 

Como mostra a figura acima, este modelo enfatiza a importância dos estágios de experienciar, refletir, teorizar e aplicar, como componentes fundamentais do processo de aprendizagem.

A primeira etapa do ciclo é a experiência concreta. Nesta fase, o indivíduo está diretamente envolvido em uma atividade nova ou reexamina uma experiência antiga de forma prática. Por exemplo, um estudante pode estar aprendendo a resolver um problema de estatística ou participando ativamente de uma simulação.

Após a experiência, segue-se a fase de observação reflexiva. Aqui, o estudante reflete sobre a experiência, pensando ativamente sobre o que foi feito, como foi feito e quais foram os resultados. Esta reflexão é crucial porque permite ao aprendiz distinguir entre as partes da experiência que foram eficazes e aquelas que podem ser melhoradas.

 

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A terceira fase é a conceitualização abstrata, onde as reflexões e observações são sintetizadas em conceitos mais claros e lógicos. Durante esta etapa, o estudante usa a reflexão para desenvolver teorias ou modelos mentais que explicam as observações feitas. Esta é a fase em que as lições são transformadas em conhecimento generalizável e transferível, não se limitando apenas ao contexto específico da experiência inicial.

A última etapa do ciclo é a experimentação ativa, onde o estudante utiliza os modelos ou teorias desenvolvidos para testar novas ideias e abordagens em diferentes situações. Isso pode envolver a aplicação de uma nova ideia em um contexto diferente ou a modificação de uma abordagem com base no que foi aprendido anteriormente para ver se o resultado melhora.

Importante destacar que Kolb não propõe uma evolução linear de um estágio a outro, mas sim um processo contínuo e iterativo. A aprendizagem ocorre ao mover-se ao longo dessas quatro fases em um movimento fluido e contínuo, aumentando a competência do estudante em qualquer habilidade ou campo de conhecimento. Ao revisitar e refinar repetidamente suas experiências e conceitos, ele terá um entendimento mais profundo e robusto ao longo do tempo.

Agora que já compreendemos o essencial da teoria do ciclo de Kolb, como podemos avaliar o experimento de Warwick frente a cada estágio proposto no ciclo?

 

A necessidade de mais oportunidades de reflexão

Nos parece que os jogos descritos por Fullard e as atividades realizadas após cada um deles abrangem claramente os estágios de Experiência Concreta e Experimentação Ativa. Os alunos interagem diretamente com o material através das atividades propostas, que exigem aplicação prática imediata de conceitos estatísticos num formato competitivo e envolvente. Esta abordagem suporta a aprendizagem experiencial onde os alunos aprendem pela ação e testam suas hipóteses em tempo real.

O estágio de conceitualização abstrata também é tocado, embora de maneira menos óbvia. Após a interação inicial e a experimentação com o material, os jogos exigem que os alunos desenvolvam teorias ou modelos mentais sobre os dados e resultados que observam. Este estágio é crucial pois transforma a experiência e a prática em conhecimento abstrato e aplicável em outros contextos, promovendo uma compreensão mais profunda dos princípios estatísticos.

Por outro lado, as estratégias de aprendizagem propostas pelos autores dão menos suporte ao estágio de observação reflexiva. Este estágio envolve uma pausa deliberada após a experiência direta, em que os alunos têm a oportunidade de ponderar sobre suas ações e os resultados. A reflexão é essencial para a internalização do aprendizado e para a capacidade de aplicar o conhecimento adquirido em situações amplas ou variadas.

 

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É verdade que os autores relatam pausas para discussão dos resultados, mas nos parece que a profundidade da reflexão é que faz toda a diferença. No modelo de aprendizagem experiencial de Kolb, a observação reflexiva é vista como um processo essencial onde os alunos devem conscientemente pensar e ponderar sobre suas experiências diretas. Este estágio é crucial para a transformação de experiências concretas em aprendizado teórico que pode ser integrado e aplicado em diferentes contextos. Durante a reflexão, os alunos são encorajados a realizar uma análise sistemática e aprofundada de suas ações e dos resultados obtidos.

Essa análise envolve questionar suposições e modelos mentais que podem ter influenciado suas ações. Os alunos exploram como diferentes conceitos observados durante a experiência podem interagir entre si, proporcionando uma compreensão mais rica e interconectada do aprendizado. Além disso, são incentivados a avaliar criticamente as conclusões a que chegaram e os processos de pensamento que utilizaram. Esse estágio permite que incorporem novas perspectivas e insights, levando-os a modificar suas ideias e abordagens conforme avançam no seu percurso educacional.

Por outro lado, as atividades de jogos tendem a focar em resultados imediatos e correções específicas, o que é diferente do processo reflexivo profundo que explora o “como” e o “porquê” das experiências de aprendizagem. Este último é essencial para o desenvolvimento de habilidades analíticas e críticas mais sofisticadas.

 

Conclusão

Sim, eu sei que o estágio da reflexão é talvez o menos agradável aos estudantes, principalmente aos desta geração, imediatista e digital quase que por natureza. Mas, sabemos que não há atalhos no caminho da aprendizagem e não há substituto para o exercício do pensamento crítico e aprofundado para o domínio completo de conteúdos novos.

Sendo assim, a minha avaliação pessoal é que embora os jogos ofereçam uma ferramenta valiosa para engajar os alunos e facilitar a compreensão de conteúdos complexos, eles não devem ser vistos como uma solução completa.

Professores devem considerar a integração dessas atividades com momentos estruturados de reflexão e discussão (veja, por exemplo, o meu artigo sobre práticas contemplativas de aprendizagem), permitindo assim que os alunos explorem e consolidem seu aprendizado de forma mais abrangente. Uma abordagem pedagógica equilibrada não apenas enriquecerá a experiência educacional, mas também preparará os alunos para aplicações mais sofisticadas e críticas dos novos conhecimentos.

 

Referências

(1) Fullard, J. (2024). USING GAMES TO IMPROVE STUDENTS’ ENGAGEMENT AND UNDERSTANDING OF STATISTICS IN HIGHER EDUCATION. Journal for Economic Educators, 24(1), 44-62.

(2) Kolb, D. A. (2014). Experiential learning: Experience as the source of learning and development. FT press.

 

Por: Alexandre Gracioso | 26/04/2024


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