Investir em comunidades de aprendizagem é mais do que uma estratégia institucional; é um compromisso com a transformação educacional e social
Projetos colaborativos bem concebidos podem abordar as necessidades e oportunidades da comunidade, ao mesmo tempo que enriquecem as experiências de aprendizagemO que você considera mais importante para sua instituição de ensino superior: o número de estudantes captados ou o impacto transformador que suas ações podem provocar? Não sejamos ingênuos; os resultados da captação de estudantes, especialmente em instituições privadas, são cruciais para a sustentabilidade. No entanto, uma vez que os estudantes nos escolhem, o verdadeiro diferencial está em como transformamos esses relacionamentos em impactos significativos tanto para os alunos quanto para a IES.
Medir o sucesso de uma instituição pela frequência nas aulas já foi um dos indicadores mais relevantes. Salas cheias eram sinônimo de sucesso. No EAD, uma audiência significativa em aulas síncronas ou assíncronas também indicava êxito. Embora ainda seja importante, precisamos ir além dessa visão limitada e focar na construção de diversas experiências, especialmente em comunidades engajadas.
Imagine a paixão que você tem por uma marca ou causa e como compartilha seus pensamentos sobre ela com amigos. Isso é uma comunidade: um grupo de pessoas com interesses comuns que propagam a cultura e o valor de uma marca, movimento ou ideia. Comunidades têm um poder incrível, pois as pessoas confiam mais em recomendações de conhecidos que realmente utilizam o produto ou serviço. De acordo com uma pesquisa da Nielsen, 65% dos consumidores confiam mais em recomendações de conhecidos do que em propagandas, evidenciando o poder do “boca a boca”.
Uma comunidade de aprendizagem é uma estratégia pedagógica onde as pessoas trabalham juntas em direção a um objetivo comum — estudantes trabalhando com estudantes, professores trabalhando com professores dentro da mesma disciplina ou de disciplinas diferentes, ou estudantes trabalhando com professores. Cada comunidade de aprendizagem pode assumir um foco ligeiramente diferente, mas todas têm o potencial de transformar o ambiente educacional. Aqui está como elas podem ser definidas e implementadas:
Estudantes e professores trabalham juntos em projetos e atividades que incentivam a colaboração, o pensamento crítico e a resolução de problemas. Essa abordagem não apenas fortalece o aprendizado, mas também constroi um senso de comunidade. Na prática cotidiana, podemos implementar projetos interdisciplinares e atividades em grupo que promovam a interação e o trabalho em equipe. Por exemplo, a Universidade de Stanford promove o “d.school”, onde estudantes de diferentes disciplinas colaboram em projetos de design thinking, solucionando problemas reais e fortalecendo a comunidade acadêmica.
Ao entender melhor as necessidades e interesses dos estudantes, as instituições podem personalizar o aprendizado, tornando-o mais relevante e impactante. Isso leva a uma maior satisfação e sucesso dos alunos. No dia a dia, isso pode ser aplicado através de tutoria personalizada e a utilização de tecnologias educacionais que adaptem o conteúdo ao ritmo e estilo de aprendizagem de cada discente.
Professores trabalhando juntos em comunidades de prática, por exemplo, podem compartilhar melhores experiências e influenciar na escolha metodológica e no apoio de uns aos outros, favorecendo o desenvolvimento profissional contínuo. Na prática, isso pode ser viabilizado por meio de workshops regulares, grupos de estudo e plataformas de compartilhamento de recursos didáticos. A rede de escolas KIPP (Knowledge Is Power Program) incentiva seus docentes a participarem de comunidades de prática, onde podem compartilhar estratégias pedagógicas e aprender uns com os outros, melhorando a qualidade da educação oferecida.
Comunidades de aprendizagem podem envolver parceiros externos, como empresas e organizações comunitárias, atividades extensionistas, para proporcionar aos estudantes experiências práticas e conectar o aprendizado acadêmico ao mundo real. Na rotina diária, isso pode ser concretizado através de estágios, projetos de extensão e parcerias com o setor produtivo que tragam desafios reais para a sala de aula.
Investir em ações que promovam a proximidade entre a instituição e a comunidade deve ser uma das principais estratégias de qualquer IES. Esses laços criados com os estudantes não apenas estabelecem relações positivas, mas também são um canal para que as instituições compreendam melhor quem são seus estudantes, suas dores, necessidades e preferências. Vivemos uma era onde a educação superior precisa transcender a mera captação de alunos e a audiência nas aulas ao vivo, sejam elas presenciais ou telepresenciais. Precisamos criar comunidades de aprendizagem que vão além da sala de aula tradicional, promovendo um ambiente onde estudantes e professores colaboram, inovam e crescem juntos.
As IES podem envolver empresas, indústrias, escolas, governos, organizações, comunidades indígenas e grupos específicos na investigação acadêmica. Projetos colaborativos bem concebidos podem abordar as necessidades e oportunidades da comunidade, ao mesmo tempo que enriquecem as experiências de aprendizagem. As colaborações comunitárias mais bem-sucedidas tratam as fontes externas de conhecimento especializado como essenciais para o avanço do conhecimento. Elas também atendem às necessidades do mercado de trabalho, ajudando os estudantes a se tornarem cidadãos informados e ativos. Explorar o conhecimento da comunidade capacita os prestadores de serviços a proporcionar benefícios tangíveis e a abordar melhor questões sociais, como a desigualdade, a saúde pública e as mudanças climáticas.
Nosso tempo parece ter sido sequestrado, e se relacionar tornou-se mais uma demanda. Entregamos nosso tempo ao trabalho, às metas de produtividade das instituições, sobrando muito pouco para sentir, se afetar e se conectar. Falta energia social e vontade de promover estratégias que incentivem o encontro entre os estudantes, e ainda menos criar espaços intencionais para que professores e estudantes estabeleçam comunidades.
Aqui estão alguns aprendizados importantes para que possamos criar comunidades de aprendizagem nas instituições de educação superior:
Pode parecer perda de tempo abrir espaço para um check-in de qualidade no início de aula, uma reunião ou uma palestra. Parece perda de tempo ir ao happy hour com os colegas depois de um dia cansativo, reservar tempo para conversar, rir junto, criar intimidade. Mas são esses pequenos momentos que fazem com que a relação se torne cada vez mais fluida, que os desconfortos sejam processados com mais facilidade, que possamos viver e criar juntos com mais agilidade. Na prática cotidiana, podemos reservar um tempo no início das aulas para uma breve conversa ou atividade de integração, promovendo um ambiente mais acolhedor e colaborativo.
Dar atenção, oferecer reconhecimento, sustentar espaço para tensões sem se apressar em resolver, escutar as necessidades das pessoas, processar e compartilhar nossos desconfortos com cuidado e consideração, pensar com carinho nos convites, sustentar um ritmo de encontros periódicos, pensar em como as pessoas serão incluídas, desenhar cada detalhe do que elas vão viver. Tudo isso requer intencionalidade, por isso é importante ter clareza da mudança que se quer causar e ter meios de acompanhar o que está se movimentando nas relações e comunidades em que atuamos. Para aplicar isso no dia a dia, os gestores podem realizar reuniões regulares focadas em feedback e reconhecimento, além de criar grupos de trabalho que fomentem a colaboração e a participação ativa.
Como líderes e gestores de comunidade, também fazemos essa escolha: quem são as pessoas que mais energizam essa comunidade? Quem são as pessoas que podem inclusive assumir o papel de energizar outras relações já que não damos conta de todas elas? Normalmente, essas são as pessoas em quem se foca mais a atenção. No cotidiano institucional, isso significa identificar e empoderar aqueles estudantes e professores que naturalmente promovem a conexão e o engajamento, incentivando-os a liderar iniciativas e eventos para espaços de vivência das comunidades.
Se nosso tempo está cada vez mais escasso e temos tantas interações que drenam nossa energia o tempo todo, vamos escolher ficar e investir naquelas relações que nos energizam. Quais as comunidades e eventos que forneço aos estudantes que nutrem suas energias? Como líderes, o que podemos fazer para que as pessoas se energizem nos espaços que desenhamos? Na prática, isso pode ser implementado ao criar e promover atividades e eventos que sejam significativos e revigorantes para a comunidade acadêmica, como oficinas de bem-estar, grupos de interesse e espaços de convivência.
Investir em comunidades de aprendizagem é mais do que uma estratégia institucional; é um compromisso com a transformação educacional e social. Criar ambientes onde estudantes e professores se conectam profundamente e colaboram de maneira significativa é essencial para o desenvolvimento de cidadãos preparados para enfrentar os desafios do futuro. Ao priorizarmos relações autênticas e intencionais, estamos não apenas aprimorando a experiência educacional, mas também contribuindo para um mundo mais equitativo e sustentável. Implementar essas práticas no cotidiano acadêmico fortalecerá o tecido social da nossa instituição, tornando-a um verdadeiro espaço de crescimento e inovação.
Por: Thuinie Daros | 03/07/2024