NOTÍCIA
Nos EUA, Marcy Lab School e Hack the Hood oferecem alternativas de curta duração para estudantes de grupos sub-representados
Publicado em 05/08/2024
Por Olivia Sanchez, do The Hechinger Report
BROOKLYN, NY — Cerca de um ano e meio atrás, Isaiah Hickerson acordou no meio da noite sonhando que era um programador. O sonho foi totalmente aleatório. Ele não sabia nada sobre codificação.
Hickerson tinha 23 anos e, embora fosse da Califórnia, estava morando com seu tio em Miami. Durante o dia, atendia telefones no departamento de tosa da PetSmart. Depois do expediente, tentava descobrir o que fazer da vida.
O jovem tentou mídias sociais, e fez algumas aulas de administração e biologia em faculdades comunitárias. Era morno em ambas. “Me senti vazio. Queria fazer algo diferente, mas simplesmente não sabia o que era. Eu não tinha paixão por nada.”
Hickerson sabe o quão absurdo isso parece, mas ver a si mesmo codificando no sonho o transformou. Momentos depois de acordar, estava online tentando descobrir o que tudo aquilo significava. “Eu me lembro de tudo e é uma loucura. Não consigo inventar”, disse. “Eu me levantei dali duas da manhã. Me lembro de toda a linha do tempo porque foi isso que mudou — meu sonho é o que me trouxe aqui.”
Por aqui, Hickerson quer dizer a Marcy Lab School, no Brooklyn, Nova York, onde termina um programa de bolsa de estudos de engenharia de software de um ano. Não é uma faculdade ou um campo de treinamento de tecnologia com fins lucrativos, mas um programa sem fins lucrativos e gratuito, projetado para ajudar alunos de comunidades historicamente sub-representadas — como Hickerson, que é negro — a conseguir empregos bem remunerados em tecnologia.
Em todo o país, IES oferecem dezenas de programas projetados para ajudar alunos de grupos sub-representados a ter sucesso na educação STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, ou Science, Technology, Engineering and Mathematics) e se preparar para carreiras em tecnologia. Muito menos comuns são as organizações sem fins lucrativos independentes que se concentram em alunos que não têm recursos para ir à faculdade, não querem ir ou não acreditam que podem ter sucesso em um programa STEM exigente. Essas organizações sem fins lucrativos oferecem programas de treinamento gratuitos, de curto prazo, e ajudam com a colocação profissional.
Dois exemplos proeminentes, em costas opostas, são a Marcy Lab School e a Hack the Hood, em Oakland, Califórnia. A Hack the Hood conduz programas de treinamento em ciência de dados de 12 semanas e recentemente fez uma parceria com a Laney College, uma faculdade comunitária em Oakland, para oferecer aos alunos um certificado de realização em ciência de dados.
Dados do Centro Nacional de Estatísticas de Ciência e Engenharia mostram que negros e latinos obtêm diplomas de bacharelado em ciências e engenharia em uma taxa desproporcionalmente baixa, são sub-representados na força de trabalho STEM com ensino superior e ganham salários mais baixos nesses empregos do que seus pares brancos e asiáticos.
Alcançar melhor representação significa encontrar maneiras de dar aos alunos a assistência acadêmica e financeira de que precisam. Os recursos financeiros necessários para um diploma STEM de quatro anos — ou mesmo um diploma de dois anos — podem ser inalcançáveis. Abrir caminhos mais curtos e que sejam gratuitos — ou significativamente menos caros do que campos de treinamento com fins lucrativos — pode pelo menos colocar os alunos no caminho para uma carreira STEM. Programas projetados com esses alunos em mente dão a eles treinamento para que tenham uma chance de competir por empregos STEM com salários que podem levar à mobilidade econômica e social. (Tanto a Marcy Lab School quanto a Hack the Hood são organizações sem fins lucrativos financiadas por doações de grupos filantrópicos).
“STEM é um campo branco, cis e heteronormativo”, disse Weverton Ataide Pinheiro, professor assistente na faculdade de educação da Texas Tech University. “E essas pessoas são as únicas que estão conseguindo uma fatia do bolo. Na verdade, elas estão comendo o bolo inteiro.” Para Pinheiro, esses programas alternativos gratuitos têm valor, independentemente de resultarem ou não em um diploma universitário, se permitirem que pessoas de grupos historicamente marginalizados cheguem um passo além do que teriam chegado sem o treinamento.
“Estamos desesperados para tentar apoiar essas pessoas porque sabemos que dinheiro importa”, disse Pinheiro. “Sabemos que eles só poderão competir se tiverem certo treinamento, e talvez não consigam pagar [por isso].”
Reuben Ogbonna, um dos cofundadores da Marcy Lab School, disse que sua equipe trabalhou duro para estabelecer parcerias com empresas de tecnologia para obter oportunidades de emprego em engenharia de software para os alunos da Marcy quando eles concluírem o programa. Ogbonna disse que uma equipe de ex-educadores e vendedores apresenta a Marcy às empresas, na esperança de convencê-las a considerar os alunos para funções que normalmente exigiria um diploma de bacharel.
Para evitar que os alunos da Marcy sejam “enfrentados com um teto de vidro em algum momento” por causa de seu treinamento não tradicional, Ogbonna disse que a Marcy pede que as empresas tratem seus alunos da mesma forma que tratariam qualquer outra pessoa no processo de entrevista de emprego, para que possam provar suas habilidades e mostrar aos empregadores que merecem tratamento igual à medida que progridem em suas carreiras.
Desde que a Marcy Lab School foi inaugurada em 2019, cerca de 200 alunos concluíram o programa. Nos primeiros três anos, 80% deles se formaram, e cerca de 90% dos que se formaram conseguiram empregos em STEM com um salário médio de US$ 105.000 por ano, de acordo com Ogbonna. Mas nos últimos dois anos, durante o que Ogbonna chamou de recessão tecnológica, tem sido significativamente mais difícil para esses alunos conseguirem empregos. Ele disse que este ano, seis meses após a formatura, cerca de 60% dos formandos tinham empregos.
Ao buscar uma educação na Marcy em vez de frequentar uma faculdade de quatro anos, os alunos ganham três anos extras para ganhar dinheiro, construir suas economias e acumular riqueza, disse Ogbonna. E eles não terão empréstimos estudantis para pagar. “Estamos tentando reverter um problema realmente grande que já existe há muito tempo. E parte da minha teoria de mudança é que se pudermos colocar riqueza nas mãos de nossos alunos mais cedo, isso pode ser fundamental para as comunidades que estamos servindo.”
Tanto a Marcy Lab School quanto a Hack the Hood também tentam preparar os alunos para o que eles podem vivenciar quando entrarem no mercado de trabalho. O Hack the Hood atende estudantes entre 16 e 25 anos e, além do currículo técnico, ensina os alunos sobre equidade racial, questões de justiça social e compreensão de suas identidades pessoais, disse Samia Zuber, diretora executiva.
Zuber explicou que essas partes do programa ajudam a preparar os alunos para enfrentar problemas como a síndrome do impostor e a pensar criticamente sobre o trabalho que estão fazendo. Por exemplo, eles ensinam os alunos sobre preconceito racial em software de reconhecimento facial e as implicações que isso pode ter para diferentes comunidades.
Essa lição foi particularmente marcante para Lizbet Roblero Arreola, de 24 anos, que se lembrava de ter tido muito pouco contato com programação de computadores quando estava na escola. “Isso realmente abre seus olhos e faz você querer mudar isso”, disse Roblero, sobre o uso indevido de dados de reconhecimento facial. “Para mim, pessoalmente, quero ser alguém nessas empresas que não deixa isso acontecer.”
Para Roblero, uma mexicana-americana de primeira geração, ir para a faculdade nunca foi algo garantido. Quando engravidou de seu primeiro filho, logo após se formar no ensino médio, decidiu continuar trabalhando em empregos de atendimento ao cliente em vez de ir para a faculdade. Ano passado, após dar à luz ao segundo filho, viu uma amiga postar online sobre Hack the Hood. Ela estava pensando em voltar para a escola, e parecia que a Hack the Hood poderia ajudar a facilitar sua transição.
Roblero disse que a equipe do Hack the Hood a apoiou, ajudando-a a entender todos os passos que ela precisaria tomar para se matricular no Laney College, incluindo ajudá-la a descobrir como solicitar auxílio financeiro. (Os programas do Hack the Hood são gratuitos, mas os alunos que vão em busca de um certificado com o Laney têm que pagar a mensalidade lá.)
Depois de terminar seu curso de graduação em programação de computadores no Laney, ela espera se transferir para uma faculdade de quatro anos e obter um diploma de bacharel. Eventualmente, Roblero gostaria de construir uma carreira na área de segurança cibernética. Ela disse que está se esforçando agora para que seus filhos tenham mais oportunidades do que ela teve.
Esses programas também atendem estudantes como Nicole Blanchette, uma jovem de 18 anos de uma comunidade rural em Connecticut, que escolheu a Marcy Lab School em vez de uma experiência universitária tradicional. O pai de Nicole tem um diploma de associado, e sua mãe, que é filipina, não fez educação pós-secundária. Blanchette sempre sonhou em ir para a faculdade, e durante seu último ano do ensino médio, ficou intrigada com uma carreira em tecnologia. A jovem hesitou, no entanto, porque “o estereótipo de estudante de ciência da computação não se parece comigo”.
Mas um anúncio da Marcy Lab no Instagram fez Nicole pensar que uma carreira em tecnologia era possível. Ela fez as contas e descobriu que um ano morando em Nova York seria mais barato do que frequentar qualquer uma das faculdades em que ela entrou, mesmo com auxílio financeiro. Ela convenceu seus pais a gastar o dinheiro que eles tinham economizado para sua educação em suas despesas de subsistência enquanto frequentava a Marcy.
Ogbonna e a outra cofundadora da Marcy Lab, Maya Bhattacharjee-Marcantonio, começaram como professoras e recrutaram a primeira turma de alunos da Marcy em suas redes pessoais e em organizações comunitárias no Brooklyn.
Agora, cerca de 30 a 40 por cento dos alunos da Marcy Lab estão saindo direto do ensino médio. Ogbonna disse que, para alguns desses alunos, “barreiras acadêmicas, econômicas e sociais os impedem de acessar uma faculdade que tem resultados fortes”. Eles geralmente acreditam que não podem se dar ao luxo de tomar decisões erradas. E para aqueles que já fizeram alguma faculdade, geralmente há urgência em conseguir um emprego porque precisam pagar empréstimos estudantis ou contribuir financeiramente para suas famílias.
“Alguns deles pensavam em ir para campos de treinamento de codificação de curto prazo e muito caros”, disse Ogbunna, e veem um programa gratuito como “uma opção menos arriscada”.
Depois de se sentir sem rumo e sem inspiração, Hickerson, que pensou pela primeira vez em seguir carreira em codificação após aquele sonho, agora diz que adora aprender, e os desafios tecnológicos complexos de resolução de problemas só o fazem querer aprender mais.
Antes de começar a aprender a programar, disse que nunca soube o que era ser apaixonado por algo. Agora, quando fala sobre programação, o que está aprendendo na escola e a carreira que espera construir em engenharia de software, parece nunca parar de sorrir.
Esta história sobre programas de educação STEM foi produzida pelo The Hechinger Report, uma organização de notícias independente e sem fins lucrativos focada em desigualdade e inovação na educação.