NOTÍCIA

Edição 287

Próspero negócio, agro é desafiador

A possibilidade de aliar novas tecnologias à agropecuária e as mudanças climáticas, que tornam as formas tradicionais de produção cada vez mais difíceis, estão criando um campo fértil para o desenvolvimento da educação superior voltada à área

Publicado em 25/09/2024

por Luciana Alvarez

Trevisan Turma do curso Pagamento por Serviços Ambientais, da Trevisan Escola de Negócios (foto: divulgação)

A possibilidade de aliar novas tecnologias à agropecuária e as mudanças climáticas, que tornam as formas tradicionais de produção cada vez mais difíceis, estão criando um campo fértil para o desenvolvimento da educação superior voltada à área. Isso, claro, sem contar que é um setor em franco crescimento econômico no Brasil. Além de inovações em cursos de agronomia, novos modelos vêm surgindo país afora, com diferentes propostas e durações, mas sempre com a intenção de preparar profissionais para a realidade que se impõe no setor.

No ano passado, a atividade agropecuária nacional registrou uma alta de 15,1% em relação ao ano anterior, totalizando uma geração de riqueza de R$ 677,6 bilhões, segundo dados do IBGE. Foi o setor com o maior aumento entre todas as atividades econômicas, impactando diretamente o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, que cresceu 2,9% em comparação ao ano anterior. O aumento anual da agropecuária foi o maior da série histórica iniciada em 1995.

A pujança não exclui uma série de desafios, como a crescente demanda por mão de obra qualificada. O setor precisa de 178 mil profissionais, mas tem apenas 32 mil devidamente preparados, segundo um estudo conjunto de 2023 da Agência Alemã de Cooperação Internacional, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A escassez ultrapassa a marca dos 100 mil trabalhadores.

 

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Esse desafio nacional tem sido encarado como uma oportunidade para instituições de ensino superior vocacionadas ao agro. Na Universidade de Uberaba (Uniube), o curso de agronomia existe desde 1995, mas recentemente a instituição criou uma vertical de negócios batizada de Universidade do Agro. Trata-se de um ecossistema de ensino que abrange graduação presencial, ensino a distância (EAD), cursos livres, pós-graduação lato sensu, mestrado, e em breve deve entrar para o cardápio um programa de doutorado e ensino técnico.

Essa reorganização deu mais agilidade aos processos da instituição, que tem conseguido responder melhor a demandas de empresas e produtores. Desde a criação da Universidade do Agro, a instituição teve um crescimento significativo no número de alunos, passando de 1.400 em dezembro de 2022 para mais de 6 mil em 2023.

“Na pós-graduação e cursos livres, a universidade conta com um portfólio robusto de mais de 80 programas voltados para o agronegócio, atendendo à demanda de executivos e trabalhadores rurais. A instituição também planeja expandir para o segmento de consultoria, tanto para agricultura familiar quanto para grandes produtores”, afirma Flávio Sartori, diretor da Universidade do Agro. Isso porque um trabalhador rural hoje precisa ser capaz de operar máquinas com tecnologias avançadas, e os administradores das terras de qualquer tamanho têm de aproveitar sistemas que aumentem a produtividade e deixem as produções resilientes às intempéries climáticas.

 

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Outro marco recente para a Uniube foi o lançamento da “Cidade do Agro”, um campus de 55 hectares dedicado ao agronegócio, que será inaugurado em 2025. Já há dez parcerias firmadas com empresas que pretendem fazer pesquisas ou oferecer treinamentos no local. “A localização estratégica de Uberaba, no coração do Brasil, também favorece a atração de empresas, porque muitas têm negócios tanto para o Norte quanto para o Sul”, diz Sartori.

A criação de um grande campus, com infraestrutura e tecnologias de ponta, traz vantagens sobretudo para os estudantes. A proximidade do ensino com o mercado de trabalho é uma delas, mas não é a única. “O estudante do presencial hoje quer ter experiências. Dependendo do curso, isso significa levar o aluno para um laboratório. Mas, no agronegócio, o laboratório é o campo, uma fazenda experimental”, explica o diretor.

A IES está investindo ainda na construção de um hospital veterinário, numa aposta de que a vocação para o agronegócio possa atrair estudantes de todo o país que desejem um curso mais focado em animais de grande porte. Além de veterinários, Sartori defende que o Brasil precisa de mais administradores, engenheiros, advogados, entre outros profissionais especializados no setor, pois a demanda é multidisciplinar e só deve crescer nos próximos anos.

Currículo alinhado à realidade

O Centro Universitário Integrado de Campo Mourão, situado no noroeste do Paraná, tem uma vocação profundamente ligada ao agronegócio, tanto pela localização geográfica quanto pela história da família que fundou a instituição. “Campo Mourão tem o agronegócio no DNA, com a maior cooperativa da América Latina, sediada aqui. Isso influencia diretamente nossos alunos, muitos dos quais são filhos de produtores rurais”, explica Jeferson Vinhas, vice-reitor da IES.

A forte conexão com o setor, porém, não é algo dado como garantia de êxito. O centro universitário tem compromisso constante em alinhar ensino às demandas específicas do mercado, para formar profissionais que podem permanecer na região e impulsionar o desenvolvimento local. Para criar o currículo atual de agronomia foram ouvidos mais de 40 empresas e produtores. Ainda hoje, há encontros mensais com algumas pessoas do ramo.

“Temos um diálogo constante com o mercado, através de um hub de RH que envolve cooperativas e empresas. Isso nos permite adaptar continuamente nossos currículos às necessidades reais do setor”, destaca Vinhas. Outro exemplo prático dessa proximidade é uma cooperativa local que recruta todos os anos trainees diretamente da IES. “A Copacol seleciona anualmente seus trainees entre os nossos alunos do último período de agronomia, pois sabem que eles são preparados desde cedo para as demandas da indústria”, afirma o vice-reitor.

A instituição adotou ainda um modelo de ensino focado em casos práticos, advindos das demandas do setor. “Nosso currículo de agronomia é estruturado em módulos com cases reais, permitindo aos alunos aplicar imediatamente o que aprendem na sala de aula”, diz Vinhas.

 

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E nem só de graduações vive a agroeducação. Jovens estudantes de ensino médio podem fazer bootcamps nas férias, para sentir na prática como é a vida no centro universitário, decidir se realmente gostam da área. Depois, na vertical do agro, há opções de cursos de pós e incubadoras para empreendedores.

“Temos uma aceleradora e uma incubadora que recebem projetos dos alunos, com um evento específico para o agro, o ‘Agro Celeiro’, onde os melhores projetos são apoiados e desenvolvidos em parceria com a indústria”, conta Vinhas. Um estudante criou uma solução de calibragem e regulagem de pulverizadores que, ano passado, conseguiu investimentos de R$ 68 milhões.

Agronomia

Na aula prática sobre perfil e análise de solo, do curso de Agronomia Semipresencial do Centro Universitário Integrado, alunos aplicam imediatamente o que aprendem em sala de aula

A abundância de oportunidades, porém, deve sempre ser abraçada com cautela pelas IES. O Centro Integrado tem atualmente o modelo semipresencial, mas só com um polo em outro estado; fica em Rondonópolis, MT. “Estamos testando o modelo antes de expandir para outras regiões. Tem de ter um lugar com uma boa estrutura para permitir a parte prática”, diz Vinhas.

 

Agro também na capital paulista

Mesmo na maior metrópole da América Latina, algumas IES paulistanas incluem em seus portfólios cursos rápidos de pós-graduação e módulos voltados aos agronegócios. É o caso do Inteli, uma instituição focada em cursos de tecnologia instalada na capital paulista, mas onde os estudantes precisam desenvolver projetos também voltados ao Brasil rural. Para a professora de ciências da computação Ana Cristina dos Santos, é uma forma de ampliar os horizontes dos jovens.

“A gente usa a metodologia PBL (aprendizado baseado em problema), então o aluno aprende resolvendo projetos reais, de clientes reais”, explica ela. Como esperado, a instituição tem parcerias e projetos com grandes empresas de TI, como Google e IBM. “Mas os desafios e os problemas de automação são complexos e estão espalhados em diferentes áreas de aplicação, diferentes tipos de negócios”, afirma ela, que está coordenando seu segundo projeto na área de agronegócio – e já tem planos para outro em fevereiro.

No começo do ano, os alunos de ciências da computação tiveram de se debruçar sobre imagens de satélite de áreas plantadas em uma área de relevo complexo e encontrar uma forma de automatizar a análise da produtividade. Agora, estão estudando formas de monitorar a saúde do gado com câmeras de calor. “Tivemos a oportunidade de visitar o parceiro, para orientar onde ele deveria colocar as câmeras no confinamento, mas depois disso o trabalho está sendo feito todo a distância”, conta a professora.

 

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O mais comum, contudo, é a oferta de cursos de pós-graduação. A Trevisan Escola de Negócios tem uma formação técnica sobre a remuneração a provedores de serviços florestais, sobre formas de incentivar quem preserva e restaura a natureza. “A União Europeia aprovou recentemente uma lei querendo conhecer o manejo e a cadeia de custódia dos produtos que importa. Agora, quem quiser vender soja, cacau, café, borracha para o continente vai ter suas cadeias produtivas rastreadas e sem envolvimento com desmatamento”, explica Rochana Freire, coordenadora do curso.

O curso Pagamento por Serviços Ambientais atraiu uma primeira turma com perfil bem diversificado, conta a professora. Havia um grupo de biólogos, engenheiros ambientais e agrônomos, mas também economistas, profissionais de relações internacionais, assim como da área jurídica.

Na ESPM, há opções com o foco em desenvolver as lideranças que já atuam na área, como a pós Inovações e Transformações no Agronegócio. “O perfil dos estudantes é de profissionais seniores, que trabalham na gestão do agronegócio e que buscam por movimentos de inovação e entender as iniciativas no setor. Há profissionais de empresas como Basf, IBM, Syngenta e também Embrapa”, conta Paulo Roberto Freitas, coordenador do programa Leadership Academy da instituição.

Segundo ele, a ESPM já vinha oferecendo cursos na área de agronegócio há alguns anos, mas o cenário é cada vez mais promissor. “A tendência é que o agronegócio continue crescendo e demandando aprimoramento profissional”, diz Freitas.

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Luciana Alvarez


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