Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

IES precisam buscar bem-estar dos estudantes

Profissionais mais resilientes, com maior senso de propósito e melhor preparados para lidar com os desafios da vida contribuem para a construção de comunidades mais saudáveis e sustentáveis

Bem-estar : envolver e obter o apoio dos professores, reconhecendo que a influência do corpo docente sobre os estudantes e o ambiente de aprendizagem é fator crítico para que as outras estratégias sejam eficazes

Como gestor educacional, acompanhei com  crescente preocupação o aumento no número de casos de pedidos de afastamento de estudantes dos cursos de graduação por problemas relacionados à saúde mental, como síndrome do pânico ou depressão. Na primeira década dos anos 2000, ninguém falava sobre isso. Portanto, é com otimismo que percebo que esse deixou de ser um assunto evitado.

 O que as IES podem fazer sobre saúde e bem estar dos estudantes? Posso me precipitar ao partir do pressuposto de que há um consenso em que as IES devem se envolver nessa questão. Tenho firme convicção de que precisamos nos envolver. A melhoria do bem-estar do estudante pode ter impacto até mesmo sobre os índices de permanência e evasão da instituição, como defende o colega Miro Severiano, especialista em evasão e permanência estudantil no ensino superior. Outra pergunta bastante comum é o que as instituições poderiam fazer para apoiar os estudantes a desenvolver um senso de bem-estar ao longo da vida, não só durante o curso.

 

Bem-estar ao longo da vida

Seja porque os países, incluindo o Brasil, estão envelhecendo rapidamente, ou devido ao acelerado ritmo de mudança em que vivemos, o fato é que a expressão “ao longo da vida” vem se popularizando nos últimos anos. Aprendizagem ao longo da vida, saúde ao longo da vida, bem-estar ao longo da vida, são todos termos que ganham espaço na mídia e despertam o interesse do público.

Pois bem, em um artigo recente (White et al., 2024) um grupo de pesquisadores estadunidenses analisa iniciativas que promovem o bem-estar de estudantes, defendendo a ideia de que instituições “devem desempenhar um papel ativo no apoio ao bem-estar ao longo da vida em suas populações estudantis, expandindo suas definições de sucesso estudantil e fornecendo oportunidades e programas que apoiem elementos relacionados ao bem-estar”.

 

Leia: Afeto enquanto estratégia de engajamento discente

 

O artigo define bem-estar como resultante de seis fatores: senso de pertencimento, locus interno de controle (agency, no original), propósito, identidade, engajamento comunitário e bem-estar financeiro. Os autores defendem que todos esses fatores são “poderosos impulsionadores do bem-estar ao longo da vida”.

A ideia de que o ambiente universitário pode afetar o bem-estar de uma pessoa ao longo de toda a sua vida não é tão nova. Em 2014, um relatório publicado pelo Instituto Gallup (Gallup Inc., 2014) identificou experiências universitárias que estariam ligadas à preparação para a vida e ao bem-estar em fases posteriores da vida de uma pessoa:

1) Ter ao menos um professor que inspire entusiasmo pela aprendizagem;

2) Ter professores que se preocupem com o estudante em sua integralidade;

3) Ter um mentor – professor ou até mesmo um estudante mais avançado – que incentive o término dos estudos e o foco na conquista dos objetivos;

4) Trabalhar em um projeto de pesquisa que leve um semestre ou mais para ser concluído;

5) Realizar um estágio e ter uma experiência prática;

6) Ser ativo em atividades e organizações extracurriculares durante o programa.

Contudo, poucos ex-alunos (3%) relatam ter vivenciado todas essas 6 experiências-chave.

 

O que as instituições podem fazer?

Holly White é incisiva ao defender a ideia de que IES precisam atuar na dimensão do bem-estar estudantil. No entanto, para ela, não se trata de uma escolha entre aprendizagem e bem-estar:

Penso que é realmente importante reconhecer que podemos apoiar a aprendizagem e o bem-estar dos estudantes. Não precisa ser um ou outro. (ScienceDaily, 2024)

White e seus colegas identificaram seis princípios que podem guiar a implantação de iniciativas que visem melhorar o bem-estar dos estudantes. Estes princípios são mais amplos do que as experiências pontuadas pelo Gallup em seu estudo de 2014.

  1. Currículo integrado: incorporar o bem-estar no currículo de graduação para alcançar um público mais amplo de estudantes e evitar a dependência exclusiva de atividades extracurriculares.
  2. Foco em componentes específicos: implementar iniciativas com foco em um ou dois componentes específicos do bem-estar, permitindo um desenvolvimento mais detalhado e gerenciável dessas áreas.
  3. Adaptação à cultura institucional: adaptar as iniciativas ao perfil específico dos estudantes e à cultura da universidade.
  4. Avaliação Iterativa: implementar uma estratégia de avaliação iterativa para monitorar as iniciativas desde o início, permitindo ajustes e a ampliação de programas bem-sucedidos.
  5. Envolvimento do corpo docente: envolver e obter o apoio dos professores, reconhecendo que a influência do corpo docente sobre os estudantes e o ambiente de aprendizagem é fator crítico para que as outras estratégias sejam eficazes.
  6. Acessibilidade financeira: garantir que as oportunidades oferecidas não resultem em um ônus financeiro adicional para os estudantes, promovendo acessibilidade.

 

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O estudo não procurou ter uma validade estatística, na verdade os pesquisadores pesquisaram exemplos de melhores práticas em universidades norte-americanas, mas a variedade de práticas a que chegaram revela as amplas possibilidades de ação que as instituições têm a seu dispor. John Volin, outro pesquisador que participou do estudo disse que:

É interessante que, embora cada uma das seis iniciativas exemplares destacadas neste artigo aborda o bem-estar com diferentes práticas recomendadas, todas as instituições ofereçam essas oportunidades em larga escala para todos os estudantes e implementem uma avaliação contínua para aprimorá-las continuamente. Ambos são elementos fundamentais para garantir que todos os estudantes possam se beneficiar desses programas focados no bem-estar geral e na satisfação futura na carreira.

 

Conclusão

A crescente conscientização sobre a importância do bem-estar estudantil no ensino superior não apenas evidencia uma mudança positiva na forma como as IES encaram seu papel na formação dos estudantes, mas também aponta para uma necessidade urgente de ação. As instituições não podem mais se limitar a ser meras transmissoras de conhecimento – precisam assumir um papel ativo na promoção do bem-estar de seus estudantes, reconhecendo que esta missão é tão importante quanto a excelência acadêmica.

Os benefícios de implementar iniciativas focadas no bem-estar estudantil são múltiplos e se estendem muito além dos anos de graduação. Para as instituições, representa uma oportunidade de melhorar seus índices de permanência e reduzir a evasão, além de formar profissionais mais preparados para os desafios do mundo contemporâneo. Para os estudantes, significa desenvolver habilidades e experiências que contribuirão para seu bem-estar ao longo de toda a vida, desde um maior senso de pertencimento a uma melhor capacidade de gestão financeira.

 

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A sociedade como um todo também se beneficia quando as IES assumem esse compromisso com o bem-estar estudantil. Profissionais mais resilientes, com maior senso de propósito e melhor preparados para lidar com os desafios da vida contribuem para a construção de comunidades mais saudáveis e sustentáveis. O impacto positivo dessas iniciativas se multiplica através das gerações, à medida que esses indivíduos levam suas experiências e aprendizados para seus ambientes profissionais e pessoais.

Termino convidando meus colegas gestores de IES a dar um passo decisivo e implementar programas e iniciativas que promovam o bem-estar estudantil de forma sistemática e abrangente. Os seis princípios identificados por White e seus colegas oferecem um excelente ponto de partida para essa jornada. O momento de agir é agora – não apenas porque é a coisa certa a fazer, mas porque é um investimento no futuro de nossa sociedade que trará retornos significativos para todos os envolvidos.

 

Referências

Ensino Superior. (2024, outubro 8). Como evitar a evasão de 52% dos alunos da graduação. Revista Ensino Superior. https://revistaensinosuperior.com.br/2024/10/08/evitar-evasao-dos-alunos/

Feferbaum, M. (2024, outubro 17). Bem-estar na educação. Revista Ensino Superior. https://revistaensinosuperior.com.br/2024/10/17/bem-estar-na-educacao/

Gallup Inc. (2014). Great jobs, great lives: The 2014 Gallup-Purdue Index Report. https://www.luminafoundation.org/files/resources/galluppurdueindex-report-2014.pdf

Lima, G. (2024, outubro 10). O papel da universidade no acolhimento ao aluno. Revista Ensino Superior. https://revistaensinosuperior.com.br/2024/10/10/o-papel-da-universidade-no-acolhimento-ao-aluno/

ScienceDaily. (2024). New study explores how universities can improve student well-being. ScienceDaily. https://www.sciencedaily.com/releases/2024/10/241002135244.htm

White, H. C., Allen, D. M., Buffinton, K., Humphrey, D., Malpiede, M., Miller, R. K., & Volin, J. C. (2024). Cultivating long-term well-being through transformative undergraduate education. PNAS Nexus, 3(9), pgae372. https://doi.org/10.1093/pnasnexus/pgae372

Por: Alexandre Gracioso | 11/11/2024


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