NOTÍCIA
Especialistas ajudam as IES a traçarem estratégias de ação para uso de IA e proteção a curto e longo prazo
Publicado em 25/07/2025
(foto: Natalya Kosarevich/Shutterstock)
Saber a melhor forma de usar a inteligência artificial em cada área da instituição de ensino superior, prever as mudanças que ela ainda vai gerar e compreender os riscos com o seu uso é fundamental para as pequenas e médias IES enfrentarem a concorrência com os grandes grupos educacionais, que já usam fortemente a IA, e garantirem a relevância de seus cursos.
Luciano Sathler, doutor em administração pela FEA/USP, membro do conselho estadual de educação em Minas Gerais e CEO da CertifikEDU, explica que no Brasil a educação superior está dividida entre os grandes grupos de capital aberto, que tem dinheiro para contratar profissionais especialistas para cada área da instituição, e as instituições médias e pequenas, que precisam, com verba e equipe menor, ter agilidade para se atualizar e enfrentar a concorrência. Acrescenta que com a IA essa realidade está ficando cada vez mais complexa.
Sathler acredita que as instituições precisam ter um domínio de transformação, que não é só uma mudança na tecnologia, mas uma mudança de mentalidade para o melhor uso dela. Segundo ele, o segredo está em como desenvolver a mentalidade nas mudanças curriculares e metodológicas. Também diz que “é importante ter tecnologia de ponta em todas as atividades meio, que inclui contabilidade, compras, marketing, captação de alunos, jurídico. Em tudo o que não é sala de aula, mas é um suporte importante para a instituição. Hoje, se você não tiver tecnologia de ponta e mentalidade para fazer bom uso dela, você fica muito para trás”.

Luciano Sathler: “Para as instituições resta duas opções muito radicais, não tem meio termo” (foto: divulgação)
Além do bom uso da tecnologia, o gestor das IES precisa saber como a inteligência artificial pode ajudar, e também quais são os riscos que está correndo. Sathler diz que as atividades executadas por profissionais de faculdades que têm grande procura hoje, como direito, administração e pedagogia, são as que estão mais ameaçadas de serem substituídas pela IA. E o desafio das IES é entender como “ensinar competências e habilidades para o aluno usar a IA, mas ser mais do que a IA. Ele não pode ser substituído pela IA”. Explica que essa nova forma de ensinar passa por questões técnicas e humanizadoras, e que precisa ser introduzida de forma transversal no currículo.
O CEO da CertifikEDU conta que outro ponto de atenção para as IES é o crescimento da concorrência, pois com o uso da IA as maiores universidades do mundo vão poder ofertar cursos sem a barreira da língua, de modo que será possível um estudante brasileiro assistir uma aula em outra língua com tradução simultânea para o português e que reproduz a entonação e o jeito de falar do professor.
Para Luciano Sathler estamos em um momento de mudança de paradigma muito grande. “Para as instituições resta duas opções muito radicais, não tem meio termo. Ou é uma instituição de experiência presencial, lugar de ter vivências, mas são poucas que vão poder fazer isso, são as de nicho. Ou vão saber usar bem a IA, nas atividades de meio e na formação dos alunos”.
Dentro desse contexto, Sathler diz que ele se preocupa em entender o que está acontecendo na área da tecnologia no ensino superior e explicar para as pequenas e médias instituições, com o objetivo de ajudá-las a traçarem estratégias para se atualizarem com caminhos rápidos e de baixo custo para enfrentar o cenário.
Edgard Cornacchione, controlador geral da USP, doutor em contabilidade pela USP e em educação pela University of Illinois, representante do Brasil no IFAC – painel de educação em contabilidade, e presidente do MiTi (Markets, Innovation & Technology Institute), atua com a construção de cenários em relação a IA. Diz olhar para o futuro de longo prazo com a intenção de entender quais as mudanças que a IA trará para o mercado educacional, e ajudar as IES a refletirem sobre as perspectivas e se prepararem para as mudanças.
Conta que em 1993 publicou um livro que já falava da presença de sistemas especialistas em IA afetando a área de negócios, e que entre 2008 e 2010 a sua fala era sobre o efeito da tecnologia em relação aos empregos. Hoje, a questão da empregabilidade vem sendo colocada em pauta na perspectiva da IA e muitas pessoas já entendem que vai haver mudanças em diversas funções e carreiras, mas sem o receio que tinham antes. Cornacchione diz que “isso é importante para pensar o redesenho dos cursos. É preciso discutir como se ensina e aprende sabendo que vai haver mudanças em torno das carreiras”.

Para Edgard Cornacchione, “é preciso refletir na perspectiva de sustentabilidade econômica”
Em 2018 no FinancIES (fórum dos executivos financeiros para as instituições de ensino privadas do Brasil), Cornacchione falou sobre as inovações tecnológicas afetando a educação, e alertou para que as IES se preparassem para educação com custo zero. Apresentou exemplos de empresas que estavam lidando com a oferta de produtos e serviços a preço 0, dos quais os usuários e beneficiários não eram os incumbidos de fazer o pagamento para uso dos serviços.
Segundo Cornacchione, esse movimento cresceu nos últimos anos, e hoje já existem universidades privadas no Brasil que se viabilizam com essa situação apoiadas pela tecnologia. Diz que “é preciso refletir na perspectiva de sustentabilidade econômica, como você faz dinheiro, como você consegue se manter no mercado, lembrando no ponto do preço zero”. Também explica que é importante conhecer as possibilidades da IA para baixar os custos das IES. Deu como exemplo que o uso da IA pode baixar muito o custo no atendimento personalizado para públicos distintos que chegam ao ensino superior.
O controlador geral da USP alerta que a IA pode ser uma aliada para o setor educacional, mas que se preocupa, pois está vendo muita gente usando a IA para além do que seria razoável e seguro. “Os alunos e estudantes, no percurso de formação devem usar, assim como os profissionais de todas as áreas devem usar todos os recursos que estão à disposição e que tragam maior eficiência, porém o nível de crítica é fundamental”. Cornacchione diz que tem usado a frase “em busca da vantagem humana” desde que começou a levar o tema de IA para dentro do ambiente profissional e da educação, pois acha importante levantar a reflexão sobre qual é o papel da humanidade em relação a IA.
Para além de 2100, Cornacchione diz que a previsão, para alguns futurologistas, é de que a IA vai ser capaz de desempenhar todas as atividades humanas. “É uma afirmação muito assustadora. O que aconteceria em uma sociedade que eu teria todas as atividades humanas desenvolvidas por uma inteligência não natural? É preciso refletir sobre isso”.
Edgard Cornacchione e Luciano Sathler são dois dos palestrantes da FinancIES 2025 (fórum dos executivos financeiros para as instituições de ensino privadas do Brasil) que vai acontecer nos dias 5 e 6 de novembro em Florianópolis, SC. O tema central do fórum deste ano é Muito Além da IA: o futuro das IES. Confira a programação completa do evento: http://www.financies.com.br/eventos/2025