Revista Ensino Superior | As falhas que levam à evasão

Educação

Colunista

Alexandre Gracioso

Especialista e consultor em ensino superior e gestão educacional

As falhas que levam à evasão

Taxas de conclusão no ensino superior são um ponto de atenção do novo "Education at a Glance", da OECD

Evasão no ensino superior O ensino superior é cada vez mais necessário (foto: Bruno Cesar Spada/Shutterstock.com)

O mais novo relatório Education at a Glance, da OECD, acaba de sair e é natural que educadores, gestores educacionais e gestores públicos mergulhem nas mais de 500 páginas deste material para entender os principais insights da publicação. O que primeiro me chamou a atenção foram as taxas de conclusão no ensino superior. Entre os países com dados disponíveis, o Brasil é o terceiro pior colocado, com uma taxa de conclusão de 49% após 3 anos do término teórico do curso superior.

O relatório cobre tópicos tão variados como proficiência da força da população em diversos tipos de competências, a qualidade da formação educacional de cada país, acesso à educação, fontes de financiamento, entre outros. No quesito das taxas de conclusão, o país mais bem colocado, com a melhor taxa de conclusão, é a Turquia, com 64% dos ingressantes se formando ao final do período teórico do curso e 86% se formando em até três após essa data.

 

Taxas de conclusão no ensino superior, por país, no ano de término teórico do curso e três depois

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Fonte: OCDE (2025)

Cada vez mais necessário

Como professor e gestor universitário, uma desistência é sempre algo negativo. Lamentável pelo estudante, pela instituição e pelo país. O fato é que o ensino superior é cada vez mais necessário. Estudo publicado há cerca de um mês (Hosseinioun et al. (2025)) demonstra que as habilidades mais valorizadas são aquelas que dependem de um ciclo longo de formação para domínio efetivo, estando suportadas por competências de base mais amplas, que permitem que a pessoa exerça uma função com maestria.

Por exemplo, um programador, para ser bem sucedido, precisa de uma base matemática forte, assim como um criativo precisa de um repertório cultural em artes e criatividade. Competências com essas características, de serem aninhadas em competências base e precisarem de um tempo de desenvolvimento mais longo, pagam melhor e têm um menor risco de serem automatizadas.

 

Leia: EAD, evasão e busca de significado – como juntar as pontas

 

Esses resultados podem ser observados no Brasil em pesquisas com egressos como a realizada em parceria entre ABMES e Simplicity. O relatório de 2024 mostra que o apoio das instituições é fundamental para conquistar uma colocação na área. Entre os egressos que trabalham na área, 60% consideram que foram bem apoiados pela IES, enquanto somente 21% dos que trabalham fora da área, por falta de opção, compartilham dessa mesma opinião.

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Fonte: ABMES/Simplicity (2024)

Por outro lado, o percentual médio de emprego na área é um fator que contribui para melhores salários médios. Portanto, o desenvolvimento de competências realmente demandadas pelo mercado de trabalho traz vantagens muito concretas aos egressos.

 

O que pode ser feito?

Inicialmente, é preciso reconhecer que a evasão estudantil é um fenômeno complexo e multifacetado e, como tal, possui diversas causas. Algumas sobre as quais as instituições de ensino possuem maior possibilidade de atuação e outras mais distantes, que precisam de uma atuação mais coordenada da sociedade como um todo.

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Santos, Pereira & Pilatti (2025) fazem uma análise de 27 artigos sobre evasão superior brasileiro e dividem as causas em quatro grandes fatores:

  • Socioeconômicos: principalmente baixa renda, necessidade de conciliar trabalho e estudo, e problemas financeiros como dificuldade de custear transporte, materiais didáticos, além de, claro, a mensalidade propriamente dita;
  • Acadêmicos: currículo fora de sintonia com necessidades do trabalho, infraestrutura insuficiente, metodologias que não promovem aprendizagem prática, ausência de apoio acadêmico para sanar deficiências prévias de aprendizagem;

 

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  • Pessoais: baixo nível de autoeficácia (autoconfiança com relação à possibilidade de sucesso na superação de desafios acadêmicos e profissionais) e problemas de saúde mental, sendo que ambos podem ser potencializados em situações de vulnerabilidade;
  • Institucionais: dificuldades de integração e falta de acolhimento, falta de um senso de pertencimento, especialmente entre os calouros (lembrando que 25% dos entrantes evadem no primeiro ano (OCDE, 2025)).

Ou seja, a evasão pode acontecer por muitos aspectos. Porém, em um estudo recente, Inácio et al. (2023) concluíram que 50% da evasão se daria por fatores internos às instituições. Em outras palavras, as IES estão perdendo estudantes devido às suas próprias falhas estruturais e operacionais.

 

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Nesse sentido, o artigo de Pacheco, Tete & Monsuelo (2024) apresenta um extenso leque de possibilidades (43 ações no total) que se mostraram efetivas no combate à evasão. Embora o artigo não apresente uma validação estatística para cada uma das possíveis ações, isso não deve ser considerada como limitação fundamental da análise. Afinal, a implantação de ações de evasão depende, de qualquer forma, de uma análise da situação interna da instituição e do exercício de um saudável senso crítico por parte da gestão. Me parece que, nesse sentido, os autores merecem crédito por explorar o assunto de uma forma mais ampla.

Baseado nesse artigo, foram agrupadas as 43 ações em seis grandes categorias estratégicas que podem ser avaliadas pelas instituições. Não há garantia de que irão sempre funcionar, por isso, a avaliação crítica da gestão e o acompanhamento da efetividade são essenciais. A seguir, discute-se cada categoria de apoio, adicionando alguns alertas baseados em minha experiência pessoal como gestor.

 

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  • Financeiro: nos debates sobre evasão no ensino superior, a solução mais citada costuma ser também a mais óbvia: garantir suporte financeiro aos estudantes. Auxílios para alimentação, moradia, transporte, bolsas de permanência e crédito educacional aparecem como o antídoto natural contra o abandono. A lógica é simples: se a barreira econômica desaparece, o aluno permanece. Mas essa visão linear ignora um fato incômodo — a evasão raramente nasce de um único fator. Reduzir a complexidade do problema a questões financeiras é como tratar febre sem investigar a infecção: alivia o sintoma, mas não toca na causa. Não surpreende, portanto, que os resultados desses programas isolados sejam inconsistentes quando não vêm acompanhados de mudanças pedagógicas e institucionais mais profundas;
  • Pedagógico: outro caminho comum é o apoio pedagógico. Monitorias, tutorias, reforço e atendimentos extraclasse tentam preencher lacunas na formação prévia ou facilitar a adaptação ao novo ambiente acadêmico. A intenção é nobre, mas a execução frequentemente falha: os diagnósticos são genéricos, as soluções padronizadas e a eficácia, incerta. Mais preocupante ainda é a mensagem implícita: se o aluno não acompanha, o problema está nele. Pouco se questiona se os métodos de ensino fazem sentido hoje ou se os currículos realmente dialogam com as formas contemporâneas de aprender;

 

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  • Profissional: há também a aposta na orientação profissional, que parte da ideia de que clareza sobre o futuro reduz a chance de desistência. Programas de carreira, oficinas de empregabilidade e orientação vocacional buscam manter os estudantes “no trilho”. Como se diz, a diferença entre remédio e veneno está na dose e isso pode ocorrer também neste caso se  mudanças de plano forem consideradas como sinais de fracasso. Também deve-se compreender que mudanças fazem parte do amadurecimento pessoal. Em vez de aliviar pressões, essa abordagem pode aumentar a ansiedade ao sugerir que qualquer desvio de rota é um erro;
  • Bem estar psicológico e saúde mental: nos últimos anos, cresceu também a aposta em ações de bem-estar psicológico. Programas de saúde mental, apoio psicopedagógico e acompanhamento individual surgem como resposta ao reconhecimento tardio de que emoções e relações pesam tanto quanto notas e prazos. Ainda assim, há um paradoxo: ao tentar cuidar, corre-se o risco de problematizar em demasia experiências que fazem parte da transição natural para a vida universitária. Ao transformar dúvidas, inseguranças e frustrações esperadas em “problemas” clínicos, essas iniciativas podem mascarar a questão mais profunda — o caráter excludente de muitos ambientes universitários;

 

Coluna Alexandre Gracioso | Acesse todos os artigos

 

  • Integração e acolhimento: estratégias de integração e acolhimento procuram cultivar o senso de pertencimento como antídoto contra a evasão. Eventos de recepção, atividades extracurriculares, e ações que aproximam calouros e veteranos, estudantes e professores são efetivas para construir vínculos. No entanto, há um risco silencioso: focar apenas em adaptar os estudantes ao ambiente existente, sem perguntar se esse ambiente realmente merece ser preservado como está. Iniciativas de inclusão precisam ser conduzidas com cuidado, para não gerar, ainda que sem intenção, atritos desnecessários;
  • Políticas institucionais: enquanto isso, proliferam políticas institucionais que prometem atacar a evasão de forma estratégica: formação continuada de servidores, planos antievasão, comitês especializados, sistemas de informação. Mas, na prática, muitas dessas medidas se convertem em novas camadas de burocracia. Criam a sensação de movimento sem necessariamente alterar as estruturas que perpetuam a exclusão e o abandono. Multiplicam-se os documentos, não as mudanças reais.

 

Qual o caminho a seguir?

O Brasil tem um problema de evasão ou um problema de alinhamento curricular que se manifesta na evasão?

Todas as soluções apontadas acima podem contribuir para a redução dos índices de evasão, mas o problema talvez só seja resolvido com um repensar profundo da experiência formativa. Deve-se aumentar os índices de permanência e conclusão do ensino superior, mas uma crítica a essa visão (quando levada ao extremo) que não pode ser descartada é que a missão do ensino superior é formar cidadãos com capacidade de pensamento crítico e atuação profissional e que manter o estudante matriculado deveria estar subordinado a essa meta maior.

Como sempre, a virtude está no equilíbrio. Haverá estudantes que não valerão a pena manter em nossas instituições e devemos estar cientes disso. Precisamos reduzir a evasão atacando as causas que podem muito bem estar em nossos processos, em nossos currículos. Não se pode eximir da responsabilidade de fazer essa autocrítica e procurar melhorar sempre. Por outro lado, não se deve encarar toda e qualquer desistência como uma falha irremediável. Novamente, cada instituição precisa avaliar as suas práticas, os seus currículos, o impacto que seus estudantes estão imprimindo no mercado e na sociedade e decidir o melhor caminho a seguir.

 

Referências

  • ABMES / Simplicity (2024). 3a edição da pesquisa de empregabilidade ABMES e Simplicity
  • Hosseinioun, M., Neffke, F., Zhang, L. et al. Skill dependencies uncover nested human capital. Nat Hum Behav 9, 673–687 (2025). https://doi.org/10.1038/s41562-024-02093-2
  • Inácio, A. L. M., Ferraz, A. S., Bathaus, J. K. de O. B., & Santos, A. A. A. dos .. (2023). Questionário de Adaptação ao Ensino Superior Remoto: Ampliação das Propriedades Psicométricas. Psico-usf, 28(3), 491–503. https://doi.org/10.1590/1413-82712023280306
  • Pacheco, A. S. V., Tete, M. F., & Monsueto, S. E.. (2024). Ações de combate à evasão estudantil na educação superior. Avaliação: Revista Da Avaliação Da Educação Superior (campinas), 29, e024026. https://doi.org/10.1590/1982-57652024v29id28901726
  • Santos, C. A., Pereira, G. Q., & Pilatti, L. A. (2025). Análise dos fatores determinantes da evasão no ensino superior brasileiro e propostas de mitigação. Revista on line de Política e Gestão Educacional, 29, e025014. https://doi.org/10.22633/rpge.v29i00.20180

 

Por: Alexandre Gracioso | 22/09/2025


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