NOTÍCIA
Desgraçadamente, a educação é uma área na qual todo mundo se considera especialista e os pedagogos raramente são escutados
Publicado em 31/08/2015
Nos primeiros tempos de professor universitário, fui surpreendido por um fenômeno que considerava erradicado. Os meus alunos do curso de pedagogia entregavam-me “relatórios de pesquisa” enfeitados com citações do tipo: segundo fulano, conforme sicrano, beltrano disse… Devolvia-lhes os textos, dizendo que aqueles “trabalhos acadêmicos” não eram pesquisas, eram cópias. E que eu não era fofoqueiro, não me interessava saber aquilo que alguém disse, mas verificar a aquisição de saberes. Chegada a era da internet, deparei com o copy paste digital, que torna rara a produção de conhecimento e não dota os professores de um saber-fazer fecundante de práxis coerentes, que os habilite a argumentar num espaço de debate transformado em terra de ninguém – o debate sobre educação.
Algo vai mal no reino da educação quando a ignorância usurpa o espaço do debate sério, competente. Desgraçadamente, a educação é uma área das ciências humanas na qual todo mundo se considera especialista e os pedagogos raramente são escutados. Verifico que políticos falastrões não sofrem contestação durante suas intervenções nas tribunas, onde se poderia supor o debate em torno do fenômeno educativo, mas onde eles apenas derramam besteiras, sibilinamente proferidas. E é lamentável que os pedagogos não tenham voz. Ou que, também, produzam fofocas…
Nunca vi um paciente pôr em causa o diagnóstico do médico, ou alguém questionar a decisão de um engenheiro. São profissionais cujas práticas são socialmente reconhecidas e aceites, por estarem legitimadas pela lei e fundamentadas na ciência. Será pertinente perguntar: se um médico ousa discorrer sobre educação, estarei apto a fazer operações cirúrgicas? Se a comunicação social coloca uma chancela de credibilidade no diletantismo de um economista, estarei autorizado a escrever artigos sobre economia? Recentemente, um economista, para quem a pedagogia é ciência oculta, atreveu-se a escrever sobre educação, a macular a memória de Paulo Freire, num artigo publicado por um jornal de grande circulação. Porque nenhum ato é isento de ideologia e à ideologia neoliberal convém que o statu quo se perenize, o articulista abusou da liberdade de expressão para ser a voz do dono e enlamear a memória de um mestre.
Considerado patrono da educação no Brasil desde 2012, Freire dá nome a institutos acadêmicos em países como a Finlândia, a Inglaterra e os Estados Unidos. No Brasil, tem sido objeto de detratação, porque ninguém é profeta na sua terra. Aqueles que insultam a sua memória não lhe perdoam ter-se atrevido a evidenciar a natureza política (e amorosa) do ato educativo. Saberá o articulista que Freire foi convidado a ensinar em Harvard, que a universidade norte-americana se rendeu ao saber de Freire? Freire é um herói nos States. Em algo o infeliz economista tem razão: cada país tem os heróis que merece…
Enquanto alguns ignorantes pedem que Freire saia das escolas brasileiras, o amigo José reage e demonstra que Freire nunca nelas entrou: Paulo Freire nunca foi aplicado na educação brasileira. (…) Ele entra (nas universidades) como frase de efeito, como título de biblioteca, nome de salão. E a Denise também reagiu, lamentando que um jornal tivesse alojado em meia página as bobagens de um economista.
Meus amigos, não vale a pena perder tempo a contestar criaturas dessa estirpe. Continuarão, impunemente, a derramar senso comum onde lhes facultarem tribuna, não irão entender argumentos válidos. Porque não argumentam, apenas fofocam.