NOTÍCIA
Além da tecnologia, o futuro do mercado de trabalho está diretamente ligado às mudanças demográficas e globalização
Publicado em 26/09/2018
Não é novidade que o mercado de trabalho está em rápida transformação e que a tecnologia é o principal vetor desse processo. Mas, além da 4ª Revolução Industrial, a reviravolta em curso também tem outras causas. De acordo com a OCDE, organização que representa as nações mais ricas do mundo, as mudanças demográficas, a globalização e a emergência de novos valores também estão interferindo na dinâmica das profissões.
Principalmente nas 20 maiores economias do mundo, é esperada uma mudança significativa no perfil populacional. Japão, Itália, Alemanha, Rússia e China, por exemplo, terão um declínio acentuado na população economicamente ativa nas próximas décadas. O crescimento dos aposentados afetará diretamente o mercado consumidor, que passará a priorizar serviços, como os de assistência médica, em vez de bens duráveis, como carros. O contrário pode ocorrer nos países dotados de uma força de trabalho jovem, ativa e em ascensão.
A globalização também é citada no relatório da OCDE porque o barateamento dos custos de comunicação e transporte promoveu uma integração ainda maior entre os mercados. Se por um lado essa integração abre as portas para profissionais com determinados perfis, ela também assombra com a possibilidade de precarização das condições de trabalho para a maioria da população. A desindustrialização é outro efeito negativo que muitos países poderão sofrer.
Finalmente, é preciso considerar a demanda por condições de trabalho mais flexíveis, algo que se tornou possível com a evolução tecnológica. Principalmente entre os jovens, eles querem escolher para quem vão trabalhar, onde, como e em que ritmo. Em vez de pensar em como equilibrar a vida pessoal e a profissional, agora eles buscam integrar os dois universos – e isso não poderá ser ignorado pelos empregadores.
Todas essas megatendências relacionadas ao mercado de trabalho, além das mudanças específicas de cada área, estão alterando o planejamento de empresas e indústrias e também das instituições de ensino.
Atualizações curriculares
Felizmente, os exemplos bem-sucedidos de atualizações curriculares ou mesmo de completas reformulações metodológicas de um curso não faltam. As escolas de Direito mais antenadas já nem dão bola para o Exame da Ordem dos Advogados e nem deixam os cobiçados concursos públicos interferirem na orientação pedagógica e nos conteúdos ministrados.
“Concursos são arcaicos, com provas de múltipla escolha em cima de um conteúdo enorme, só avaliam capacidade de memorização. Vão contra tudo o que a gente ensina. Não nos guiamos pela prova da OAB e nem pelos concursos. Preparamos nossos alunos para a vida e não para concursos”, diz Marina Feferbaum, coordenadora de metodologia de ensino da FGV-SP. No lugar dos concursos, a tecnologia: os futuros advogados já trabalham com contratos automáticos (feitos sem a intermediação humana) e acessam extensos bancos de dados a partir de recursos como o Big Data.
Para Guilherme Martins, coordenador da graduação em Administração do Insper, a “tecnologia apoia a gestão, mas não a substitui”. Por isso, os futuros administradores não precisam ser especialistas em algoritmos, mas têm de dominar as estratégias de gestão de pessoas capacitadas a lidar com dados. Também têm de saber formular as perguntas corretas para poder extrair dos especialistas informações precisas para “tomar decisões melhores através da tecnologia, deliberações mais assertivas”, complementa. E, em grande medida, gestão de pessoas envolve versatilidade e conhecimentos socioemocionais – habilidades muito valorizadas pelo mercado e cada dia mais presentes nos currículos das escolas de Administração.
Já na área da saúde, os futuros profissionais estão aprendendo desde os primeiros anos a resolver problemas em equipe e atuar com colegas de diferentes interesses e cursos. “É importante avaliar o desempenho do aluno individualmente e também em grupo, que é como as situações se apresentam na vida real”, explica Cristiane Ruiz, coordenadora de Pós-Graduação do Centro Universitário São Camilo. A IES faz provas interativas para serem resolvidas em equipe e também dispõe seus alunos em um sistema de rotação, em que uma parte da turma assiste aulas enquanto outra trabalha conteúdos relacionados no laboratório, invertendo-se depois as posições.
Desafios
As reformulações curriculares, metodológicas ou mesmo de postura nunca são fáceis; exigem muito esforço da direção, coordenação, dos professores e inclusive dos alunos. “Todo mundo fala em interdisciplinaridade, mas é muito difícil implantar na prática e fazer funcionar”, admite o coordenador do curso de Administração do Insper. “A maioria dos professores teve restrições”, confessa José Maria Silva Junior, responsável pelas Relações Institucionais da Braz Cubas, ao explicar a mudança promovida na forma de ensino e no currículo do curso de Pedagogia.
Com treinamentos, orientações, demonstrações de resultados e muita conversa, os problemas internos advindos da necessidade de mudar vão sendo resolvidos pelas IES, mas resta ainda superar os obstáculos externos. Sem rodeios retóricos, Walter Vicioni, idealizador da Faculdade Sesi de Educação, é corajoso ao externar suas opiniões. “Pessoalmente, sou fortemente favorável à extinção do MEC e se isto não puder se realizar, creio que no mínimo é necessário mudar a sua missão e o seu papel”, dispara. Em sua argumentação, lembra-nos que países altamente desenvolvidos como Alemanha, Suíça e outros não possuem um Ministério da Educação, e “este fato não impediu a Alemanha, por exemplo, de ter uma base curricular nacional”. Para o educador com especializações, na França, Unicamp, FGV e USP, as diretrizes curriculares do MEC “já nascem ultrapassadas pela única razão de sermos especialistas em burocratizar a autonomia”. Para ele, a burocracia, o excesso de regulação e interferência impedem as IES de inovar.
Este fato, aliado ao problema de a educação ser tratada como projeto de um governo de ocasião e não de Estado, resulta em um modelo engessado e em muitos aspectos já obsoleto – e os resultados em avaliações de desempenho nos fazem corar diante da constatação de que o Brasil, oitava economia do mundo, está atrás de países como Vietnã (destruído por uma guerra há quatro décadas, menos de uma geração), Estônia (que se libertou do atraso do comunismo soviético somente em 1992) e Indonésia (país com constantes golpes de Estado e apenas a 16ª economia do mundo).
O Pisa é um exame internacional feito em 80 países e regiões do mundo e mede habilidades em matemática, linguagens e leitura. O Brasil sempre aparece entre os últimos colocados
Apesar disso, as IES brasileiras estão firmes em seu propósito de atualização. Sala de aula invertida, PBL (Problem Based Learning), TBL (Team Based Learning), resolução coletiva de problemas, novos sistemas de avaliação, experimental learning, foco na diversidade e na individualidade de cada estudante, contato frequente com o mercado de trabalho e muitas outras práticas mais arejadas já estão sendo empregadas – com sucesso – em larga escala, com a tendência de serem replicadas como você poderá conferir nas páginas seguintes.
Evidentemente que não há apenas uma saída ou uma proposta válida para todos os cursos, instituições e perfis de alunos, mas os gestores estão inquietos, pois já perceberam que as profissões mudaram e o futuro é hoje.
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