Morto em junho, o ex-ministro Paulo Renato Souza deixa à educação um legado de transformações, nem todas elas bem aceitas no setor
Agente de mudanças
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Paulo Renato Souza : o segundo ministro da Educação a passar mais tempo no cargo em toda a história republicana |
Paulo Renato Souza foi o segundo ministro a permanecer mais tempo à frente da pasta em toda a história republicana, com oito anos de exercício do cargo. Mais longevo do que ele, apenas Gustavo Canapema, ministro de Getúlio Vargas entre julho de 1934 e outubro de 1945. Morto no dia 26 de junho, vítima de um ataque cardíaco, foi também duas vezes secretário de Educação do Estado de São Paulo, nas gestões Franco Montoro e José Serra, e reitor da Universidade de Campinas (Unicamp) entre 1987 e 1991. Apesar de passar longe da unanimidade, suas ações à frente dos órgãos que coordenou em diferentes governos e gestões até hoje têm impacto na forma de organização, na qualidade e nas estruturas dos ensinos público e privado do país.
Durante todo o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o economista Paulo Renato ocupou o gabinete do ministro no 8º andar do prédio do Ministério da Educação (MEC), em Brasília: de 1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 2002. Em sua gestão estabeleceram-se as bases do sistema de avaliação educacional brasileiro. O hoje popular e repaginado Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998. O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), repaginado em 1995, tornou-se a base para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), invenção do atual ministro Fernando Haddad para aferir a qualidade das escolas e redes públicas de ensino do país. E o antigo Provão nada mais é do que uma primeira versão do atual Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), que avalia a qualidade e regula o ensino superior público e privado.
Outros projetos importantes que estruturaram a educação nos governos seguintes tiveram início ainda quando Paulo Renato comandava o MEC. O modelo de financiamento que organiza o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) é o mesmo do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef), que vigorou entre 1997 e 2006. A diferença é que o primeiro passou a incluir a garantia de recursos também para a educação infantil e o ensino médio. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regula a oferta do ensino no país nos diferentes níveis, também foi formulada no primeiro mandato de FHC, apesar de sua articulação política poder ser em muito creditada ao também ex-ministro Darcy Ribeiro.
Críticas
É principalmente no ensino superior que a gestão Paulo Renato coleciona mais críticas. O setor privado viveu um período de enorme crescimento nos anos em que ele esteve no comando da pasta. Em 1994 as instituições particulares atendiam 58% dos estudantes e até o fim do primeiro mandato de FHC as matrículas nesses estabelecimentos cresceram 59%. Em parte, o setor privado preencheu um vazio deixado pelas universidades púbicas que viveram um período de baixo investimento e tinham pouca capacidade de expansão. Entre os reitores é comum a fala de que naquela época batiam à porta do MEC porque faltava verba para pagar as contas de luz e água e muitas vezes o serviço era cortado por inadimplência. A demanda pelo diploma universitário era enorme e os estabelecimentos particulares souberam aproveitar a oportunidade com apoio do governo. A rede federal de ensino técnico também teve pouca atenção quando Paulo Renato comandou o ministério e nenhuma nova escola foi criada no período.
Na sua segunda passagem pela Secretaria de Estado da Educação paulista, o ex-ministro enfrentou polêmicas e uma conturbada greve ao propor a criação de uma prova que permitiria que os professores ascendessem na carreira, podendo, segundo o anúncio atingir picos salariais de até R$ 7 mil. O problema é que a medida permitia que apenas 20% do total dos docentes alcançassem novos patamares, o que claramente feria princípios de isonomia (ao menos no plano das oportunidades). Sua gestão também foi marcada pela continuidade da política de bônus e por greves promovidas pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp). Em uma delas, professores foram agredidos por policiais durante passeata e Paulo Renato defendeu que o movimento visava enfraquecer o então governador do estado e pré-candidato à presidência, José Serra. A política de pagamento de bônus por desempenho é criticada pelo atual secretário, Herman Woorvald, que promete modificá-la.
A gestão foi marcada, ainda, por uma questionável mudança na escala de proficiência dos alunos no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). Um dos quatro níveis da escala foi retirado, fazendo com que estudantes passassem arbitrariamente a ser classificados com desempenho suficiente.
Último ato
Paulo Renato assumiu a secretaria no fim de 2009, licenciando-se do cargo de deputado federal conquistado nas eleições de 2006. Mas a sua primeira passagem pelo órgão foi entre 1984 e 1986 no governo Franco Montoro, eleito na primeira eleição direta para governador promovida no processo de abertura política do país. Foi também um dos fundadores do PSDB, em 1988, e ocupou cargos em organizações internacionais, como a vice-presidência do Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID), em Washington, nos Estados Unidos. Retornou ao país para trabalhar no programa de governo do então candidato à presidência Fernando Henrique Cardoso. Permaneceu à frente da educação paulista até dezembro de 2010. Vítima das dissensões de seu partido, foi preterido no processo sucessório que reconduziu o grupo do governador Geraldo Alckmin ao poder, pois sua figura era muito ligada ao ex-governador José Serra.
O Legado de Paulo Renato, por Maria Helena Castro Guimarães * | |
Uma perda imensa para todos nós que militamos na educação, Paulo Renato foi um exemplar homem público. Agregador, bem-humorado, sempre entusiasmado com novas ideias e projetos, tinha especial vocação para lidar com pessoas e sempre ouvir sua equipe. Deixou um grande legado como ministro de Educação nos oito anos do governo Fernando Henrique, secretário de Educação de São Paulo nos governos Montoro e José Serra e reitor da Universidade Estadual de Campinas. |
Contribuição a ser superada, por Daniel Cara* | |
Paulo Renato Souza foi o segundo ministro da Educação mais longevo da história do Brasil. Membro destacado do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), seu mandato está para a educação como a gestão FHC está para a estabilidade econômica. |