Reunidos na USP, eles demonstraram preocupação com os caminhos do MEC. Fundeb, educação básica e autonomia universitária são as principais bandeiras do grupo
Publicado em 06/06/2019
Seis ex-ministros da Educação ligados aos governos Collor, Itamar, Lula e Dilma apresentaram uma carta aberta à sociedade em que afirmam que a educação no governo Bolsonaro está ameaçada e que a pasta tende a retroceder.
Eles também anunciaram a criação do Observatório da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que visa dialogar com todas as instâncias sociais: da acadêmica e científica à de gestores e secretários de Educação.
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Segundo o grupo, a atual administração entende a educação como política de governo e não de Estado, além de atuar de forma sectária. Para Renato Janine Ribeiro, a defesa do Escola sem Partido, às críticas às discussões sobre gênero nas escolas e os ataques ao educador Paulo Freire são exemplos disso.
Participaram da reunião e assinam a carta: José Goldemberg (governo Collor), Murílio Hingel (Itamar Franco), Cristovam Buarque (Lula), Fernando Haddad (Lula e Dilma), Aloizio Mercadante (Dilma) e Renato Janine Ribeiro (Dilma). O encontro aconteceu no Instituto de Estudos Avançados da USP.
“O que está acontecendo é pior do que imaginávamos. Estamos aqui tentando dar nossa contribuição como cidadãos”, explicou o senador Cristovam Buarque.
Educação básica pública como prioridade nacional, ampliação e renovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e autonomia universitária são os pilares da carta.
Em um dos trechos do documento, os ex-ministros avisam: “convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas”.
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Fernando Haddad lembrou que a educação só começou a ter importância nacional na Constituição de 1988. A valorização da área, portanto, é recente. “De 88 para cá a Constituição priorizou a educação e os indicadores começaram a mudar para melhor.”
Sobre as instituições de ensino superior, Murílio Hingel, salientou que “desde que se originaram, as universidades sempre foram incômodas (incomodavam os reis)…porque as universidades são espaços de discursos e reflexões. É próprio delas a adversidade e discussão”.
Nós, ex-ministros da Educação que servimos o Brasil em diferentes governos, externamos nossa grande preocupação com as políticas para a educação adotadas na atual administração. Nas últimas décadas, construiu-se um consenso razoável sobre a educação, que se resume numa ideia: ela é a grande prioridade nacional.
Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos irreversíveis e até fatais. Uma criança que não tenha a escolaridade necessária pode nunca mais se recuperar do que perdeu. A morte de uma pessoa por falta de atendimento médico é irreparável. Por isso, educação e saúde devem ser preservadas e priorizadas, em qualquer governo.
Uma educação pública básica de qualidade forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com independência e sem imposições, suas potencialidades singulares.
A educação é, ainda, crucial para o desenvolvimento social e estratégico da economia do Brasil. A economia não avança sem a educação, que é a chave para nosso país atender às exigências da sociedade do conhecimento.
O consenso pela educação como política de Estado foi constituído por diferentes partidos, por governos nas três instâncias de poder, fundações e institutos de pesquisa, universidades e movimentos sociais ou sindicais. Em que pesem as saudáveis divergências que restaram, foi uma conquista única, que permitiu avançar no fortalecimento da educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da educação técnica e profissional, no esforço pela alfabetização e educação de adultos, na avaliação da educação em todos os seus níveis, na ampliação dos anos de escolaridade obrigatória com aumento expressivo das matrículas em todos os níveis de ensino, na expansão da pós-graduação, mestrado e doutorado e, consequentemente, na qualidade da pesquisa e produção científica realizada no Brasil.
É impressionante que, diante de um assunto como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade.
Em nenhuma área se conseguiu um acordo nacional tão forte quanto na da educação. A sociedade brasileira tomou consciência da importância dela no mundo contemporâneo.
Numa palavra, a educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça.
Concordamos todos que a educação básica pública
deve ser a grande prioridade nacional, contribuindo para superar os flagelos da
desigualdade social gritante, da falta de oportunidades para os mais pobres e
do atraso econômico e social. Ela implica o aprimoramento da formação dos
professores, do material didático, a constante atenção à Base Nacional
Curricular Comum, a valorização das profissões da educação, inclusive no plano
salarial, a reforma do ensino médio, o aperfeiçoamento da gestão educacional, a
construção de diretrizes nacionais de carreira de professores e diretores do
ensino público. Requer a constante inovação nos métodos, deslocando-se a ênfase
no ensino para a aprendizagem, que deve ser o centro de todos os
nossos esforços.
Exige também o empenho na educação infantil e na alfabetização na idade certa, a melhora das escolas e dos laboratórios e bibliotecas e, mais que tudo, o respeito à profissão docente, que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas.
Não menos importante é o fortalecimento da cooperação e da colaboração entre União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e o respeito à autonomia das redes, como determinam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a própria Constituição Cidadã de 1988. Não podemos ignorar o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional, os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação, já pactuados entre a sociedade, os governos e a própria comunidade escolar. Ele decorre de iniciativas que já vinham de longe, como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993/2003), elaborado pelo MEC com apoio dos estados, dos municípios, do Distrito Federal, de entidades representativas da área educacional e que atendia a compromisso internacional assumido pelo Brasil na Conferência realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), de que o Brasil participou, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial.
Enfim, e para somar esforços em vez de dividi-los, é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema Nacional de Educação.
Ademais, a prioridade à educação básica demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que expira em 2020. Sem ele, a situação do ensino nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará desesperadora.
No tocante à expansão do ensino superior, é fundamental se assegurar o ingresso e permanência dos estudantes, especialmente dos egressos das escolas públicas e das famílias de baixa renda. O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente, impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias. A autonomia universitária é uma conquista que deve ser mantida para garantir a liberdade e qualidade na pesquisa, formação e extensão.
O Brasil dispõe, hoje, de uma lista de políticas devidamente estudadas e estruturadas, de medidas e instrumentos que permitem progredir significativamente na educação. Nada disso é ou será fácil, mas o consenso obtido e o aprimoramento das medidas clamam pela junção de esforços em prol de uma educação que se equipare, em qualidade, à dos países mais desenvolvidos.
Muito tem de ser feito, tudo pode ser aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na destruição das conquistas, no desmonte das políticas públicas implementadas e no abandono dos planos construídos pela cooperação entre os entes eleitos e a sociedade.
Vimos a público defender esta causa estratégica para as futuras gerações e propomos a formação de uma ampla frente em defesa da educação. Nós, neste momento, estamos constituindo o Observatório da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que se coloca à disposição para dialogar com a comunidade acadêmica e científica, sociedade e entidades representativas da educação, com parlamentares e gestores, sempre na perspectiva de aprimorar a qualidade da política educacional.
Assinam este documento os ex-ministros da Educação:
José Goldemberg
Murílio Hingel
Cristovam Buarque
Fernando Haddad
Aloizio Mercadante
Renato Janine Ribeiro
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