NOTÍCIA

Formação

O desafio de formar os futuros empresários

Apesar do crescente interesse dos alunos, pesquisas recentes revelam que a maior parte das IES não trabalha adequadamente a questão do empreendedorismo

Publicado em 29/03/2017

por Jose Eduardo Coutelle

Destaque

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Marina Sierra de Camargo, coordenadora de Empreendedorismo do Senac-SP

Abrir um negócio e iniciar uma atividade própria está na lista de prioridades de uma considerável fatia da população brasileira. A vida sem chefes é um desejo real e uma opção de carreira bem avaliada por mais de 70% dos trabalhadores. E essa aspiração não vem se limitando apenas ao campo das ideias. Cerca de quatro em cada 10 habitantes profissionalmente ativos já haviam dado esse passo e, em 2015, mantinham sua própria empresa em funcionamento. Com uma área de atuação delimitada e um número de CNPJ em mãos, eles compunham o distinto grupo de empreendedores do país.

Mas o sonho do próprio negócio, comum a 34% dos brasileiros, vem sofrendo um duro golpe e, em média, metade dos empreendimentos iniciados fecham as portas ao longo dos primeiros quatro anos de existência, aponta uma pesquisa do IBGE de 2015. E este índice preocupante encontra correlação em outros estudos, que por sua vez destacam a tímida atuação do segmento de ensino superior no fomento de bons empreendedores.

Essa observação foi apontada pelo relatório da Global Enterpreneurship Monitor 2015. Especialistas ouvidos destacaram que a questão ‘educação e capacitação’ é o segundo maior problema para empreender no país, somente atrás de ‘políticas públicas’, com seu excesso de burocracia e alta carga tributária. Entre as recomendações destacadas, os pesquisadores propuseram que o empreendedorismo seja trabalhado como disciplina transversal e esteja presente em todos os níveis educacionais, do básico ao superior, fazendo uso das tecnologias da informação. O estudo destaca ainda a necessidade de fortalecer o que se chama de ecossistema empreendedor, formado, entre outros, por incubadoras, aceleradoras e laboratórios de fabricação digital, os fab labs.

Formação acadêmica
Apesar da recomendação de que o tema seja trabalhado em todos os níveis educacionais, há muito a ser feito ainda. De acordo com a pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras, realizada pelo Instituto Data Popular a pedido da Endeavor e do Sebrae, a maioria das instituições está falhando na oferta e no fomento a questões ligadas ao empreendedorismo. Além disso, há uma grande discrepância entre professores e estudantes sobre o entendimento do que vem sendo feito nos bancos escolares. Enquanto 65% dos docentes estão satisfeitos com as iniciativas tomadas pelas universidades, esse índice despenca para 36% quando a pergunta é direcionada aos alunos.

A disparidade identificada pela pesquisa revela alguns descompassos do setor acadêmico e, principalmente, a falta de diálogo com os discentes. O estudo apontou que 6% dos universitários brasileiros já são empreendedores e outros 21% pretendem abrir seu próprio negócio. Porém, entendem que as instituições de ensino precisam fazer a sua parte para ajudar no processo.

Mais da metade dos alunos empreendedores (56%) avalia como essenciais um conjunto de ações que inclui a presença de disciplinas de empreendedorismo nas grades curriculares, parcerias com incubadoras e realização de eventos voltados ao setor com a presença de especialistas da área. Em contrapartida, apenas 38,7% das universidades oferecem algum desses serviços e, em sua maior parte, a iniciativa é reduzida à oferta de disciplinas voltadas à ‘inspiração para empreender’. Por outro lado, programas mais amplos, inovadores e que tenham por objetivo a criação e gestão de novos negócios são exclusivos de uma diminuta parcela de 6,2% das universidades brasileiras.

O papel das instituições
Aqui entra uma indagação importante sobre a missão das instituições de ensino superior. É papel da academia o de apoiar, incentivar e oferecer meios para que seus alunos desenvolvam um viés empreendedor em suas carreiras? A resposta da maioria absoluta dos especialistas consultados é sim. As faculdades devem seguir formando profissionais para atuar no mercado, na academia e no setor público, mas também incentivar e disponibilizar mecanismos para a geração de novos empreendedores, o que vem ao encontro deste novo perfil de trabalho com tendência de redução de postos tradicionais e aumento da procura por colaboradores mais versáteis.

“Há uma discussão de que o aluno precisa aprender fazendo. Várias carreiras tendem a desaparecer. Novos desafios surgirão numa comunidade muito dinâmica. A ideia de trabalho com carteira assinada vai mudar no século 21. Provavelmente esse profissional irá prestar serviços. Há uma percepção clara de fomentar o espírito empreendedor para que se possa transformar ideias em serviços e com isso gerar inovação”, aponta Fábio Reis, diretor de Inovação Acadêmica e Redes de Cooperação do Semesp.

Na avaliação do diretor, assim como na de muitos especialistas da área, o setor do ensino superior está num processo de reformulação e há, de maneira geral, intenção de pensar no empreendedorismo de forma mais ampla. Porém, a constatação da pesquisa da Endeavor, de que o tema ainda é tratado de forma isolada, revela que as faculdades estão bastante atrasadas no desenvolvimento. Reis destaca que as disciplinas gerais de empreendedorismo são relevantes como um primeiro contato com o tema, porém, precisam superar modelos teóricos e trabalhar com problemas reais. E o mais importante: não podem se esgotar logo após o final do semestre. A instituição deve oferecer mecanismos para que os futuros empresários deem continuidade a seus projetos.

Questão estratégica
Neste ponto, os Centros de Empreendedorismo criados por algumas – ainda poucas – IES têm sido uma das boas soluções desenvolvidas e estão conectando estudantes-empresários a investidores e demais parceiros de mercado. De maneira transversal e acessível aos alunos de todos os cursos, os centros não necessitam de grandes orçamentos, pois, na maioria das vezes, utilizam os próprios professores da rede e recursos advindos de parcerias com a iniciativa privada e com agências de fomento à pesquisa.

Mas a mudança no fazer universitário não deve, na avaliação do diretor do Semesp, ser uma atitude restrita a um grupo de professores e funcionários. A iniciativa necessita incluir os docentes e, além disso, precisa ser consolidada como estratégia institucional. Ou seja, ser uma diretriz orientada pela direção. “Sem dirigentes, gestores e coordenadores, é difícil mudar. Acredito num processo instigado pela liderança, mas que também nasça de uma vontade dos professores. É preciso mudar o projeto da IES, caso contrário, se formarão ilhas com poucos professores tomando atitudes”, prevê Reis.

Sem grandes necessidades financeiras, a implantação de um modelo de ensino mais empreendedor, muitas vezes, esbarra numa visão conservadora dos gestores e no desconhecimento dos docentes. O diretor de Inovação do Semesp comenta que, de modo geral, reitores costumam olhar muito para os próprios problemas cotidianos e pouco para o que ocorre fora do ambiente em que atuam. “Eles fazem uma gestão do dia a dia. A dificuldade é que temos dirigentes que ficam sempre na mesma coisa. Com a mudança do perfil de trabalho, grande acesso à tecnologia e crise do modelo tradicional de emprego, se a instituição não mudar, vai ter dificuldades de concorrência. Ela vai deixar de ser relevante e atrairá cada vez menos alunos”, pontua o diretor.

Foco nos professores
Enquanto isso, o segundo ponto que precisa ser revisto é o papel dos professores. A maioria que consolidou a política de empreendedorismo com algum grau de sucesso apostou na formação de seus próprios docentes e na seleção de profissionais com alguma experiência de mercado. Para Fábio Reis, essas são medidas eficientes e devem ser continuadas. “Precisamos de um novo perfil de professor, o que não é uma coisa tão fácil. O ideal é que seja alguém que conheça a área, rompa com o que é tradicional e desenvolva o empreendedorismo em ação”, sugere. E essas mudanças podem ser fundamentais para suplantar os índices apontados pela pesquisa da Endeavor. Conforme o relatório, quase a metade dos alunos empreendedores, 48,5%, sequer conversam sobre seus negócios com o professor ou com qualquer outro profissional da universidade.

Para tentar reverter esse cenário, o Sebrae deu início ao Programa Nacional de Educação Empreendedora, que mantém ações voltadas a formar alunos e também professores. Cerca de 50 mil docentes, de todos os níveis, já receberam a capacitação. E, tratando-se do ensino superior, somente no ano de 2016, mais de 20 mil universitários trabalharam conteúdos de empreendedorismo com esses professores. Ainda assim, esse é um número bem reduzido quando comparado à dimensão total do programa: 2 milhões de estudantes da rede pública e privada nos diversos níveis de ensino em todo o país.

Na opinião de Mirela Malvestiti, gerente da Unidade de Desenvolvimento de Produtos e Cultura Empreendedora do Sebrae Nacional, quanto mais cedo o aluno tiver acesso a orientações sobre empreendedorismo, melhor para todos os segmentos da sociedade. “É bom para o jovem, porque muitos universitários sequer consideram que ter o próprio negócio pode ser uma opção profissional viável e satisfatória. E é bom para a economia. Os pequenos negócios são particularmente importantes no país, pois representam mais de 95% dos CNPJs existentes e geram mais da metade dos empregos formais. Empreendedores mais bem capacitados tendem a construir empresas mais sólidas. Dessa forma, elas podem contribuir mais para a geração de emprego e renda”, avalia a gerente.

E nesta conjuntura, com relação ao papel das instituições de ensino superior, Mirela deixa seu puxão de orelha e ressalta a necessidade de mudanças. Para ela, as IES deveriam estar mais conectadas com o mercado e o empreendedorismo precisaria ser um tema mais bem valorizado. Entre as medidas sugeridas, aponta a necessidade de um maior estímulo à formação e manutenção de incubadoras, apoio a núcleos e projetos de empreendedorismo e realização de eventos sobre o tema, como, por exemplo, palestras de ex-alunos que tenham aberto uma empresa.

Ecossistema empreendedor
Outro estudo, também publicado em 2016 e que confirma a opinião de Mirela, identificou alguns pontos que precisam ser trabalhados para desenvolver o que se chama de ecossistema empreendedor. A pesquisa Universidades Empreendedoras, conduzida pelo Brasil Junior, apontou os principais caminhos e enumerou algumas ações importantes a serem tomadas. Entre elas, o relatório destaca o incentivo à formação de organizações estudantis voltadas ao empreendedorismo; uma postura mais empreendedora do corpo docente e discente; infraestrutura que abrigue incubadoras e parques tecnológicos; proximidade das instituições de ensino com as empresas; e, por fim, disponibilidade de disciplinas específicas.

Considerada a bola da vez, medidas em prol do empreendedorismo vêm recebendo cada vez maior apoio da sociedade civil e prometem ganhar maior dimensão. Para Marcus Quintella, coordenador do curso de MBA Executivo em Empreendedorismo da FGV, esse processo é irreversível e já despertou o interesse de escolas e do meio empresarial. Porém, na avaliação dele, apesar de ser uma questão relativamente recente para as instituições de ensino superior, o tema ainda não despontou de vez pelo fato de não ter conquistado o que chama de ‘graça acadêmica’. “O engenheiro é um empreendedor por natureza. E não tem nada na formação dele que o incentive; ele só vai estudar as matérias inerentes à engenharia. Da mesma forma, no curso de finanças, só depois de formado o egresso poderá se especializar. Então, por que não se começa a estruturar isso já na graduação?”, questiona Quintella.

Na visão de Fábio Reis, vão ganhar relevância as instituições que entenderem a importância do assunto e se estruturarem para trabalhá-lo de forma sistemática em seus cursos. Nos próximos três anos, em torno de 100 a 200 faculdades participarão desse grupo, acredita. Porém, a competitividade vai exigir, em cinco anos, um número maior de instituições fomentando o empreendedorismo. A ordem, portanto, é acelerar o passo: “Quem vier nesta segunda leva vai enfrentar muitas dificuldades”, prevê Reis.

Foco nos docentes
Algumas instituições de ensino superior largaram na frente e tomaram a dianteira nessa corrida por trabalhar questões de empreendedorismo em suas grades curriculares. É o caso do Senac-SP, que para desenvolver o tema em todas as suas diversas áreas de formação investiu pesado na capacitação dos docentes. A coordenadora de Empreendedorismo, Marina Sierra de Camargo, comenta que todos os professores são convidados a participar de uma porção de ações voltadas à atualização na área. Uma das portas de entrada é o curso de atividade empreendedora. Aqui os docentes recebem uma bagagem do conteúdo e desenvolvem uma apresentação ao fim das 24 horas de aulas. E o interessante é o elevado grau de aceitação.

O curso é opcional e, ainda assim, mais de 6 mil, de um total de 10 mil, já receberam a formação.

Uma vantagem do Senac-SP nessa área é que seus professores já têm, em sua maioria, um pé no mercado, o que facilita a realização de práticas empreendedoras, que são recomendadas a todas as disciplinas. E para fomentar ainda mais essas ações, a escola mantém uma série de vídeos sobre o tema em seu canal do YouTube.

Já em relação aos programas direcionados aos alunos, todos os cursos têm uma disciplina universal a distância no primeiro ano. O intuito é introduzir o tema e propor discussões sobre economia criativa e mercado, entre outros, já no primeiro contato do aluno na graduação. Na sequência, cada uma das formações tem suas disciplinas específicas de empreendedorismo. No caso do curso de moda, ao fim de todos os semestres os estudantes precisam fazer uma entrega prática juntamente com um plano de negócios. E para quem deseja se aprofundar ainda mais, o Senac-SP oferece uma atividade extracurricular chamada Empreenda. Lá, o aluno apresenta uma ideia de negócio e, caso seja aprovada, inicia o desenvolvimento do projeto com ajuda de mentorias.

Empreendedorismo na prática
Outra instituição que vem se destacando na área é a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). A escola oferece uma formação bastante ampla e com diversas atividades para os alunos. À frente dessas ações, a coordenadora do Centro de Desenvolvimento de Empreendedorismo, Letícia Santinato Menegon, conta que um dos objetivos da instituição é que todos os seus estudantes recebam, em algum momento do curso, conteúdos empreendedores. E isso já começa no primeiro ano da graduação, quando eles são convidados a avaliar os projetos da Feira de Empreendedorismo desenvolvidos pelos alunos mais avançados.

O passo seguinte são as disciplinas gerais de empreendedorismo, que são trabalhadas de formas diferentes em cada uma das formações. Mais adiante, a partir do 5º semestre, os alunos podem optar por fazer três disciplinas eletivas da área. Letícia conta que a novidade – que terá início no 1º semestre de 2017 – foi muito bem aceita e, inclusive, foi preciso abrir duas turmas extras. O objetivo deste um ano e meio de estudos é abordar o empreendedorismo de forma prática e ao final apresentar um produto ou serviço inovadores. Entre os enfoques estão jogos de simulação e a agenda de 2030 da Organização das Nações Unidas. Mais à frente, os alunos terão de desenvolver um plano de negócio voltado a algum problema social, e encerram montando uma empresa e apresentando um protótipo.

Para completar as ações das grades curriculares, a ESPM oferece ainda a opção de o aluno realizar um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) Empreendedor e não somente a versão acadêmica. O empenho mais recente da escola, iniciado em 2016, foi a criação de uma estrutura mínima envolvendo todos os cursos, com a integração dos coordenadores das sete áreas e capacitação dos professores orientadores.

Por fim, os alunos que desejarem se tornar empresários podem buscar a incubadora de negócios da ESPM. Ela tem capacidade para hospedar fisicamente até 14 empresas, e desenvolve, atualmente, outros 40 projetos não alocados no escritório. Com mais de 60 empreendimentos graduados – o que significa que cumpriram um ano e meio hospedados e sobreviveram no mercado por mais dois anos –, a incubadora oferece serviços de assessoria operacional e financeira, mentorias com especialistas, além de encontros com investidores e agências de fomento.

Demanda crescente
O aumento da procura entre os alunos por uma formação mais empreendedora também foi sentido na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Nelson Fragoso, coordenador da incubadora da instituição e especialista em desenvolvimento e inovação, comenta que é crescente o número de projetos encaminhados a ele e que, para atender ao aumento dessa demanda, já está em testes um modelo de incubação virtual ou a distância, mais ou menos como nos moldes da ESPM. Atualmente, a incubadora opera em sua lotação máxima, com 11 empresas, e ao longo dos anos já graduou outros 11 empreendimentos. Mas este é o passo final das ações voltadas ao tema na universidade.

“O empreendedorismo é visto pela reitoria e empregados na Mackenzie como elemento-chave no desenvolvimento dos alunos”, destaca Fragoso. Para isso, o aprendizado começa a partir do segundo ano de curso, quando são ministradas disciplinas específicas sobre a matéria. Elas aliam embasamento teórico com experiências do mundo real, onde são apresentados casos de empreendedores que deram certo e também aqueles que falharam. Ao longo dos seis meses, os estudantes desenvolvem todas as etapas de um plano de negócios e apresentam o projeto a uma banca.

A Feira de Inovação e Projetos, realizada anualmente, é mais uma opção oferecida aos alunos que desejam empreender. E para os estudantes que quiserem seguir em frente, o passo seguinte é buscar a incubadora. No primeiro momento, ele ingressa na pré-incubadora onde recebe orientações para desenvolver seu plano de negócios e avaliar a pertinência do produto. “Os alunos chegam aqui entusiasmados. Quando eles veem a dificuldade de abrir uma empresa, muitos desistem. Eu procuro receber o máximo possível de projetos para ir refinando e assim possam se tornar empresas no fim de um ano”, explica Fragoso, que já chegou a coordenar 35 projetos ao mesmo tempo.

 

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Autor

Jose Eduardo Coutelle


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