NOTÍCIA

Ensino edição 232

Ex-reitora explica como criou nos EUA universidade que busca combater desigualdade

Em entrevista à Ensino Superior, Christine Ortiz detalha o processo de criação da Station 1

Publicado em 17/09/2018

por Marina Kuzuyabu

Christine Ortiz Christine Ortiz deseja que o conhecimento gerado em sua instituição afete positivamente a sociedade (foto: divulgação)

Christine Ortiz

Christine Ortiz deseja que o conhecimento gerado em sua instituição afete positivamente a sociedade (foto: divulgação)

Nos Estados Unidos, os estudantes de famílias ricas têm oito vezes mais chances de conseguir um bacharelado do que estudantes mais pobres. E, ao contrário do que seria esperado, essa desigualdade só está aumentando. “Por que somente algumas pessoas têm acesso a uma educação transformadora, humanística, de alta qualidade? Por que isso deveria continuar restrito a apenas algumas pessoas?”, questiona Christine Ortiz, que há 20 anos dá aulas no MIT (Massachusetts Institute of Technology), onde também ocupou o cargo de reitora dos cursos de graduação.

Inconformada com essa crescente desigualdade e com o fato de o conhecimento gerado pelas pesquisas acadêmicas ter pouco impacto social, ela fundou com mais duas parceiras a instituição de ensino Station 1. Sua missão é justamente atacar esse cenário, dando oportunidade para alunos com alto potencial, independentemente de suas condições financeiras, de fazer um curso superior e impactar positivamente a sociedade.

Em visita ao Brasil, onde se apresentou no seminário O Futuro do Ensino Superior, promovido pelo Semesp, Christine concedeu esta entrevista e explicou sua visão educacional e os desafios que planeja enfrentar.

Essa ideia de combater a desigualdade no ensino superior tem relação com o MIT, onde você dá aulas há 20 anos?

Eu diria que essa desigualdade é um problema global. É um fenômeno nacional e global mais amplo, que está acontecendo em todo o mundo. De maneira geral, a educação nas áreas de ciência e engenharia precisa avançar nessa direção.

Como foi o processo de criação da  Station 1? Como você se preparou para essa jornada?

Tirei um ano sabático para visitar muitas instituições ao redor do mundo, da Austrália a Hong Kong, de Israel à Suécia. Já tinha visitado o Brasil e o México, mas dessa vez não passei pela América Latina. Vi muitas coisas interessantes, mas uma chamou atenção especificamente: esse movimento em direção à aprendizagem baseada em projetos. Quando vimos [Christine e sua equipe] esse tipo de esforço em torno da aprendizagem baseada em projetos, pensamos como poderíamos incorporar e avançar essa ferramenta pedagógica, considerando sua heterogeneidade em termos de eficácia e qualidade.

Nós também nos inspiramos com o modelo de pesquisa baseada em projetos, mas percebemos que os dois (a pesquisa e a aprendizagem) estão separados. Outro destaque foi a emergência de todas essas questões relacionadas à rápida evolução da ciência e da tecnologia, o que nos levou a refletir profundamente sobre como poderíamos reformar o atual processo educacional considerando esse cenário. Por fim, sobressaiu o uso – e o interesse – pelas tecnologias digitais. Havia muita coisa acontecendo em uma dessas três áreas, e conhecê-las nos ajudou a aperfeiçoar e a desenvolver o nosso modelo.

A Station 1 se posiciona como a universidade do futuro. Qual será o caminho até chegar a esse estágio de universidade?

Estamos construindo as bases para a universidade do futuro, pois temos a intenção de ser uma instituição acreditada [certificada]. Mas esse processo é longo, especialmente a parte da acreditação, que pode levar de cinco a dez anos nos Estados Unidos. Neste momento, a Station 1 oferece aos estudantes um programa imersivo nas áreas de ciência e tecnologia, de curta duração, destinado a complementar a graduação. Mas nós temos processo de admissão, temos espaços de aprendizagem físicos, temos alojamento estudantil, todas essas coisas.  O cenário pode mudar dentro de dez anos. Mas neste momento eu não me sentiria confortável em criar uma credencial alternativa ao diploma, pois ele é a moeda do mercado atual.

E também acho que há algum valor no licenciamento e no credenciamento, no sentido de que você se integra a uma comunidade de instituições que a impulsiona para a melhoria contínua. Então, essas são algumas  das razões pelas quais eu penso no credenciamento. Mas diria que estou impressionada com o quanto conseguimos fazer sem uma licença ou credenciamento, e também com a liberdade para inovar. Outra coisa que me surpreendeu foi a enorme demanda. Tivemos mais de 800 candidatos para o nosso primeiro programa. Ficamos bastante convencidos de que vamos continuar oferecendo esse tipo de programa imersivo.

Quantos estudantes foram selecionados e como foi o processo de admissão? 

Nós estamos com 18 alunos agora. Começamos nosso processo de admissão em dezembro e o encerramos depois de cinco meses. Foi um processo de admissão holística.

De que maneira esse processo se diferencia dos demais processos existentes nos Estados Unidos?

Por muitos anos eu estive envolvida em processos de admissão. Começamos com o que existe de melhor e depois criamos o nosso próprio processo. Em vez de usar as métricas dos exames padronizados, criamos um critério para avaliar o potencial de crescimento dos alunos. Analisamos aonde o aluno chegou até aquele momento, considerando suas condições, e o quanto ele poderia se beneficiar com o que oferecemos. A base que usamos para fazer esse tipo de avaliação são as narrativas. Temos ensaios, ensaios muito específicos, que avaliam o potencial do aluno e também o alinhamento ou interesse dele em fazer pesquisa socialmente direcionada. Queremos que os alunos tenham interesse e verdadeira paixão pela nossa missão.

Temos um currículo muito longo, muitos projetos, portanto, os alunos precisam realmente estar interessados ​​e apaixonados para concluir o programa. Além dos ensaios, temos entrevistas. Fizemos mais de cem entrevistas – pessoalmente e pelo Skype – e criamos um critério para avaliá-las. Nosso processo tem muitos estágios, de fato. Também estamos muito atentos a coisas como preconceito implícito, nossos próprios preconceitos e preconceitos de gênero. Criamos uma consciência entre nós para evitar que a avaliação fosse prejudicada por qualquer inclinação pessoal.

Ao final desse processo, vocês conseguiram montar um grupo diversificado?  Como vocês lidam com as diferenças entre os alunos, principalmente as diferenças de conhecimentos?

Nós formamos um grupo bem diversificado. Há estudantes de todo o país, oriundos de todos os contextos. Os estudantes vêm em diferentes níveis e nós temos que adaptar nosso currículo em torno disso, além de, basicamente, seguir o ritmo de aprendizado deles. Utilizamos plataformas digitais para dar suporte, além de oferecer-lhes instrutores e promover a aprendizagem entre pares. Portanto, é uma combinação das tecnologias digitais, o feedback do instrutor e o aprendizado entre pares, que é uma parte muito importante disso. Há também um componente socioemocional embutido em todo o processo. Um grupo diverso pode ser muito produtivo, mas também pode dar em nada. Tudo depende da estrutura que você disponibiliza, que pode liberar o potencial dos alunos. Nós estamos começando, mas os resultados até este momento são bastante positivos.

Os processos da Station 1 parecem quase artesanais. É uma impressão verdadeira?

Sim. Há nuances sutis em tudo que fazemos. Nosso princípio fundamental é promover a inclusão, portanto, trabalhamos com componentes socioemocionais em todo o processo, desde a admissão até a graduação. É incrível ver o quanto os alunos conseguiram avançar em apenas dez semanas e como conseguimos transformá-los. Na verdade, criamos um grupo de estudantes e são eles que estão se transformando. A nossa parte foi configurar o ambiente e equipá-lo com ótimos instrutores, que garantem o componente humano necessário para aprender. O que realmente transforma uma pessoa é o componente humano do processo de aprendizagem. Quando os alunos alcançam as coisas, há definitivamente motivação e paixão para alcançá-las e, invariavelmente, toda uma infraestrutura social que suporta esse aluno.

Por enquanto vocês têm apenas 18 alunos. Como farão para expandir esse modelo para um número maior de estudantes?

Essa é uma grande questão, pois na área da educação quando você ganha escala você tende a perder esse componente humano. Tudo se torna robotizado, frio, e você perde os principais componentes da educação. Portanto, ganhar escala é um desafio e também uma oportunidade para mudar as coisas. Por que somente algumas pessoas têm acesso a uma educação transformadora, humanística, de alta qualidade? Por que isso deveria continuar restrito a apenas algumas pessoas? São perguntas como essas que nos movem. Esse desafio requer uma abordagem sistêmica e acho que esta não é uma tarefa para ficar exclusivamente nas mãos de três, cinco ou seis pessoas. Ela demanda esforços coletivos de âmbito local e mundial. Do contrário, vamos continuar com essas desigualdades.

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Autor

Marina Kuzuyabu


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