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“Ah, mãe, quer dizer, professora…”

O convívio escolar entre pais-professores e seus filhos é sempre objeto de desconforto. Bom senso e sinalização clara das relações para todos costumam funcionar

Publicado em 10/09/2011

por Eli Serenza

O aluno do ensino médio sobe esbaforido as escadarias do colégio, onde encontra a professora que ministrara a primeira aula do dia para sua classe. Ao vê-la, justifica sua ausência: "Desculpe, mas não consegui chegar no horário porque o carro da minha mãe quebrou". Dada a justificativa, segue impávido para a classe. Tudo normal, não fosse o fato de que a professora em questão era também a mãe do aluno. E que ele viera com ela para a escola, aonde chegou no horário.

O caso ilustra um pouco das dificuldades decorrentes do convívio entre pais e filhos no mesmo espaço escolar, relação mais comum nas escolas privadas, em função das bolsas concedidas aos filhos de educadores e funcionários. Essa convivência traz, de cara, uma questão a ser pensada: se a escola representa o local de inserção social de crianças e jovens, que passarão da condição especial que desfrutam na família para o papel de "mais um" no conjunto institucional, como evitar a continuidade das relações privadas no espaço público?

"Não há regras", diz Sueli Issa, psicopedagoga e psicóloga clínica. Para ela, as relações variam conforme a idade das crianças e a capacidade dos pais e das instituições escolares de impor limites claros de convivência, separando os papéis familiar e de educador escolar.


Prós e contras


Muitas escolas preferem adotar estratégias para evitar problemas entre o pai-professor, o filho-aluno e, principalmente, entre esses e o restante da classe, como forma de impedir que a relação familiar afete o ambiente escolar. É o que acontece nos colégios paulistanos Dante Alighieri e Equipe, por exemplo. No Dante, o grande número de salas de aulas e de professores permite que a distribuição dos alunos evite a convivência direta entre pais e filhos. No Equipe, a troca da série ou função do professor no período que coincidiria com a convivência profissional direta com o filho é uma das alternativas utilizadas, principalmente nas classes dos alunos mais novos.

A psicóloga Luciana Sevorini, orientadora do ensino fundamental do Colégio Equipe, já viveu a questão de todos os ângulos possíveis, desde o início de sua vida escolar. A mãe era professora da pré-escola que frequentou; o pai foi professor de matemática na escola em que realizou o ensino fundamental; e ela é mãe de um dos alunos que, a partir deste ano, estará em uma das salas sob sua orientação na escola em que trabalha e onde conheceu seu marido, também professor.

A mãe de Luciana optou por não ser sua professora, para marcar o espaço da família e da escola. Como psicóloga, ela concorda com a decisão, pois considera que na fase da educação infantil é preciso estabelecer diferenciações concretas para a criança e o restante da turma, adotando regras claras de comportamento e facilitando a socialização com os colegas.

Sueli Issa aponta vantagens e desvantagens, não exatamente para o fato de a criança ter a mãe como professora, mas de estar no mesmo espaço escolar na educação infantil. Para ela, esse convívio pode representar uma segurança emocional para a criança que sabe que a mãe está perto. Para a mãe, pode trazer segurança por conhecer os profissionais da escola e até mesmo por uma questão de logística, em especial em uma grande cidade.

"Mas também pode, se não houver limites claros por parte da mãe-professora, gerar relações  de ciúme, possessividade, ambivalência. É preciso separar o laço afetivo do laço profissional", avalia. Ela lembra também que a presença de pai e mãe sempre é uma referência na mudança de ambiente, mas que essa referência precisa diminuir e ser transferida à figura da professora.


Adolescência


Já no caso dos mais velhos, especialmente daqueles que estão no ensino médio, há maior capacidade intelectual e emocional do jovem para lidar com a situação. Mas, alerta Sueli, é normal que ele tente testar os limites do genitor-docente.

Luciana viveu também essa situação.Seu pai foi seu professor durante os três anos do ensino médio. O mais difícil nessa fase foi o aprender a lidar com as diferentes situações, tendo de entender na prática que para tudo existe hora e lugar, mesmo entre pais e filhos. Mas essa convivência resultou em uma experiência que ela considera muito rica, pois reforçou laços de admiração e respeito, acabando por determinar sua opção profissional. "Apesar de minha escolha inicial ter sido a psicologia, logo me interessei pela interface com a educação e fui procurar estágio na mesma escola em que tive aulas com meu pai." 

Mas Luciana avalia que o convívio na sala de aula durante a adolescência também pode gerar outros conflitos, entre os quais destaca o constrangimento no caso de críticas mais exacerbadas dos colegas sobre o pai-professor. Como exemplo, cita o caso de um professor de educação física que ao arbitrar uma partida no campeonato interno de futebol foi acusado de favorecer o time do filho. "A situação, deixou o professor arrasado por ver sua atuação questionada e foco de uma discussão entre ele e os alunos que, no final, trouxe uma experiência positiva para toda a escola", diz Luciana.

Agora, Luciana se vê diante de uma nova situação: seu filho de 10 anos começa neste mês a cursar  a 6ª série do ensino fundamental. A solução encontrada para evitar conflito de papéis foi abrir mão da atividade que vinha desempenhando e trocar pela coordenação pedagógica, em que não terá contato direto com o filho. Ao avaliar que poderia inibir a participação do garoto nas discussões de classe e nas decisões conjuntas que a escola estimula entre o corpo discente e docente, sua formação como psicóloga pesou. Mas a profissional não deixou de lado a sensibilidade materna ao abrir mão da função que vinha exercendo até o ano passado.

No Dante Alighieri o conflito é evitado pelo tamanho da escola. Com cerca de 4 mil alunos e 8 a 10 salas para cada série dos ensinos fundamental e médio, as turmas são montadas de forma a impedir a convivência direta entre pais e alunos na sala de aula, como explica a coordenadora do Serviço de Orientação Educacional, Silvana Leporace. "Em todos os segmentos, temos orientadores atentos para a distribuição dos alunos e montagem das salas de aula para organizar as turmas de maneira que isso não ocorra."

A coordenadora identifica situações positivas e negativas na convivência em sala de aula entre pais e filhos, o que exigiria avaliações individualizadas – caso a caso, no seu ponto de vista. "Como essa avaliação seria muito mais complexa e subjetiva, a escola opta por ter um procedimento padrão na hora de montar as classes, eliminando as possibilidades de convivência, o que poderia resultar em prejuízo para o professor ou para o aluno", justifica Silvana Leporace, que em 27 anos de atuação no Dante Alighieri nunca conviveu com nenhuma situação de conflito gerada pela relação familiar entre os muros da escola.


Experiência positiva


A convivência entre pais e filhos na sala de aula não preocupa o professor Laudelino Aparecido da Silva. Efetivo da rede estadual há 25 anos, na EE Fernando Gasparian, também atua há 21 anos no Colégio Concórdia, escola particular localizada em Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Nos dois estabelecimentos é responsável pelas aulas de matemática para as turmas do ensino médio, mas foi como professor da 5ª à 8ª série do ensino fundamental na escola particular que teve a oportunidade de conviver em sala de aula com as duas filhas – Luciana, hoje com 25 anos, e Renata, com 22.

A proximidade da escola e o benefício de 100% de desconto na anuidade fizeram Laudelino optar por matricular as filhas na mesma escola em que lecionava. Não registra nenhum aspecto negativo em relação ao convívio com as filhas na escola, local "onde todos são iguais e não deve haver privilégio". "Todo professor age assim e eu, particularmente, em alguns momentos fui até mais exigente com minhas filhas, o que também considero normal", avalia.
 
Em casa, a convivência às vezes resultava em alguma ajuda nos estudos, "mas apenas quando solicitavam algum esclarecimento, como é comum entre pais e filhos, independentemente de serem ou não seus professores". Para não haver nenhuma possibilidade de vantagem decorrente do convívio doméstico, Laudelino sempre teve o cuidado de elaborar e corrigir as provas quando as filhas já estavam dormindo ou na ausência delas. "Em casa, sou apenas pai. Na escola, aluno é aluno e professor é professor."

Mas, como lembra Sueli Issa, essa divisão e os limites dela decorrentes devem estar bem claros e manifestos de forma transparente para todos. "Se a escola mantiver esse limite frouxo, as outras crianças podem se sentir em desvantagem em relação aos filhos de professores." Ou seja, o bom senso é melhor companheiro desse tipo de relação.

Autor

Eli Serenza


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