NOTÍCIA

Edição 283

Por que os alunos abandonam a universidade

As razões podem ser diversas, mas os altos percentuais de evasão, dizem os especialistas, estão presentes no mundo todo. No Brasil, pesam os problemas na formação do estudante durante a escola básica, somados à falta de recursos

Evasão escolar “Cada universidade vai enfrentar um conjunto de desafios, ligados desde a sua localização, sua comunidade discente até seu posicionamento de mercado”

Problemas na formação do estudante durante a escola básica no ensino público, somados à falta de recursos, num país em que cerca de 80% do ensino superior é pago, pouca relação do currículo com a necessidade de adquirir competências – o saber fazer – e conquistar uma vaga no mercado de trabalho, tornando os cursos pouco atrativos aos jovens, são algumas das razões que podem explicar a alta evasão nos cursos de graduação do país, que chega aos 55,5%, de acordo com o Mapa do Ensino Superior de 2023, do Semesp.

As razões podem ser diversas, mas esses altos percentuais, dizem os especialistas, estão presentes no mundo todo. Por exemplo, embora esteja em patamares menores, a evasão no ensino superior também preocupa gestores na Espanha e em Portugal. Não é possível comparar os números com precisão, porque as metodologias variam. Alguns estudos contam apenas o abandono no primeiro ano de faculdade, além disso, nem sempre se conta como abandono quem mudou de curso. Mas a evasão na Espanha ronda a casa dos 30% e, em Portugal, os 20%.

Juán José Juarez

Juán José Juarez, da Fundação Bertelsmann, sugere que as IES se aproximem mais dos jovens para ajudar na escolha das carreiras (foto: divulgação)

O espanhol Juán José Juarez, gerente de orientação vocacional na Fundação Bertelsmann, defende que a pouca clareza na definição do que é caracterizado como abandono e o acompanhamento pouco frequente desse índice são fatores que acabam dificultando que a sociedade espanhola veja a questão como uma deficiência do sistema educativo. “O abandono após o ensino obrigatório fica fora do radar por vá-rios motivos: primeiro, porque não é tão visível, diferente da evasão no ensino básico, que se dá dentro de uma mesma instituição e quando há a obrigatoriedade de informar às autoridades, o que gera um dado”, diz.

 

Leia: Alta evasão é motivada por currículo, diz especialista

 

Como há uma transição de etapa, os jovens vão para outra instituição, o acompanhamento se perde. Mais do que isso, as expectativas sociais mudam. “Sabemos que às vezes vão para instituições que não são a primeira escolha desse estudante; a sociedade não tem expectativa – nem um protocolo – para publicar ano a ano quem está abandonando. Considera-se como o abandono de uma pessoa adulta, que voluntariamente tomou uma decisão livre”, afirma. Essa ideia traz como consequência a desresponsabilização das instituições de ensino.

Por aqui, Enzo Banti Bissoli, coordenador de desenvolvimento discente e de carreiras e professor do curso de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), localizada na capital paulista, afirma que a compreensão da evasão requer levar em consideração diferentes cenários e a origem dos dados. Ele define três eixos: motivos de ordem externa à universidade e que não podem ser atingidos por ela, fatores de ordem externa com os quais a universidade pode lidar e produzir impacto e fatores internos. “Cada universidade vai enfrentar um conjunto de desafios, ligados desde a sua localização, sua comunidade discente até seu posicionamento de mercado.”

 

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As taxas de desistência também variam entre os cursos. Juarez destaca que os jovens espanhóis que vão para faculdade na área da saúde são os que menos desistem. O fantasma das disciplinas de cálculo parece também assombrá-los. “As engenharias e as humanidades, por outro lado, têm os mais altos níveis de desistência. As razões parecem diferentes nessas áreas. Nas humanidades, os cursos são vistos como fáceis, mas há desilusão com a empregabilidade; nas engenharias os alunos parecem não chegar preparados para a exigência acadêmica dos cursos”, explica.

No Brasil, há pelo menos dez anos os cursos de TI apresentam evasão maior que os demais. Mas a grande procura por esse profissional sugere que a alta empregabilidade é justamente o que provoca a desistência do curso. Com a vaga conquistada, o diploma torna-se apenas um detalhe.

A evasão no EAD

Roberto Paes de Carvalho Ramos

Na Unisuam, o ensino por competências também é considerado um fator relevante para evitar a desistência, afirma Roberto Paes de Carvalho Ramos, diretor de ensino (foto: divulgação)

Há grandes diferenças entre modalidades, instituições e tipos de cursos, o que sugere a inadequação de uma percepção generalizada dos percentuais de evasão. Os dados da Espanha permitem perceber, por exemplo, que a maior parte do abandono se dá no primeiro ano da faculdade e que na modalidade EAD a taxa é bem maior. Isso deveria levar as instituições a pensar em soluções específicas para cada contexto.

A evasão no EAD também é superior à do presencial no Brasil. Para Roberto Paes de Carvalho Ramos, diretor de ensino da Unisuam e que acompanha a modalidade desde sua origem, há mais de duas décadas, parte da alta evasão no EAD acontece porque há um “choque metodológico”, ou seja, há estudantes que não se adaptam à metodologia. Ele afirma também que a razão que faz o EAD parecer uma espécie de vilão da evasão é o que ele chama de “canibalismo”. São as campanhas para captação de alunos, com altos descontos ou oferecendo gratuidade na matrícula ou na primeira mensalidade. As pessoas até podem ser estimuladas a iniciarem um curso, mas não permanecem – por não poderem pagar ou não conseguirem acompanhar – ,inflando, portanto, os números de desistências.

 

Motivos não faltam

Enzo Banti Bissoli

Para Enzo Banti Bissoli, do Mackenzie, “a compreensão da evasão requer levar em consideração diferentes cenários e a origem dos dados” (foto: divulgação)

No Brasil, de acordo com o Mapa do Ensino Superior, 90% dos jovens que ingressam na faculdade têm renda de até três salários mínimos e 45% de até 1,5 salário mínimo. “Um dos fatores que não podemos deixar de apontar ou reforçar são os econômicos e de desigualdade em nosso país e a transição do ensino médio para a graduação que demanda não só conhecimento, mas habilidades e repertório de autonomia por parte do aluno”, aponta Bissoli.

A UPM contabiliza 11% de evasão anual. Sem dúvida, a dificuldade em pagar mensalidades é um fator preponderante, mas para Ramos, da Unisuam, “há uma lista de pelo menos trinta motivos”. A instituição tem unidades na zona norte do Rio de Janeiro – no bairro de Bonsucesso –, e na zona oeste, próxima aos bairros de Campo Grande e Bangu, regiões consideradas periféricas. A maioria dos estudantes é das classes C e D. São 30 mil alunos – 22 mil na modalidade presencial e oito mil no EAD –, nos cursos de graduação e pós. A IES tem percentuais baixos de evasão, são 18% no EAD e 6% no presencial. Dos que desistem, de acordo com dados da própria Unisuam, 25% o fazem por questão financeira.

 

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Para o especialista espanhol, a diversificação na oferta de graduações também vem contribuindo para o abandono, ou, no mínimo, para que muitos acabem trocando de curso no meio do trajeto. A escolha ficou mais complexa, porque há cada vez mais opções e nem sempre é fácil perceber as diferenças. “O que se passou com os cursos é mais ou menos o que se passou com os iogurtes. Antes a gente tinha a opção “de limão”, mas hoje tem de limão com um toque de canela, ou com laranja, outro desnatado, outro sem lactose”, compara. Mas, claro, a escolha por um sabor errado de iogurte traz muito menos consequência que um curso universitário errado.

Caminhos para transformar

Há programas para retenção de estudantes, que normalmente envolvem a captura de dados acerca dos motivos da vontade de desistir, municiando as ações de permanência. No Mackenzie e na Unisuam, há ênfase no acolhimento dos estudantes e nos cursos de nivelamento.

Dentre as ações, o Mackenzie oferece um programa de primeiro ano, que visa a excelência na recepção, no acolhimento e na transição do aluno para a graduação. Além da tradicional recepção aos calouros, “são oferecidos momentos de integração e acolhimento, compreensão da estrutura e setores da universidade, cursos de nivelamento, apresentação das diversas oportunidades, trajetórias, e atividades de reflexão e autoconhecimento em carreiras e atividades com profissionais referência em suas áreas e egressos da nossa universidade”, detalha. A permanência do estudante é uma questão que envolve todos os setores da universidade.

Também na Unisuam, dá resultados na retenção dos alunos o que Ramos chama de “cultura do acolhimento”, que reforça valores como a afetividade e a cordialidade. Construir essa cultura internamente não é tão simples, mas fundamental. “A IES não pode estar alheia aos alunos. Nesse mundo pós-pandêmico, estão todos com os nervos à flor da pele, as emoções falam mais alto, ninguém mais tolera ser maltratado. Então, não se trata apenas de um acolhimento em núcleos psicopedagógicos, mas de realizar ações permanentes para esse aluno ter a satisfação de estar lá, de se sentir num ambiente acolhedor.”

 

 

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Por conta do perfil dos estudantes – a maioria egressa do ensino público – o nivelamento é fundamental na Unisuam. O programa dura o semestre todo e é segmentado, com aulas extras de matemática para os cursos de engenharia e tecnologia, ou biologia para os cursos de saúde. Cerca de 5% dos alunos frequentam essas aulas e, desse percentual, 30% são calouros.

Além de ações específicas, Ramos enfatiza o ensino por competências como responsável pelos baixos percentuais de evasão. ”Quando trabalhamos por competências há um crescente ao longo do semestre, um módulo único com quatro competências que se desdobram em conhecimentos e habilidades que serão praticadas. Adotamos um currículo que prende o aluno, porque ele tem a sensação de que está aprendendo, de que está mais perto do mercado de trabalho.”

 

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Um primeiro período repleto de conteúdos teóricos é percebido pelo aluno como “nada a ver com ele”. “O estudante de arquitetura entra no curso e quer estar no Autocad já no primeiro período”, conta o diretor. Outra vantagem é poder “diluir” o conteúdo. “Por exemplo, os cursos de engenharia começam tradicionalmente com cálculo 1, que é onde o estudante vai reprovar e evadir. Por que fazer isso? Podemos diluir em doses. Por exemplo, no primeiro período, os estudantes aprenderão uma parte do cálculo para construir a maquete de um prédio”, detalha.

Na realidade espanhola, Juarez afirma que para mudar o cenário e reduzir a evasão, o sistema todo precisa fazer ajustes, e enfatiza a questão da orientação vocacional ainda na escola básica. Uma parte da responsabilidade cabe às escolas, que deveriam se preocupar com a orientação vocacional desde cedo, oferecendo programas que envolvam o autoconhecimento, em vez de só “informar” sobre as opções e fazer isso apenas perto do final do ensino médio. As faculdades também têm de se abrir mais aos adolescentes: convidar para atividades, palestras, promover programas de férias, mostrar quem são e o que oferecem de verdade. “O que chega atualmente para os estudantes é só marketing; não deveria ser assim.”

 

Ações em Portugal

Ana Balcão Reis

Ana Balcão Reis, da Nova School of Business and Economic, conta que o programa governamental para evitar o abandono da faculdade destina 4 milhões de euros às IES públicas e privadas (foto: divulgação)

Depois que o estudante ingressou no ensino superior, os esforços para o sucesso devem continuar. Como grande parte do abandono se produz no primeiro ano, esse deve ser um período crítico para as ações. Na Nova School of Business and Economics, em Portugal, as ações começam já na semana de boas-vindas, quando há rodas de conversa bastante informais entre os novos alunos e os professores, em que eles podem realmente se conhecer, saber até mesmo da vida pessoal e dos hobbies de cada um.

Há também um esforço institucional para criar laços entre calouros e veteranos. “Os alunos mais experientes são mentores e acompanham os que chegaram durante toda a primeira semana. Depois, continuam a servir de ponto de contato no restante do ano, pessoas com quem podem trocar experiências”, conta a professora da Nova SBE, Ana Balcão Reis.

 

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Aliado à integração social, há estímulos para melhorar o desempenho acadêmico num programa de tutoria entre pares: alunos que terminaram com boas notas certas disciplinas ajudam voluntariamente nos estudos de quem estiver com dificuldade. A universidade oferece o espaço e um sistema de “match”. E, no gabinete de apoio psicológico, há sessões coletivas sobre como organizar os estudos, sobre métodos de trabalho no ensino superior e criação de grupos onde os estudantes podem falar sobre suas dificuldades.

Cada universidade tem autonomia para implantar programas desse tipo, mas são ações cada vez mais frequentes em Portugal, até porque as IES têm sido apoiadas por uma linha de financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Este ano, o governo lançou a segunda etapa do Programa de Promoção de Sucesso e Redução de Abandono, com verbas de 4 milhões de euros, destinadas tanto às IES públicas quanto às privadas.

 

Autor

Luciana Alvarez e Sandra Seabra Moreira


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