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Competitividade deve ser trabalhada como ideal de superação, defende educadora

Inês Boaventura França, gerente técnica do Projeto Ismart Crédito: Gustavo Morita Depois de trabalhar por mais 18 anos nas redes estadual, municipal e privada de Belo Horizonte, a psicóloga especializada em educação Inês Boaventura França saiu de suas hostes para encarar o desafio de coordenar, […]

Publicado em 10/09/2011

por Valéria Hartt


Inês Boaventura França, gerente técnica do Projeto Ismart
Crédito: Gustavo Morita

Depois de trabalhar por mais 18 anos nas redes estadual, municipal e privada de Belo Horizonte, a psicóloga especializada em educação Inês Boaventura França saiu de suas hostes para encarar o desafio de coordenar, como gerente técnica, o Instituto Social Maria Telles e seu projeto Ismart. Voltado a alunos de alto potencial (ou de altas habilidades, como está em voga dizer) oriundos de comunidades de baixa renda, o projeto parte do princípio de que o país vem perdendo talentos por não saber identificá-los e, dessa forma, relega-os à pobreza, não permitindo que superem as condições de seu ambiente e não se incorporem ao ideal de cidadania.

Fundado em 1999, o Ismart apoiará neste ano, por meio de três projetos, os estudos de 470 alunos. Em parceria com escolas privadas das cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza, o Ismart identifica alunos de alto potencial e permite que estudem nesses colégios. Na entrevista a seguir, concedida a Rubem Barros, editor de Educação, a gerente técnica fala sobre as particularidades dos alunos de alto potencial, de políticas públicas e da competitividade no universo da educação.


Os alunos com altas habilidades, especialmente os de baixa renda, sofrem de problemas parecidos com os de outros portadores de necessidades especiais?

O aluno de altas habilidades é também um aluno de necessidades especiais, pois precisa de atendimento diferenciado e ambiente propício à aprendizagem, que favoreça o seu crescimento. Dentro de uma escola que não oferece condições para que se desenvolva, apresenta problemas e muitas vezes fica isolado do grupo por não encontrar nos pares um eco para falar dos assuntos pelos quais se interessa. A família às vezes também não consegue entendê-lo nem acompanhá-lo. Por isso, é importante que esteja numa escola com condições metodológicas para desenvolver suas habilidades.


É comum que eles escondam suas capacidades para não se sentirem diferentes do grupo?

Sim. Normalmente, são rotulados como "nerds" ou "CDFs", então escondem seu potencial para se sentir incluídos.


O que caracteriza esse aluno?

São extremamente curiosos, questionadores, alguns demonstram pensamento divergente [associado à criatividade]. São persistentes na realização de desafios e tarefas, gostam de inovações, são criativos. Esses talentos são verificados em diferentes áreas. Há um escopo de características para quem é talentoso para a música, para o esporte ou para o universo acadêmico.


Como o Ismart trabalha com esses alunos?

Quando selecionamos o aluno, identificamos que é um potencial talento, não ainda um aluno de altas habilidades. O Ismart tem como foco o talento acadêmico. È comum alunos que tenham talento acadêmico e também para o esporte ou a música, mas nosso projeto é voltado ao talento acadêmico. Uma vez identificado, buscamos escolas que tenham estrutura física com laboratórios, metodologia adequada e corpo docente qualificado para propiciar o desenvolvimento do aluno, com atividades extracurriculares voltadas à área de suas habilidades.


Essas diretrizes poderiam ser encapadas por uma escola pública regular de ensino fundamental ou médio?

De um ano e meio ou dois para cá, há uma grande mobilização das escolas públicas para que se tenha um olhar mais voltado para o aluno talentoso. É difícil, pois é uma estrutura cara. Criar condições para que esse aluno se desenvolva representa um investimento muito alto. O governo federal fez um aporte de cerca de R$ 2 milhões, mas não sabemos ao certo como esse dinheiro foi direcionado. Seria preciso ter uma estrutura diferenciada para atender a esse aluno. Primeiro, os professores deveriam ser capacitados para identificá-los. É mais fácil identificar aqueles voltados ao esporte ou à música e cuidar deles. Como existem muitas instituições filantrópicas que desenvolvem talentos nessas áreas, são encaminhados para elas. Já o talento acadêmico é mais difícil.


Por quê?

Há o aluno que está desmotivado ou é indisciplinado, e o professor não consegue ver que isso ocorre porque não está sendo atendido em suas necessidades. As escolas teriam de ter toda uma metodologia diferenciada para atendê-lo. Hoje, da maneira como a escola pública está organizada, com o grande número de alunos em sala de aula, com a falta de preparo dos professores para trabalhar com esse aluno, com a falta de estrutura física, é muito difícil que consiga atendê-lo.


Qual o percentual da população que se encaixa nessa categoria?

Há estatísticas mundiais que indicam que de 1% a 5% da população é de pessoas talentosas, isso em todas as classes sociais. Recentemente, saiu um censo que aponta haver aproximadamente 2,5 mil jovens talentosos, academicamente falando, nas escolas brasileiras. Acredito que é um número pequeno e que temos mais jovens talentosos, mas ainda não temos esse estudo bem detalhado.


De maneira geral, como a senhora vê as medidas do Plano de Desenvolvimento Educacional anunciado pelo governo federal?

O governo está se mobilizando em função da pressão da sociedade. Esses R$ 8 bilhões que estão sendo destinados precisam ser bem administrados, são recursos que provavelmente vêm do Fundeb. Caso o foco dos investimentos seja a Educação Básica, teremos dentro de poucos anos uma grande mudança na educação.


Acredita que iniciativas como a Olimpíada da Língua Portuguesa e as outras já existentes em várias disciplinas podem constituir-se em política pública eficiente?

Sim. A Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep) foi uma grande iniciativa do Ministério da Educação. É uma forma de valorizar o estudo da matemática e de despertar nos alunos o interesse para estudar. Olimpíadas existem desde 1890. No Brasil, começamos tarde. As olimpíadas de matemática tem sido um grande sucesso. Em 2006, a das escolas públicas teve a participação de 14 milhões de estudantes. A de português é uma grande expectativa e acredito que possa trazer contribuições grandiosas.


Apesar de algumas ilhas de excelência, o ensino privado, em média, também não vai bem. Até que ponto ele difere do ensino público?

Realmente, nossos resultados não são bons também no ensino privado, basta ver nossa colocação no Pisa nos últimos anos. As escolas de porte médio do ensino privado estão quase no mesmo patamar que as escolas públicas de melhor qualidade. O que difere é a participação das famílias na escola. Na rede privada, as famílias têm mais acesso à escola.


Um dos maiores problemas da escola pública não é a ausência das camadas média e alta da população? Isso não ajuda a acentuar o apartheid social em que vivemos?

Se as escolas públicas fossem mais abertas à participação das famílias no dia-a-dia do aluno, se houvesse a liberdade e a oportunidade de conhecer a prática pedagógica utilizada, se a família tivesse conhecimento das avaliações e acesso aos professores e aos diretores, elas seriam bem melhores. Muitas vezes o que vemos são pais na porta da escola esperando que o portão se abra para que consigam falar com alguém do corpo docente.


O problema está na escola ou nas famílias?

Dos dois lados: na escola que fecha seus portões por questão de segurança, e na família, que não se sente no direito de participar daquela comunidade escolar. A família de baixa renda acha que a escola pública é um serviço gratuito e que ela não tem direito de questionar. É preciso entender a diferença entre público e gratuito. A escola pública não é gratuita, pagamos por ela e podemos questionar e reivindicar. A família de baixa renda não entende isso e se sente constrangida de ir à escola.


A falta de desafios em sala de aula parece ser um dos motivos para o fracasso de nosso ambiente escolar. O que fazer para modificar essa dinâmica?

Os alunos são muito pouco desafiados tanto na escola pública quanto na privada. Hoje, com a quantidade de estímulos que existem fora do ambiente escolar, a escola precisa correr atrás e levar para a sala de aula questões que exijam criatividade, análise crítica e que sejam práticas. Que o aluno possa aprender a matemática como uma disciplina que explique os fenômenos da natureza, as questões cotidianas, sociais, que aprenda a língua como função para facilitar a comunicação, que aprenda a escrever para se comunicar, e não como um conjunto de regras. Então a escola ainda tem dificuldade de desafiar o aluno para que ele possa aprender muito mais.


Até que ponto competição é uma alternativa válida no universo escolar?

Competitividade parece ser algo proibido dentro do ambiente escolar. Mas eu acredito na competitividade, acho que ela aumenta a qualidade. O que não podemos é pensar na competitividade como algo individualista, mas sim como um ideal de superação, de se trabalhar um espírito da solidariedade e de sociabilidade que é muito bacana. As olimpíadas de matemática têm traduzido isso.


De que maneira?

Visitei uma competição estadual de robótica na Califórnia, com alunos de 12 a 17 anos. Fiquei impressionada com a maneira como as equipes se organizaram para construir os seus robôs – a competitividade se expressava como senso de coletividade, tudo muito valorizado. A competição aconteceu em um estádio lotado por famílias e pela comunidade, todos torcendo pelas equipes. Precisamos entender as olimpíadas de matemática, português ou física como algo saudável que propicia o desenvolvimento dos alunos.


Mas aí o evento não acaba virando mais importante do que o processo de aprendizagem?

Não, a cerimônia só é uma conseqüência. O bacana é o que se dá no processo, o que ocorre ao longo dele.


Dessa forma não se deixam em segundo plano aqueles que não participam? O foco da educação não acaba só naqueles que têm bom desempenho?

Essa pergunta tem sido feita por muitos educadores. Não vejo dessa forma. Se a escola trabalhar isso como uma oportunidade de melhorar o aprendizado da disciplina em seu interior, se atingirá o todo. Aqueles alunos que têm uma habilidade maior dentro dessa disciplina com certeza se destacarão, mas também se atenderá aos outros.


E a competição também pode ser usada em sala de aula?

Pode-se estimular o trabalho em grupo, que é o eu dentro do coletivo, o individual contribuindo para a performance do grupo. Quanto mais as escolas incentivarem o trabalho em grupo, mais melhoraremos e desmistificaremos a competitividade dentro da escola.   

Autor

Valéria Hartt


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