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Novos meios, nova escrita

Mídias contemporâneas não implicam o fim do livro, apenas resultam em novas formas de ler e escrever; experiências mostram resultados distintos nas formas de apropriação da escrita no meio digital

Publicado em 10/09/2011

por Rubem Barros

Que impacto produz no leitor o bombardeio de imagens e informação protagonizado pelos meios de comunicação de massa e digitais? Ao invés de subtrair pessoas ao mundo da leitura, hoje parece claro que cinema, TV e internet têm, isso sim, moldado novas formas de leitura. E novas possibilidades de escrita.

Como lembra o escritor e doutor em Filosofia da Educação, Gabriel Perissé, autor de Literatura e Educação (Autêntica, 2006), o cenário atual, com educadores que reclamam dos novos meios, faz recordar as décadas de 40-50, quando o vilão eram as histórias em quadrinhos.

"Boas ilustrações, cenas espetaculares no cinema e na TV, a dinâmica imagética da web, nada disso exclui o leitor do convívio com o livro. Assistimos a uma ‘teatralização’ do texto literário, no sentido de ‘visualização’, em versões não-teatrais. Não há mais como dissociar o personagem Harry Potter que aparece no papel impresso da figura física do ator Daniel Radcliffe", avalia o educador.

Para a professora de Literatura e pesquisadora do CNPq Regina Zilberman, a escola vive um momento de definição nesse "embate" com os novos meios. "Ou se transforma ou pode sumir. A televisão já desempenha um enorme papel pedagógico, que pode ser suplantado pela comunicação virtual. Um conhecimento enciclopédico pode ser alcançado facilmente pela internet", acredita.

Como lembra a autora em Fim do Livro, Fim dos Leitores? (Senac, 2001), o livro é apenas um dos suportes em que se dá a leitura. Citando o "gesto fundador da nomeação lingüística", formulado pelo filósofo Walter Benjamin, que indica que o ato do homem de ler a natureza é que instaura a linguagem, escreve Regina: "(…) leitura e escrita antecedem e sucedem os meios utilizados para sua gravação num dado tipo de material, de modo que a troca desse [o livro] por outro – disco rígido, disquete, CD de alumínio ou site na internet – representa tão-somente um outro passo (ou vários) na direção do progresso e do aperfeiçoamento tecnológico".

A seu ver, a escola deve ser uma instituição de retaguarda e reflexão, a ocupar um lugar único para pensar a condição do cidadão. Mas, para isso, precisa ultrapassar sua dimensão tradicional e propor outras, novas, sem o que não corresponderá às expectativas sociais.


Maria Teresa Freitas, da Universidade Federal de Juiz de Fora: experiência mostrou que alunos podem usar o texto de forma adequada ao seu contexto de produção

Um dos passos nesse caminho é entender que tipo de apropriação crianças e adolescentes têm feito dos meios em suas práticas de escrita e leitura. Com esse objetivo, os professores Maria Tereza Freitas, da Universidade Federal de Juiz de Fora, e Sérgio Costa, da Unincor, pesquisaram o perfil de uso da internet de 28 alunos dos ensinos médio e fundamental, público e privado, de Juiz de Fora. 

Entre 99 e 2003, foram analisados e-mails, chats, listas de discussão de seriados televisivos e sites construídos por adolescentes. Como suporte metodológico, os docentes utilizaram a Teoria Enunciativa da Linguagem, de Mikhail Bakhtin, que preconiza a interação verbal como essência da linguagem, com cada contexto e época produzindo seus gêneros de escrita.

Parte dos resultados é fácil de supor, pelo contato hoje corriqueiro com os textos do mundo virtual. Constatou-se a utilização de uma escrita abreviada, sem acentos, fruto de um hibridismo entre os conhecimentos da norma culta e um padrão de oralidade. "É um código criado para um novo sistema, com uma escrita coloquial, em tempo real, feita no teclado", diz Tereza Freitas.

Outras conclusões, no entanto, fugiram ao que a pesquisadora chama de expectativa preconceituosa da escola em relação a esse tipo de prática. No caso daqueles que construíram sites sobre temas de seu interesse – principalmente sobre bandas de rock -, a prática resultou em leitura, pesquisa e textos mais bem cuidados. "Também havia uma adequação de contexto no uso da linguagem. Os conteúdos do site tinham um padrão de escrita mais formal, diferente do utilizado nos chats, mais coloquial",
realça Teresa Freitas.


Autoridade do texto

Mas nem todos os pesquisadores transbordam esse mesmo otimismo. Conceição Alves de Lima, professora de Lingüística Aplicada da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), tem realizado nos últimos anos estudos exploratórios sobre a intertextualidade e a maneira como professores e alunos lidam com a leitura e a escrita com várias mídias ao mesmo tempo.

"Pelo menos aqui na região, a escola ainda não acordou para isso. Os professores são muito resistentes ao computador e ainda não se convenceram de que estão diante de uma nova textualidade, cujas condições e produções são diferentes do texto impresso", relata.

Em um de seus estudos, Conceição Alves Lima trabalhou, por meio de uma plataforma tecnológica que permitia aferir o desempenho individual dos participantes, com processos de escrita colaborativa entre alunos de pós-graduação que cursavam letramento digital na Universidade de Sorocaba (Uniso). Nessa experiência, a docente constatou que, mesmo nesse estágio de formação, os alunos mantêm arraigados valores adquiridos no mundo da escrita tradicional.

"O documento escrito tem uma grande autoridade, o que gera o medo de se mexer nos textos dos outros. Assim, de modo geral um aluno assumia a liderança do grupo, e as alterações que outros promoviam no texto eram muito superficiais. Constatamos uma falta de iniciativa e comodismo muito grandes", relata Conceição. Ao que parece, se leitura e escrita não dependem de suporte para existir, os problemas para o seu domínio também não.


Para saber mais


Letramento Digital, de Carla Viana Coscarelli e Ana Elisa Ribeiro (Autêntica, 2005)
Leitura e Escrita de Adolescentes na Internet e na Escola, de Maria Tereza Freitas e Sérgio Roberto Costa (Autêntica, 2005)

Autor

Rubem Barros


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