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Políticas Públicas

Docência em série

Estados começam a concluir planos estratégicos para acelerar a formação de professores; Capes planeja oferecer 600 mil vagas de licenciatura nos próximos três anos

Publicado em 10/09/2011

por Marta Avancini

Após mais de um ano de debates – a maior parte a portas fechadas e nos bastidores – começam a ganhar forma as diretrizes e estratégias para solucionar o principal problema da Educação Básica brasileira: a falta de professores. Das 27 unidades da Federação, pelo menos sete já concluíram seus planos estratégicos para realizar a formação em massa dos docentes que estão em sala de aula sem a devida qualificação – ou seja, possuem formação em área distinta daquela em que atuam ou não têm licenciatura.

As dimensões do déficit de professores no Brasil são enormes: 1,6 milhão de docentes na ativa se enquadra em uma das duas situações citadas, de acordo com a Coordenação de Formação de Pessoal de Nível Superior (Capes), a agência do governo federal que passou a ser responsável pela formação docente desde 2007. Para começar a equacionar o problema, planeja oferecer 600 mil vagas de licenciatura nos próximos três anos.

A fim de viabilizar a proposta, o Ministério da Educação (MEC) defende a criação de um Sistema Nacional de Formação de Professores, sob a coordenação da Capes e operacionalizado por meio do regime de colaboração entre os estados/Distrito Federal e os municípios. O Ministério elaborou uma minuta de decreto que foi submetida à consulta da sociedade. A expectativa é que a versão final do decreto fique pronta ainda em dezembro.

Um dos eixos do Sistema são os planos de formação docente das unidades da Federação, ao lado de um programa de oferta de bolsas de estudo para estudantes de graduação que participarem de projetos desenvolvidos em escolas (conhecido pela sigla Pibid), além de ações na área de formação continuada e de fomento à reformulação das licenciaturas para aproximá-las da realidade das salas de aula.

Os planos dos estados mantêm uma interface com o Sistema Nacional, mas são independentes dele: consistem em um dos elementos previstos no Plano de Ações Articuladas (PAR) – documento de planejamento estratégico cuja elaboração é condição necessária para aderir ao Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).


Descompassos estaduais


Bahia, Mato Grosso, Alagoas, Sergipe, Tocantins, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul estavam com os planos prontos no início de novembro e pretendem começar as aulas em 2009. Acre e Distrito Federal não precisam de uma ação específica nessa área, pois contam com professores licenciados em quantidade suficiente. São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, por sua vez, não haviam dado início à construção do plano até o começo de novembro, de acordo com informações do MEC. Os demais estados devem entregar seus planos até o final de 2008.

Para construir suas estratégias, os estados devem seguir um roteiro comum, porém adaptado às condições e especificidades locais, explica o secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Eduardo Bielschowsky, responsável pela coordenação do processo no âmbito do PAR. "Colocamos os dados do Educacenso à disposição dos estados, para que eles façam um diagnóstico, e estamos acompanhando todo o processo em parceria com a Capes", explica.

Com os números nas mãos, é efetua­do o levantamento das necessidades e da oferta de vagas nas instituições públicas de ensino superior e são iniciadas as discussões envolvendo vários agentes da área de formação com o objetivo de definir as prioridades, estratégias e características das licenciaturas, até se chegar ao formato final do plano. Essas discussões se dão no âmbito de um fórum, que conta com a participação do secretário estadual, representantes da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), instituições de ensino superior públicas, sindicatos, conselhos estaduais de educação, entre outros. "Não seria possível viabilizar essa proposta sem um trabalho de efetiva colaboração e participação dos estados e municípios", diz o titular da Seed/MEC.

Conforme explica o diretor de Educação Básica Presencial da Capes, Dilvo Ristoff, o atendimento à necessidade por formação inicial pode se dar de várias maneiras: ampliação das matrículas oferecidas em cursos de licenciatura, pedagogia e normal superior, criação de novos cursos de licenciatura em instituições públicas, criação de programas especiais de formação de professores, pelas instituições públicas de educação superior e apoio técnico ou financeiro do governo federal para atendimento de necessidades específicas. 


Novos institutos


Nesse desenho, os Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), que se transformarão em institutos, atuando na formação de nível médio e superior, tendem a desempenhar papel relevante. "Importante lembrar que a formação inicial de profissionais do magistério dará preferência ao ensino presencial, fazendo uso da educação a distância subsidiariamente", aponta Ristoff, enfatizando que essa foi uma das deliberações da 1ª Conferência de Educação Básica, realizada em abril de 2008.

Uma vez formatados, os planos dos estados são submetidos à análise e avaliação de uma comissão formada por representantes de várias áreas do MEC e da Capes. A implantação depende da aprovação da comissão.


Regionalidades


Entre o roteiro e o desenho final há um longo caminho e uma série de obstáculos. Na Bahia, os entraves são a própria dimensão do problema (50 mil professores sem licenciatura ou sem formação na área de atuação, a maior parte na rede municipal), a necessidade de articular a formação com os municípios (criação de mecanismos que possibilitem que os docentes freqüentem as aulas e continuem as atividades em sala de aula), além de melhorar a qualidade da formação ofertada.

Para dar conta disso tudo, explica Penildon Silva Filho, diretor-geral do Instituto Anísio Teixeira, instituição a cargo da formação docente no âmbito da Secretaria de Estado da Educação da Bahia, a execução do plano no estado envolverá quatro universidades esta­duais e três federais, além dos Cefets, que vão destinar 20% de suas vagas para licenciaturas, e a Universidade Aberta do Brasil (UAB). "A programação é formar todos os docentes em seis anos, prevendo três ingressos: em 2009, 2010 e 2011", prevê Silva Filho.

Para viabilizar a adesão dos docentes – que terão de manter as atividades na escola -, os cursos presenciais serão oferecidos por meio de módulos, a fim de que o professor permaneça na escola três semanas por mês e na quarta se dedique aos estudos. Quando o docente titular se ausentar, um substituto deve assumir seu trabalho, diz Silva Filho.

Em Santa Catarina, o déficit de professores formados é menor do que na Bahia – o cálculo é que são necessários 17 mil -, mas a dificuldade foi envolver as universidades públicas no processo, relata a diretora de Ensino Superior da Secretaria de Estado da Educação, Mariléia Gastaldi. "Foram necessárias várias reuniões para mobilizar as instituições, mas conseguimos chegar a um bom desenho", analisa.

Uma particularidade no caso de Santa Catarina é o envolvimento das instituições de ensino superior comunitárias, bastante atuantes no interior do estado, explica Mariléia. "Não temos como desconsiderar a força e a qualidade do ensino ofertado por essas instituições, por isso foram incorporadas ao processo e o MEC aceitou", conclui.

Embora o número de docentes a ser formado não seja tão grande e o plano de Santa Catarina tenha sido estruturado em um trabalho prévio de definição de novas diretrizes para a formação docente no estado, realizado em 2007, a diretora Mariléia prevê que somente em 2020 todos os docentes terão licenciatura – contrariando as previsões da Capes de chegar a 2018 com toda a demanda reprimida atendida e com o sistema de formação inicial adaptado às necessidades do país.

No Mato Grosso, o maior desafio são as distâncias e a necessidade de mudar o perfil do profissional formado. As distâncias impõem dificuldades de ordem logística, explica Rosa Neide Sander de Almeida, secretária-adjunta de Políticas Educacionais da Secretaria de Estado da Educação. "Temos municípios que ficam a 1,3 mil km da capital, por isso vamos utilizar uma estrutura de 15 regionais de formação ligadas à Secretaria para fazer o acompanhamento e viabilizar a oferta de cursos no interior", diz ela.

Além disso, será adotado um modelo de "curso parcelado", em que os docentes fazem módulos de formação durante as férias, um modelo já adotado no estado. Paralelamente, uma parcela do conteúdo – as disciplinas teóricas – poderá ser ministrada a distância. Sem esses recursos, não seria possível atingir o objetivo, explica a secretária-adjunta Rosa Neide: formar 23 mil docentes.

Outra singularidade do plano do Mato Grosso é que a maioria das vagas de licenciatura (80%) oferecidas pelas universidades envolvidas no processo será reservada a professores em exercício nas redes públicas. O objetivo, diz a secretária-adjunta, é atender o máximo de professores em exercício no menor tempo possível. Em boa parte dos planos já enviados ao MEC, a reserva de vagas gira em torno de 20%.

Contudo, todo o esforço no sentido de mobilizar a estrutura para ofertar as vagas necessárias para a formação inicial dos docentes será em vão se elas não estiverem associadas a mudanças no currículo das licenciaturas e na carreira do magistério. Nesse sentido, em Mato Grosso, além da oferta de vagas, os currículos passaram a ser organizados por área do conhecimento em vez de disciplinas, assim como os concursos para professores nas redes municipais e estadual. "Havia um descompasso porque o currículo das escolas é organizado por área do conhecimento e o das licenciaturas por disciplina. As redes tinham dificuldade de acomodar os professores conforme as suas necessidades", explica Neide Rosa.

Uma das dificuldades, continua a secretária-adjunta de Mato Grosso, é a falta de familiaridade dos docentes formados pelas universidades com o cotidiano de uma instituição de ensino. "Às vezes, o professor tem uma excelente formação, domina o conteúdo, mas entra em sala, dá sua aula e vai embora, sem participar da vida da escola."


O ajuste do currículo

Esse tipo de adequação entre as licenciaturas e as necessidades das escolas é um dos aspectos que está sendo analisado com mais cuidado pela comissão do MEC que avalia os planos estaduais, afirma a coordenadora do Programa de Formação e Capacitação de Docentes da Capes, Helena Freitas. "Não basta resolver a equação demanda-oferta. É preciso olhar para o currículo das licenciaturas e de que maneira ele se articula com a escola", continua. "Nesse sentido, a Capes pode desempenhar um papel fundamental, no sentido de estimular, por meio de programas, a construção de currículos e propostas de formação mais adequadas."

O currículo é, de fato, um dos nós a serem desatados. Uma pesquisa sobre os cursos de pedagogia, realizada pela Fundação Carlos Chagas, de São Paulo, sinaliza para uma falta de sintonia entre o que se ensina na faculdade e a dinâmica de sala de aula e pode ser uma indicação de problemas que percorrem a formação inicial de professores como um todo.

"O que a pesquisa revelou é que mesmo em disciplinas que, em tese, deveriam abordar questões da prática docente – como as didáticas específicas, por exemplo – as ementas mostraram cursos teóricos, que não articulam essa teoria com práticas letivas", analisa Marina Nunes, pesquisadora da Fundação e uma das coordenadoras da pesquisa.

Para Marina, existe uma "sobrecarga" dos cursos de pedagogia, o que acarreta uma falta de foco, gerando prejuízos à prática letiva. "Com tantas alterações na legislação e no foco dos cursos de pedagogia, hoje em dia não se tem clareza do profissional que esses cursos devem formar."

O debate sobre a necessidade de construir pontes entre as escolas e as licenciaturas, aumentar o número de professores formados e oferecer uma carreira atrativa, capaz de manter o docente na escola, são pré-requisitos para assegurar uma Educação Básica de qualidade. Sabe-se disso de longa data, assim como, há pelo menos uma década, é conhecido o déficit de professores, que naquela época era estimado em 200 mil. O Plano Nacional de Educação, em vigor desde 2001, previa que, até 2007, os docentes na ativa deveriam ter formação de nível superior – meta não alcançada. Diante do passado recente e dos desafios que se colocam, resta acompanhar se, desta vez, o caminho está certo.

Autor

Marta Avancini


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